quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Crônica de Shangri-La: Copa-piada, Olim-piada

José Manuel

Ao que tudo indica, há algo de estranho no fato de Pindorama ter patrocinando uma Copa Mundial de Futebol e estar com uma Olimpíada logo a seguir pela frente, com um intervalo tão curto, ou dois anos e três meses, e numa época em que o país não se encontra economicamente estável o suficiente para os dois grandes eventos.

Só existem dois antecedentes históricos recentes entre nações e em melhor situação que a nossa atual, que tenham tido a coragem de realizar semelhante feito duplo, e de dimensões mundiais, o México em 1968/1970, e a Alemanha 1972/1974.

A China, segundo maior PIB do planeta, não se atreve a tal, pois seus compromissos sociais e morais, com o desenvolvimento interno, não o permitem.

A realização de tão importantes eventos como uma Copa ou uma Olimpíada sempre serão desejos pelo qual nações queiram se projetar no cenário mundial. É normal e compreensível.

Tanto um como o outro, porém, são espetáculos ao nível planetário e necessitam de um super gerenciamento, principalmente estabilidade econômica, e que envolva não só o poder público, assim como parcerias privadas, para que os sonhos não se transformem em pesadelos, arrastando o país a um descontrole em suas contas públicas, por anos a fio, reduzindo a capacidade dos investimentos futuros em áreas essenciais, como saúde e educação, dentre outras.

A opção correta e tangível passa pela escolha temporal de uma ou de outra e, caso haja a possibilidade viável, estrutural e econômica para o patrocínio.

Portanto, com certeza existe algo mais a ser pesquisado no submundo das articulações políticas para que os dois fatos viessem a ocorrer praticamente juntos.

E com isso o pesadelo, que foi o que exatamente ocorreu com a Copa-Fifa 2014 na extravagância de um gasto avaliado para ficar no meio das várias versões, porque jamais saberemos a realidade, em mais de trinta bilhões de reais.

A contrapartida negativa mais visível dessa tragédia anunciada foi o resultado vergonhoso de um selecionado pentacampeão, mas totalmente desestruturado à época e usado como coadjuvante em show de multidões, obras super faturadas, arenas inacabadas, corrupção profunda na administração em obras das empreiteiras hoje conhecidas policialmente e um custo a longo prazo difícil de ser mensurado.

O país hoje está praticamente parado, devido a políticas equivocadas ao longo de doze anos, sendo o evento esportivo da Copa, somado ao patrocínio de uma Olimpíada o ápice de uma irresponsabilidade que vai nos custar muito caro.

Vai nos custar a degradação de setores essenciais, perda da capacidade produtiva, perda de empregos e possivelmente uma crise política que parece estar em gestação.

Tudo previsível e anunciado a tempo, mas aqui reside o xis da questão, porque setores da economia sabiam, a imprensa especializada sabia, a própria administração central sabia de que poderia vir a ser um tiro no pé, mas levaram adiante o projeto megalômano. Por quê?
Hoje, pelas notícias diárias e inacreditáveis dos milhões, bilhões desviados não só da Petrobras, mas também de outros setores da administração pública a virem à tona, no que já é considerado o maior escândalo de corrupção do planeta, tudo indica que havia a necessidade de se construir um manto de invisibilidade, que desviasse a atenção do que estava ocorrendo no submundo das instituições públicas.

E uma Copa do Mundo no país do futebol, no país pentacampeão mundial, seria o "crème de la crème", que possivelmente acobertaria tais atos.

Tanto presumivelmente como estrategicamente, uma falha no esquema, caso ocorresse a qualquer momento, ainda assim haveria um outro mega evento logo a seguir, para manter o status quo.

E acabou inesperadamente ocorrendo com o Petrolão, mas o outro manto invisível e de igual intensidade se aproxima e tem nome: Olimpíada-Rio 2016, que poderá tentar amenizar novamente uma possível descoberta em escândalos futuros, se os houver.

A Olimpíada do Rio de Janeiro já custa, em termos atuais, trinta e seis bilhões e setecentos milhões de reais, nas notícias de setores especializados, superando com vantagem o custo da Copa do mundo.

Os políticos rebatem os questionamentos sobre as importâncias gastas, com a balela de que a recuperação de áreas degradadas, usando Barcelona como exemplo, em nossa zona portuária, melhoraria o sistema de transportes, mobilidade urbana e haveria melhoria de qualidade para as populações mais diretamente atingidas.

Só que essas melhorias entram na categoria do chamado ganho intangível, aquele que é visto e sentido pelas pessoas, mas que é difícil de ser mensurado em retorno financeiro direto para o caixa da organização, ou seja a cidade do Rio de Janeiro.

Mesmo que com boa vontade, pudéssemos analisar pela ótica política, por que não foram feitas essas obras, tão necessárias segundo eles, há mais tempo e com absoluta certeza do que se estava fazendo? Precisava mesmo de uma Olimpíada para que isso pudesse ser feito?

Por que levar a população do Rio a um súbito desconforto brutal,com a retirada intempestiva da perimetral, causando um caos no transporte público e no trânsito do centro da cidade?

Aqui, com a pressa e a falta de controle que é marca registrada da administração pública em Pindorama, novamente a bandalha se instalou com o desvio inexplicado até ao momento, de vigas compostas de um metal raro e caro, especialmente produzidas para durar 400 anos.

Pela segunda vez, se comete o mesmo absurdo, o primeiro na construção desse monstrengo chamado perimetral, e o segundo agora, na derrubada do mesmo. Quem ganha e quem paga esses devaneios com o dinheiro público?
Novamente a eterna dubiedade antagônica, ou seja, o eterno desconhecido (eles) e a já certeza do conhecido (nós).

A exemplo do Pan, realizado em 2007, seu legado frustante em termos de obras de péssima qualidade e subutilizadas por falta de planejamento adequado, o que é sobejamente conhecido, a Olimpíada em 2016 caminha a passos largos para um novo vexame planetário como o dos 7 a 1 em 2014, pois estamos a pouco mais de um ano do evento, a despoluição da baía de Guanabara, símbolo da cidade pela sua beleza natural, não sai do papel e a captação dos esgotos jogados em suas águas, mal e mal chegam a 50% do tecnicamente desejável.

Assim como os escândalos presentes e futuros, tudo vem à tona, inclusive a matéria orgânica jogada nas águas da baía, e que frequentemente boia, solitária, competindo junto aos remos dos barcos single ou double skiff, acompanhando os cascos da vela laser e optimist, ou seguindo fielmente as braçadas vigorosas dos nadadores, enfim em todos os esportes aquáticos que se fizerem nesta baía poluída e para a incredulidade dos atletas estrangeiros que nos visitarão brevemente.
Tomara que eu esteja errado.
Título e Texto: José Manuel, do Rio a Niterói, de barca, vendo o que boia na baía, 11-2-2015



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Um comentário:

  1. Infraestruturas
    Eu morava em frente ao autódromo do Rio, local onde construíram duas estruturas: o parque aquático e a arena multiesportiva.

    Construiram também a… Vila Olímpica e o Estádio do Engenhão. Este, então, jamais entendi a construção naquele local, mas enfim…

    Pois bem, foi tudo o que sobrou dos jogos Pan-Americanos de julho de 2007.

    Antes dos jogos, o Rio de Janeiro iria ficar como Barcelona (como gostam de citar Barcelona!)… VLTs seriam implantados, discos-voadores fariam o transporte dos atletas, elevadores elevariam os cambistas, etc, etc…

    Se apoderaram de uma faixa de trânsito, do aeroporto até ao autódromo, pintaram no chão “Reservado PAN 2007” e pronto! A população, que muito sofreu com os engarrafamentos, que se lixasse.

    A arena, posteriormente, serviu para a realização de shows; quanto ao parque aquático, não sei se já descobriram alguma utilização (a serviço da população)…

    Não ficou sequer uma linha de ônibus, nada!

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