Alberto Gonçalves
Conheço Gabriel Mithá Ribeiro
de textos na imprensa e de pelo menos um livro que o próprio me enviou há anos.
Mithá Ribeiro em geral escreve, com acerto e sem a merecida repercussão, sobre
o ensino. Nesta semana escreveu no Observador sobre a pobreza. Lembrou a época
em que a sua família, regressada de Moçambique, foi pobre. Notou a importância
do trabalho e, se bem entendi, da sorte na fuga para a classe média. Lamentou a
cultura da dependência. Criticou os que fomentam essa cultura e prosperam à
respectiva custa. Por outras palavras, Mithá Ribeiro disse o que disse um
humorista acerca de certo fotógrafo: no ângulo certo, pobre rende um dinheirão.
Naturalmente, pôs as ditas "redes sociais" a babar ódio durante um
dia ou dois.
Uns, mais dados à indignação épica,
acham impossível que em 2015 ainda se escrevam coisas do género. Os inclinados
para a franqueza chamaram a Mithá Ribeiro "pretinho salazarista". É
sem dúvida bonito confirmar que a tolerância da esquerda só persiste em
condições ideais, ou seja quando ninguém ousa beliscar a sua imaculada
moralidade. Se beliscada, como no remoque do sindicalista Arménio acerca do
"escurinho" da troika, até o racismo é uma carta legítima.
Porém, não se presuma que os
motivos da fúria são raciais. Ou que, conforme se fingiu, se prendem com a
alegada pretensão de Mithá Ribeiro em restringir a discussão aos portadores de
experiência na matéria. Nem por sombras. O que verdadeiramente indigna a
esquerda é o seu tradicional inimigo: a ascensão social. Para quem ganha a vida
através da "ajuda" aos pobres, não há pior do que um pobre que vence
na primeira e dispensou a hipocrisia da segunda. Não há pior, em suma, do que
um pobre que deixou de o ser - excepto o que, para cúmulo, se atreve a contar a
sua história.
O marxismo, clássico ou
"moderno", aprecia um mundo arrumadinho e imóvel, onde a pobreza é
menos um estado do que uma condição vitalícia. Não se trata apenas de viver a
pretexto dos necessitados: trata-se de garantir que estes continuam a
necessitar - de abonos, protestos ou discursos "solidários". É por
isso que se abomina o descaramento dos "arrivistas", dos
"novos-ricos" e até dos recém--remediados ao mesmo tempo que se
dedicam lengalengas demagógicas aos velhos e, conquista suprema, aos novos
pobres. A miséria alheia assegura o sucesso dos que juram combatê-la mas
celebram o seu crescimento, real ou desejado. O episódio do "pretinho
salazarista" limitou-se a recordar uma fraude cruel: os amigos dos pobres
só gostam deles assim.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Diário de Notícias, 21-2-2015
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