José Manuel Fernandes
O Governo impôs a subida do salário mínimo,
calou os patrões com um mau acordo sobre a TSU e queria que o PSD fosse uma
espécie de eunuco de guarda à concertação social. Felizmente tal não
acontecerá.
O PSD faz bem em votar contra
a descida da TSU? Faz. E faz bem por uma razão muito simples: o acordo a que se
chegou na Concertação Social é um mau acordo que não merece ser salvo. Na
verdade, nem chega a ser um acordo, antes resulta de uma decisão política do
Governo: aumentar o salário mínimo houvesse ou não acordo, como o
primeiro-ministro referiu várias vezes. Mas rebobinemos e recapitulemos, pois
há muita poeira no ar.
1. As
“negociações” na Concertação Social começaram este ano sob um pano de fundo: em
2017 o salário mínimo seria de 557 euros. Uma decisão política. Uma decisão que
implicava um salto de 27 euros no salário mínimo sem qualquer relação com a
inflação, o crescimento económico ou o aumento da produtividade, os três
parâmetros definidos no acordo de 2014 (no tempo do anterior Governo) como
devendo guiar esses aumentos.
Aqui está o primeiro erro.
Como o atual ministro das Finanças, Mário Centeno, mostrou na sua anterior
encarnação como respeitado economista do Banco de Portugal, este tipo de saltos
no valor do salário mínimo têm um impacto negativo que afeta os trabalhadores com
salários mais baixos. Num artigo recente no Observador, Luís Aguiar-Conraria reforçou esta
argumentação, sublinhando que os efeitos negativos são maiores quando mais
elevada for a percentagem de trabalhadores a receber o salário mínimo, sendo
que em Portugal essa percentagem estará a aproximar-se de 30% quando os valores
de referência para a União Europeia se situam nos 10%.
A este primeiro erro o Governo
acrescentou um segundo erro: compensar as empresas com um desconto na TSU de
1,25 pontos percentuais, desconto esse mais elevado do que no passado (quando
se ficou pelos 0,75 pp) e com carácter mais duradouro. Como explicou de forma cristalina Helena Garrido também aqui no Observador, esta
compensação às empresas passou a constituir um estímulo para que estas
contratem trabalhadores pagando-lhes apenas o salário mínimo. Ou seja, em vez
de estarmos a promover políticas de valorização salarial, implementamos
políticas que se traduzem, na prática, num prémio a quem paga salários mais
baixos. Não podia haver maior contradição entre o discurso e a prática do
Governo de António Costa.
Resumindo: o Governo começou
por desrespeitar duplamente a Concertação Social, pois não só violou os
critérios de aumento do salário mínimo aprovados em 2014, como nem considerou
discutível o montante (557 euros) que antes tinha definido e dado forma de lei;
não houve uma verdadeira negociação, antes um regateio para “europeu ver”, e
que se resumiu a saber quando iria o Governo sacrificar de TSU para poder
exibir um acordo além-fronteiras; a solução final é má para a economia (salário
mínimo demasiado elevado), má para os trabalhadores com salários mais baixos e
má para as contas da Segurança Social, que deverão perder (pelas contas do
Governo) 40 milhões de euros só em 2017.
Face a este desastroso
resultado, e a todas as contradições passadas do PS no que se refere quer à
TSU, quer ao respeito pela Concertação Social, não há nenhum motivo para
“salvar” esta redução da TSU. Pelo contrário.
2. E a política?
Não deveria um PSD que no passado aplicou uma redução da TSU (se bem que menor,
se bem que suportada integralmente e de imediato pelo Orçamento de Estado)
aceitar este acordo?
É verdade: o PSD tem, na
aparência, um problema de coerência (mesmo que existam diferenças de
circunstâncias e números que não são pequenas).
É verdade: os parceiros
sociais de quem o PSD devia estar mais próximo – a UGT e as associações
patronais – desejam manter aquilo que veem como uma tábua de salvação e estão
zangados.
Tudo isto tem custos
políticos. Mas tem menos custos políticos que funcionar como uma espécie de
eunuco do PS de António Costa e de bengala de geringonça. Ou se simples notário
da concertação social, mesmo que violando as suas convicções sobre o que é
melhor para o país.
Os portugueses estão muito contentes
com a forma como funciona a atual. maioria? Se isso for verdade, então é bom
que avaliem toda a dimensão dessa aliança, isto é, aquilo que ela parece dar
(as famosas “devoluções de rendimentos”) e aquilo que ela também destrói (como
acontece neste caso).
Os portugueses (e os
jornalistas) estão fascinados com as capacidades de negociador de António
Costa? Então é talvez altura de perceberem que esta não só parece estar a ser
insuficiente para disciplinar a geringonça, como ostracizar sistematicamente os
partidos à sua direita tem um custo. Se o Governo sabia que ia ter um problema
com o PCP – como já teve o ano passado com uma redução mais pequena da TSU –
então deveria ter cuidado de saber se encontrava apoio noutras bandas. Não
encontrou, e mesmo que o Executivo conte com a prestimosa ajuda de Marques
Mendes, isso não muda a realidade: a responsabilidade é do Governo que negociou
o acordo na Concertação Social, não de quem nunca foi ouvido nem achado porque
se deu como adquirido que agiria obediente e docilmente.
3. O que nos leva
a um terceiro ponto, muito ignorado porque vai para além da espuma dos dias. E
esse é o problema do financiamento e da reforma da segurança social. A forma
como estas reduções da TSU para os salários mais baixos têm vindo a passar de
temporárias a definitivas parece indicar que o nosso sistema pode seguir um caminho semelhante ao francês, onde de isenção em
isenção se chegou a um regime de TSU altamente progressivo (o salário mínimo
não paga nada, e depois a taxa vai aumentando gradualmente). É isso que
queremos? Tenho as maiores dúvidas, pois tal representaria uma forma de
“subsidiar” os salários mais baixos.
Por outro lado, deve o
financiamento da segurança social depender exclusivamente das contribuições de
trabalhadores e empregadores, o que penaliza o custo do trabalho e contraria a
criação de mais empregos? Ou é necessário começar a diversificar? Utilizamos o
IVA, como já chegou a ser discutido em 2011? Ou olhamos antes para as atividades
económicas que criam muita riqueza sem criarem muito emprego? E o que vai
suceder quando, num futuro já muito não longínquo, cada vez mais funções
começarem a ser desempenhadas por robôs?
Mais: estamos mesmo
satisfeitos com as regras do atual regime, que sacrifica as pensões do futuro
em nome das pensões que hoje estão a pagamento, ou achamos que pode ser
encontrado um equilíbrio intergeracional mais justo?
Estas questões são urgentes,
deviam estar a ser debatidas com seriedade e já houve vários desafios dos
partidos da anterior maioria para que isso sucedesse. Porém, enquanto a
geringonça durar, e enquanto prosseguir na sua deriva esquerdista, o PS não só
não tem possibilidade, como sobretudo não tem disponibilidade para qualquer
discussão séria.
Sendo assim o melhor é ser
claro, como o PSD está a ser. Estes remendos não levam a nada nenhum, não
resolvem o problema da excessiva carga contributiva que penaliza o trabalho em
Portugal, antes agravam as distorções existentes. As linhas são tortas, pelo
que ao menos se escreva a direito. Com o chumbo anunciado da do acordo da TSU.
P.S. Ou
o PSD tem um grande coelho para tirar da cartola (e não há aqui nenhum
trocadilho, é mesmo só aforismo popular), ou não compreendo porque não quis
chegar a um acordo com Assunção Cristas em Lisboa. Não compreendo mesmo, pois
há suficientes razões de queixa da gestão (e do estilo de gestão) de Fernando
Medina para a oposição ter obrigação de apresentar aos cidadãos da capital uma
alternativa real sob a forma de uma candidatura com aspirações e reais
possibilidades de vencer. Assinar o ponto não chega.
Título e Texto: José Manuel
Fernandes, Observador, 17-1-2017
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ResponderExcluirRodrigo Moita de Deus