Rui Ramos
Quem quer manter aberta a Maternidade
Alfredo da Costa deve fazer tudo para eleger um governo das direitas. Só então,
voltará a maternidade a ter os defensores que teve há uns anos.
É desta vez que a Maternidade
Alfredo da Costa fecha mesmo? Até ver, já está com menos três salas de parto.
Muita gente, entretanto, pergunta onde está a agitação, o movimento, as
iniciativas jurídicas que “salvaram” a instituição nos anos da troika? A resposta
é fácil: em lado nenhum, porque no governo já não estão o PSD e o CDS, mas o
PS, com o amparo do PCP e do BE. A atual oposição bem se esforça por fazer
notar as carências e aflições dos serviços públicos. Ninguém parece ralar-se
muito. As multidões dispostas a morrer pela Maternidade esfumaram-se no dia em
que António Costa tomou posse. Com este governo, deixou de haver alarme sobre
os hospitais, angústia sobre as escolas, indignação acerca dos comboios,
revolta por causa da “cultura” – e, no entanto, nunca o investimento público
foi tão baixo, nunca os serviços estiveram tão constrangidos, e nunca a
ruptura, em muitos casos, pareceu tão iminente. Por quê?
Desde a década de 1970, que as
direitas democráticas se propõem aliviar o peso do Estado. As esquerdas, como
em outros países, aproveitaram para lhes criar uma absurda fama de inimigos dos
serviços públicos. Pior: nos últimos vinte e cinco anos, a passagem das
direitas pelo poder coincidiu sempre com crises financeiras, em que foi
necessário conter despesas. As esquerdas não deixaram, como seria de esperar,
de atribuir cada “corte”, não às emergências, mas a um sinistro plano
“ideológico” de “destruição do Estado social e dos serviços públicos”.
Chegámos, assim, a isto: sempre que o PS e as esquerdas estão no poder, por
pior que seja a situação, é suposto os serviços públicos estarem seguros; e
quando é o PSD e o CDS que governam, por mais que façam para assegurar o seu
financiamento, é claro que os serviços públicos estão a ser destruídos.
Contra esta encenação, nunca
valeu a pena clamar que o PSD e o CDS contribuíram tanto ou mais do que os
outros partidos para a construção e a viabilização dos serviços públicos e do
Estado social em Portugal, ou que, a esse respeito, as propostas do PSD e do
CDS dizem sobretudo respeito, não à existência da chamada “proteção social”,
mas à maneira mais eficaz e viável de a tornar efetiva e duradoura. É que há
aqui outro fator a favor das esquerdas.
Para as direitas, o Estado
social e os serviços públicos são um meio de garantir condições de vida aos
cidadãos e de lhes prestar certos serviços: por isso, o meio é secundário em
relação ao fim. Para as esquerdas, o Estado social e os serviços públicos fazem
parte do projeto político de estatização da economia e da sociedade: o meio é,
portanto, a prioridade. Isto quer dizer que para as direitas, os utentes estão
em primeiro lugar, enquanto para as esquerdas, quem está em primeiro lugar é a
massa de trabalhadores sindicalizados do Estado. Ora, funcionários organizados
prestam-se muito mais a serem usados politicamente do que utentes com pouco
mais em comum do que o recurso a certos serviços. Quando os sindicatos estão
satisfeitos, o nível de ruído desce, independentemente da condição dos
serviços. A Maternidade Alfredo da Costa pode, portanto, fechar salas de parto,
tal como outros hospitais encerram serviços e cancelam exames e cirurgias, sem
consequências: é que os ordenados aumentaram e o tempo de trabalho diminuiu.
Querem os serviços públicos a
funcionar, querem o Estado social bem vigiado? Votem para que haja um governo
de direita. Logo que a direita esteja no poder, não faltarão os amigos da
Maternidade Alfredo da Costa. Os malandros dos neoliberais que se livrem de
encerrar uma sala de parto que seja.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
14-7-2018
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