J. R. Guzzo
É preciso tirar todos os poderes do STF.
O Judiciário não é um Poder da República. É um órgão
de Estado que se transformou num quarto poder.
Quando um ministro do Supremo muda um decreto
presidencial, estamos caminhando para uma ditadura da toga.
Não sei por que chamam isso de “supremo”.
Tem de fechar o Supremo Tribunal Federal. Temos de criar
uma corte constitucional, limitada a guardar a Constituição, onde os
membros tenham mandato.
Luís Roberto Barroso é seguramente o pior ministro que o
Supremo Tribunal Federal já teve nos últimos tempos. É um mal para a
democracia, um mal para o direito, um mal para o povo brasileiro. […] Gente
como ele não pode ditar os rumos da democracia no Brasil.
Nós temos uma Suprema Corte totalmente
acovardada.
Quem disse essas coisas
horríveis a respeito do Supremo Tribunal Federal não foi o presidente Jair
Bolsonaro, nem um dos filhos do presidente e nem um desses infelizes que o
ministro Alexandre Moraes manda prender, perturbar e constranger nos arrastões
que anda fazendo, dia sim, dia não, para combater as “fake news” e proteger
as “instituições”. As primeiras quatro frases são do ex-ministro José Dirceu,
pensador-chefe do PT e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. As duas
sentenças seguintes são do deputado Wadih Damous, do PT, ex-presidente da OAB
do Rio de Janeiro e advogado do ex-presidente Lula, que ainda chamou de
“idiotices” as decisões do ministro Barroso. A última, enfim, é dele mesmo —
Lula, em pessoa, quando começou a sentir o cheiro de queimado no seu filme, no
auge da Lava Jato. E então: tudo bem?
Tudo bem, é claro. Os três
apenas deram sua opinião sobre o STF, como a Constituição claramente lhes
permite no seu artigo 5º. Ou, pelo menos, era o que se imaginava — até o
ministro Moraes, por instrução do presidente Antonio Dias Toffoli, e com a
cumplicidade ativa ou passiva de todos os colegas, ter o seu atual surto de
chefe de polícia de ditadura e começar a invadir casas às 6 da manhã, tomar
celulares à força e prender gente. OK, mas então precisa ficar combinado que,
no Brasil desse STF que está aí, uns podem falar o que bem entendem do tribunal
e de seus ministros, e outros não podem. Quem é de esquerda ou contra o governo
pode; quem é de direita ou a favor do governo não pode. O deputado Wadih Damous
pode. O deputado Eduardo Bolsonaro não pode. Ao mesmo tempo, ao combinar que as
coisas são assim, também já fica encaminhada a resposta para a pergunta que os
espíritos práticos fazem no momento: Bolsonaro vai continuar presidente ou vai
ser posto na rua pelo STF? Uma “Suprema Corte” dessas não demite nem um
guarda-noturno. A disputa fatal entre “os poderes” vai dar num grande nada.
O que
interessa a todos ali não é fazer justiça, e nem mesmo derrubar o presidente no
tapetão
Para dar em alguma coisa, o
STF precisaria ter a razão a seu lado. É óbvio que não tem, como se vê, entre
outras anomalias, por sua duplicidade diante dos ataques verbais que recebe — e
não vai convencer ninguém de que tem, a não ser os que querem trocar de
presidente sem passar pelos incômodos de uma eleição em 2022. Também não tem a
força. O ministro Moraes pode prender uma “ativista” exótica cujos amigos
soltam rojão na frente do tribunal; vamos ver o que fará na hora de prender um
general ou um brigadeiro do ar, mesmo da reserva, gente que quando aparece
costuma trazer mais do que um rojão de festa junina. O fato, no mundo das
realidades, é que o STF criou no Brasil uma ditadura meia-boca, fiel à
mediocridade incurável da política nacional. É natural: por que seria menos
subdesenvolvido que o bioma onde existe? Não tem a coragem, nem teria os meios,
para impor uma ditadura de verdade. Contenta-se, então, com isso que se vê aí.
O STF faz o barulho que está
fazendo porque toma o cuidado de bater apenas em quem não pode bater de volta;
mesmo quando manda a polícia perturbar deputados federais, sabe que pode contar
com a covardia de uma Câmara e um Senado que vão ficar em silêncio. Dá primeira
página em jornal, faz o cordão dos bajuladores sair correndo para declarar sua
“solidariedade ao Judiciário” e rende mais alguns trocados, mas o objetivo real
não está aí. O ministro Moraes sabe que sua investigação sobre as “fakes
news” não vai eliminar uma única mentira da política nacional. Também sabe
que é ilegal fazer um inquérito secreto, sem indiciados, sem acusação formal a
ninguém pela violação de qualquer dos 341 artigos do Código Penal e sem direito
de defesa para os perseguidos. Sabe, enfim, que seus dez colegas vão lhe dar
apoio e dizer que, sim, é perfeitamente legal o STF agir ao mesmo tempo como
polícia, promotor e juiz de uma ação judicial. Mas o que interessa a todos ali
não é fazer justiça, e nem mesmo derrubar o presidente no tapetão. É intimidar
quem abre a boca para cobrar qualquer possível violação da lei por parte de
algum dos onze ministros. O resto é fumaça.
Os ministros sempre dizem que
não há problema algum em criticar as decisões do STF; o que não se pode
admitir, alegam eles, é que se ataque “a instituição” em si. Conversa. As
pessoas estão pouco ligando para a majestade das instituições. O que não
toleram é a conduta pessoal de vários dos atuais ministros. Eis aí o real
tamanho da confusão: como seria possível respeitar um tribunal de Justiça se
não há respeito pelas pessoas que estão lá? Como levar a sério o STF quando o
ministro Luís Barroso, por exemplo, diz em plenário que o ministro Gilmar
Mendes é “uma desonra para este tribunal” e “uma vergonha para todos nós?” O
desastre não fica limitado aos comportamentos individuais. Pior que isso,
talvez, é o fato de que nenhum dos onze membros do STF está lá por mérito
pessoal; só são ministros porque tiveram a proteção dos presidentes e políticos
que os nomearam para o cargo. Não há remédio conhecido para esse tipo de
desmoralização.
Os juízes da
Suprema Corte norte-americana têm apenas quatro assessores cada um
O ministro Edson Fachin, ao
julgar se a investigação do colega Moraes é ou não é legal — adivinhem qual foi
sua decisão —, teve a ideia de citar longamente decisões da Suprema Corte dos
Estados Unidos. Não poderia fazer uma comparação mais incompreensível. Jamais
passaria pela cabeça de nenhum presidente ou congressista norte-americano, por
exemplo, indicar e aprovar para a Suprema Corte um cidadão que foi reprovado
duas vezes seguidas no concurso para juiz de Direito. No STF, como é o caso do
ministro Dias Toffoli, é a coisa mais normal deste mundo; ele não pode ser juiz
na comarca de Arroio dos Ratos, mas pode ser presidente do Supremo. Nos Estados
Unidos não se admitem ministros cujas mulheres trabalhem em escritórios de
advocacia que defendem causas a ser julgadas por eles próprios. Aqui há pelo
menos dois, sendo que um deles recebia uma mesada de R$ 100 mil da mulher.
Ministro, lá, não pode ser sócio de faculdade de Direito; aqui pode. Os
ministros norte-americanos têm apenas quatro assessores cada um (o STF tem 3 mil
funcionários), e nenhum puxa sua cadeira na hora de se sentar para as sessões
plenárias. Só o presidente da Corte tem carro oficial; para os demais, o único
privilégio é uma vaga no estacionamento do tribunal.
De que mundo o ministro Fachin
está falando? A verdade, de qualquer jeito, importa bem pouco nesse caso: nove
entre dez grandes juristas deste país, mais as classes intelectuais, mais os
bolsões civilizados de nossa sociedade, dizem que o Supremo é 100% sagrado, e
quem acha alguma coisa de errado com sua conduta é um fascista e inimigo da
democracia. A investigação das “fake news”, a deposição do presidente
pelo Superior Tribunal Eleitoral, quase dois anos depois das eleições, os
crimes contra “a administração pública” que ele teria cometido ao demitir o
ministro Sergio Moro e todos os demais portentos que estão aí por conta do STF
terão, a seu tempo, o desfecho que merecem. Até lá, o mais prático é olhar só
para as realidades.
Título e Texto: J. R. Guzzo,
revista
Oeste, 19-6-2020, 9h55
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