Luiz Felipe Pondé
"Mais importante do que o
sucesso é passar uma imagem de sucesso." Você pode ouvir uma frase como
esta em qualquer palestra brega de motivação em recursos humanos.
Já disse antes que acho
palestras assim a coisa mais brega que existe. Mais brega do que isso só mesmo
achar que o mundo melhorou porque existe o Facebook.
A melhor forma de manter a
dignidade na era do Facebook (se você não resistir a ter um) é não contar para
ninguém que você tem um Facebook. Quase tudo é bobagem nas redes sociais porque
o ser humano é banal e vive uma vida quase sempre monótona e previsível.
E a monotonia é o traje
cotidiano do vazio. E a rotina é o modo civilizado de enfrentar o caos, outra
face do vazio.
A ideia de que aprendemos a
falar porque quisemos "conhecer" o mundo é falsa. Segundo os
evolucionistas, é mais provável que tenhamos aprendido a falar para falar mal
dos outros e fofocar.
O "Face" é, neste
sentido, um artefato paleontológico que prova que nada mudou.
Sempre se soube que não basta
à mulher de Cesar ser honesta, ela tem que parecer honesta, portanto, a imagem
de honesta é mais importante do que a honestidade em si. Mas aqui, o foco é
diferente: aqui a questão é a hipocrisia como substância da moral pública. Todo
mundo sabe que a mentira é a mola essencial do convívio civilizado.
No caso de frases como a
citada no primeiro parágrafo, comum em palestras de motivação em recursos
humanos, é que são oferecidas como "verdades construtivas de
comportamento". E não como o que verdadeiramente são: estratégias para
desgraçados e "losers" se sentirem melhor.
Ficamos covardes. Fosse esta
geração de jovens europeus (que só sabe pedir direitos e iPads) que tivesse que
enfrentar Hitler, ele teria ganhado a guerra.
Provavelmente esses estragados
por décadas de "estado de bem-estar social" teriam dito "não à
guerra em nome da paz". Grande parte do estrago que Hitler fez no início
foi causada por gente que gostava de dizer que a paz sempre é possível. Gente
medrosa mesmo.
Mas nossa época, como eu
costumo dizer muitas vezes, é a época do marketing de comportamento. A
"ciência da mentira dos losers". Dentro desta disciplina geral,
existe o marketing do desejo, especializado em mentir para as pessoas dizendo
que "sim, confie no seu desejo que tudo dará certo".
Mesmo alguns psicanalistas
(vergonha da profissão) embarcaram nesse otimismo de classe média. "Nunca
traia seu desejo", dirão os traidores da psicanálise.
Sabe-se muito bem que é o
desejo que nos trai porque ele está e vai além do que, muitas vezes,
conseguimos suportar.
Uma das grandes tragédias de
nosso tempo é o fato de que não existem mais recursos "simbólicos"
para aqueles que resistem ao desejo em nome de "um bem maior", como
no caso da família, do casamento, ou simplesmente resistir a virar canalhas com
desculpas do marketing. O legal é ser "escroto" se dizendo
"livre". A "ética do desejo", que recusa abrir mão do
próprio desejo em nome de algo maior do que ele, destruiu a noção de caráter.
Para a moçada do marketing do
desejo, resistir ao desejo é coisa de gente idiota e mal resolvida porque ter
caráter não deixa você muito feliz o tempo todo.
É verdade que resistir ao
desejo não garante felicidade alguma, mas uma cultura dominada pela ideia de
felicidade é uma cultura de frouxos. Mas outra verdade, não menor do que a
anterior, é que o desejo pode ser um companheiro traiçoeiro. A afetação da
felicidade faz de nós retardados mentais. Eu nunca confio em gente feliz.
O mestre Freud dizia que o
desejo é desejo de morte. Afirmação dura. Mas o que ela carrega em si é o que
já sabemos: o desejo nos aproxima do nada (morte) porque desvaloriza tudo que
temos. Por isso, quando movidos por ele, sem o cuidado de quem se sabe parte de
uma espécie louca, flertamos com o valor zero de tudo.
Nada disso significa abrir mão
do desejo, mas sim saber que ele nos faz animais que caminham sobre tumbas que
sorriem para nós como mulheres fáceis. Resistir ao desejo talvez seja uma das
formas mais discretas de amar a vida.
Título e Texto: Luiz Felipe
Pondé, Folha de S. Paulo, 12-12-2011
Colaboração: Gracialavida
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