quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Sim, pá, vamos lá boicotar o Pingo Doce (e o Continente, e a mercearia do paquistanês)

Henrique Raposo

Hoje acordei, pá, com uns humores revolucionários tramadíssimos. Sinto os meus fervores pátrios traídos pela fuga holandesa da família Soares dos Santos, essa gente que ainda por aí de braço dado com o traidor da reforma agrária, pá. Sim, convém fazer já um boicote geral ao Pingo Doce. Sim, não devemos comprar mais laranjas nacionais, mais kiwis nacionais, mais hortaliças nacionais, mais carne nacional, mais vinho nacional e mais leite nacional nas lojas do Pingo Doce. A família Soares dos Santos tem de sentir na pele esta traição. Como se atrevem a desviar parte do seu capital para um país com menos impostos? Como? Como se atrevem a desviar capital para um sítio onde podem gerar mais capital para investir, por exemplo, na Colômbia e, imaginem, em Portugal? Como se atrevem a ter o sucesso e os hábitos de uma multinacional?

E, meus caros camaradas, depois de boicotarmos o Pingo Doce, devemos boicotar o Continente, porque o dr. Belmiro também tem parte do seu capital na Holanda. São uns traidores, estes capitalistas. Ah? Como? Não, também não podemos comprar coisas no Lidl. O Lidl é alemão, logo, é nazi, logo, é estrangeiro, logo, é um capital subversivo da ordem nacional. Não queremos cá supermercados estrangeiros. Não queremos cá dinheiro estrangeiro. Só o nosso. O dr. Cunhal e o dr. Salazar é que sabiam: Portugal deve estar fechado ao capital estrangeiro e, por isso, o nosso capital não deve sair do país. Como? Então comemos o quê? Ora, camaradas, mais imaginação revolucionária, pá: devemos seguir uma das medidas do BE, isto é, devemos cultivar as nossas hortinhas urbanas. Além de serem muito trendy, estas hortas têm um altíssimo potencial revolucionário.

Por falar em trendy, não pensem que podem comprar coisas nas mercearias dos paquistaneses e dos nepaleses. Nada disso. Sabem para onde é que eles enviam o dinheiro que fazem aqui? Para as terras deles, vejam bem. É como vos digo, pá: isto da livre circulação de capital é um fascismo bonitinho, é um fascismo sem botas cardadas. Portanto, nada de comprar coisas ali na mercearia "Chamuça voadora", porque o Mohammed não passa de um Soares dos Santos wannabe. Mais cedo ou mais tarde, ele trair-nos-á com uma noiva calvinista. E, antes de que se faça tarde, eu vou ali encher um carrinho no Pingo Doce. Há que armazenar mantimentos para a nosso bravo boicote. Até já, camaradas.

PS: sim, camaradas, eu sei o que estão a pensar. Sim, o mercado único europeu é fascismo. Temos de preparar um grande boicote político a esta fonte do mal.
Título e Texto: Henrique Raposo, Expresso, 05-01-2012

Obs: Não foram só os  "camaradas" a sugerir o boicote, também "companheiros" do CDS...

João Almeida, vice-presidente da bancada do CDS e porta-voz do partido, sugeriu esta tarde no Parlamento que os consumidores podem tirar consequências da deslocalização do principal accionista da Jerónimo Martins para a Holanda, grupo detentor dos supermercados Pingo Doce, adaptando "o seu comportamento".
(…)
Sofia Rodrigues, Público, 04-01-2012

Como também o "companheiro" Antonio Capucho, do PSD. Portanto, a hipocrisia é transversal (ou horizontal) e suprapartidária, well...

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