Alberto Gonçalves
Enquanto obedece à tradição
local e enche a boca de fanfarra nacionalista para falar de "la
France", François Hollande gosta de se proclamar "um homem
normal". A imprensa, por lá e por cá, gostou do auto-retrato e, decerto
para evitar canseiras, desatou a usá-lo com abundância nas manchetes da
vitória: "uma presidência 'normal'"; "um senhor 'normal' no
Eliseu"; "a vitória de um homem 'normal'", etc. O adjectivo
define menos o sr. Hollande do que a concepção que o sr. Hollande e, pelos
vistos, boa parte dos jornalistas têm da normalidade.
Basta espreitar o currículo do
sujeito. Em 1974, ainda estudante universitário, o sr. Hollande voluntariou-se
para a campanha de François Mitterrand. Mal se licenciou, conseguiu emprego
numa comissão governamental. Aos 25 anos, inscreveu-se no Partido Socialista.
Aos 27, concorreu ao Parlamento nacional. Não ganhou, mas viu o esforço
recompensado com um cargo de conselheiro do então recém-eleito Mitterrand. Em
1983 foi vereador de uma cidadezinha do interior e, em 1988, chegou enfim a
deputado, posto que perdeu em 1993 e recuperou em 1997. Pelo meio, divertiu-se
em tricas partidárias e Lionel Jospin escolheu-o para porta-voz do PS. Nem de
propósito, em 1997 tornou-se líder do PS, honra que lhe caberia por mais de uma
década. Em 2001, pairou pela autarquia de Tulle. Desde 2008, o sr. Hollande
prosseguiu o tirocínio numa presidência regional. Agora, é presidente da
República.
Um homem normal? Normalíssimo,
se a palavra definir as criaturas que passam a vida inteira sem, digamos,
trabalhar. Esta linha de pensamento olha de viés os que algum dia arriscaram
colocar o pé fora da política e experimentaram uma profissão a sério. O sector
privado é coisa de excêntricos e, convenhamos, de excêntricos pouco confiáveis.
Na França e aqui, o Estado é a norma.
As ideias do sr. Hollande
também são normais. Naquilo que nos toca, conheço-lhe uma: a austeridade é má.
E não custa nada encontrar gente, igualmente normal, que partilha a opinião. Só
em Portugal, Francisco Louçã reclama o fim da austeridade, Mário Soares jura
que a austeridade não faz sentido e António José Seguro, que naturalmente tomou
o triunfo do sr. Hollande a título pessoal, acha a austeridade excessiva e
dispõe-se a sair à rua em protesto.
É inacreditável como é que
ninguém se lembrou disto antes. Afinal, a solução não passa por apertos que nos
atormentam a bolsa e a existência: passa, obviamente, pelo crescimento,
definição lata para a estratégia que consiste em gastar acima das
possibilidades, viver de prometidos mundos e fundos, contemplar a descida das
promessas à Terra, acumular dívida, rebentar com estrondo e atribuir a culpa de
tudo às agências de rating, à sra. Merkel e, grosso modo, ao capitalismo
selvagem.
Para surpresa de uns poucos
(muito poucos), a solução dos problemas implica o regresso ao estilo
descontraído que alimentou os problemas. E se a solução talvez não seja o sr.
Hollande, entretanto já empenhado em desmentir os delírios de campanha e
prevenir os franceses para as maçadas que os esperam, é garantido que a solução
virá, no mínimo espiritualmente, de França. Chama-se José Sócrates e é, para
sermos educados, outro homem normal.
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