Francisco Vianna
RESUMO DOS FATOS
Para começar a fazer sentido a
escalada do conflito na Faixa de Gaza, precisamos voltar à noite de 23 de
outubro, em Cartum. Eram quase 11 da noite, quando o depósito de armas de
Yarmouk, no Sudão, foi atacado e explodido supostamente pela força aérea
israelense. Havia indícios de que o Irã estava usando este depósito para
estocar e possivelmente montar armas, incluindo mísseis antiaéreos teleguiados,
mísseis antitanque e foguetes de longo alcance Fajr-5, capazes de atingir Tel
Aviv e Jerusalém quando disparados da cidade de Gaza.
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Espectadores se reúnem para ver uma enorme fogueira que engoliu a fábrica de munições de Yarmouk em Cartum, no Sudão. Foto: Reuters/Stringer |
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O governo iraniano enviou navios de guerra ao Sudão em 29 de outubro passado após um ataque supostamente atribuído a Israel ter destruído uma fábrica de armamentos em Yarmouk, no Sudão |
Isso provavelmente explica
porque, no início de outubro último, quando os ataques de curto alcance de
foguetes de Gaza ainda eram esporádicos, as autoridades israelenses começaram a
condicionar no público a ideia de uma intervenção "inevitável"
israelense em Gaza.
Israel sabia que o Hamas
estava de posse de tais armas e que isso poderia exigir uma guerra de invasão,
localização, e destruição desses arsenais na Faixa de Gaza, para eliminar a
ameaça balística. Tudo começou com o ataque ao paiol no Sudão, agravado agora
com a eliminação cirúrgica do comandante militar do Hamas, Ahmad Jabari (o
idealizador do atual programa de foguetes Fajr), o que, agora, pode se
transformar numa ampla incursão terrestre israelense na Faixa de Gaza, com todo
o sacrifício humano que isso pode causar.
RESULTADOS
PREVISTOS
O ataque de 23 de outubro ao
depósito de armas iranianas no Sudão – e destinadas a Gaza – não foi o primeiro
feito por Israel em outros paióis de armamentos iranianos em território
sudanês.
Em janeiro de 2009, Israel
supostamente levou a efeito um ataque aéreo contra um comboio de armamentos a
noroeste de Port Sudan, que se deslocava em direção a Gaza. Tal comboio
carregava foguetes Fajr-3 e era inusitadamente grande, com mais de 20 caminhões
se dirigindo à área norte da Faixa de Gaza. O envio urgente dessa carga
supostamente enviado pelo Irã tinha o objetivo de reforçar o poder de fogo
balístico do Hamas durante a chamada “Operação Chumbo Trocado”. O Irã também se
expôs tentando contrabandear armas para Gaza pelo Mar Vermelho.
Apesar dos esforços
provavelmente feitos para esconder e camuflar o depósito de armas em Yarmouk,
isto, é claro, não consegui enganar a inteligência militar israelense. O Hamas,
destarte, assumiu um grande risco ao contrabandear armas para Gaza,
inicialmente, e talvez pensando que poderia escondê-las, uma vez que conseguem
tal intento com armas menos sofisticadas, e tiveram todo aquele estoque
destruído pelo ataque.
Antes de o Hamas ter
respondido ao assassinato de Jabari, anteontem, houve duas grandes enxurradas
de foguetes e morteiros no mês passado. A primeira foi de 08 a 10 de outubro e
a segunda foi de 22 a 24 de outubro. Quando resolveu perpetrar tais ataques, o
Hamas não poderia saber que Israel já tinha detectado e localizado os foguetes
Fajrs iranianos de longo alcance.
Lançando morteiros dos tipos
‘Grad’ e ‘Qassam’, o Hamas tentou fazer com que Israel pensasse que o Hamas não
tivesse, em última análise, os tais foguetes Fajr, uma vez que, caso tivessem,
seria de esperar que usassem. O Hamas pode também ter se equivocado ao assumir
que as cargas de morteiro e de foguetes de curto alcance, que usa quase sempre
que as tensões com Israel aumentam, não causaria, como de costume, uma resposta
maior por parte dos judeus.
Mas, no momento em que a força
aérea de Israel destruiu o estoque de mísseis iranianos no depósito de Yarmouk,
o Hamas teve que assumir que Israel sabia com detalhes da transferência de armas
e foguetes para Gaza. O Hamas então aceitou rapidamente o acordo de cessar-fogo
mediado pelo Egito em 25 de outubro último.
Quando os ataques contra
Israel recrudesceram em 10 deste mês – incluindo um ataque antitanque a um jipe
militar israelense que patrulhava a fronteira, assumido pela ‘Frente Popular
Para a Libertação da Palestina’ e diversos outros ataques por foguetes
assumidos pela ‘Jihad Islâmica Palestina’ – um grupo jihadista salafista menor
– o Hamas pareceu mais cauteloso, apelando numa reunião com os líderes dos
principais grupos militantes antissionistas de Gaza, no último dia 12, que se
buscasse uma nova trégua. Mas aí, já era tarde demais. Eles haviam já
inadvertidamente fornecido aos israelenses a justificativa que Tel Aviv precisava
para obter o apoio da opinião pública do país para iniciar as operações
militares necessárias para destruir os arsenais de mísseis de longo alcance do
Hamas.
Em 14 desse mês, Jabari foi
morto por um certeiro disparo de míssil sobre o automóvel em que viajava com
seu filho e um motorista. Os três morreram instantaneamente. O Hamas teve,
então, que trabalhar com a possibilidade de que Israel faria o que fosse
preciso para desencadear uma ofensiva militar ampla para eliminar a ameaça balística
do Hamas, com seus projéteis de origem iraniana.
Foi então que o Hamas,
provavelmente, decidiu optar pela estratégia de "usá-los ou
perdê-los" e começou a disparar os foguetes iranianos em direção a Tel
Aviv, sabendo que eles seriam transformados em alvos de qualquer modo e
potencialmente usando a ameaça para nivelar uma eventual tentativa de
armistício com Israel. Uma resposta forte do Hamas também melhoraria a sua
credibilidade entre os palestinos. Só não contavam com a eficiência do sistema
antimísseis israelense, chamada “Pilares da Defesa”, que está conseguindo
interceptar com seus mísseis terra-ar mais de 90 por cento dos foguetes do
Hamas.
O que o Hamas fez foi,
essencialmente, tentar o máximo que pode lidar com uma situação que já era
difícil e que agora provavelmente irá piorar se agir utilizando a diplomacia
egípcia para obter um novo armistício e evitar que Israel marche para além de
suas fronteiras em direção à Gaza e, com isso, mais adiante, perder sua
autoridade no território.
Em Teerã, as autoridades
iranianas estão provavelmente bem contentes com tais desdobramentos, pois a
perspectiva de ver palestinos sendo usados como buchas de canhão contra os
judeus, não os sensibiliza em nada. O Irã necessitava desviar o foco da atenção
mundial do conflito na Síria. E, por enquanto vem conseguindo, pelo menos
temporariamente. O Irã também precisava rever suas relações com o Hamas e
demonstrar que mantém o controle sobre os grupos militantes nos territórios chamados
de Palestina, como parte da estratégia de desencorajamento contra um ataque
potencial a suas instalações nucleares.
O Hamas decidiu, no ano
passado, que estaria melhor se alinhando com uma organização parental
ascendente, a Irmandade Islâmica, do que permanecer atado a um rival ideológico
como o Irã, que colocou a região na defensiva. O Irã poderia ainda chamar a
atenção do Hamas por meio de vendas de armamentos, embora eles sequer
imaginassem que Israel pudesse detectar e localizar os carregamentos de mísseis
Fajr.
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Forças israelenses se
concentram ao longo da fronteira com Gaza, em preparação a uma possível invasão
por terra e retomada do território que Israel cedeu de boa vontade aos
palestinos.
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De qualquer modo, tudo isso
poderá se constituir numa manobra iraniana, ao mesmo tempo de baixo custo
relativo e altamente vantajosa para Teerã.
Título, Imagens e Texto: Francisco Vianna (da mídia de inteligência internacional), 17-11-2012
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