Acabamos de chegar em agosto e
o natal está longe. Mas já sei o que vou pedir para o Papai Noel: uma direita
que consiga pensar mais estrategicamente em termos políticos.
Em posts recentes tratei a
questão dos pedidos por “intervenção militar” (feitos por alguns direitistas
conservadores) e pelo “fim da democracia (feitos por alguns libertários). Em
ambos, o resultado foi uma grande polêmica. Antes de mais nada, peço que
prestem atenção na expressão “alguns”, pois o próximo que vier falando que
estou contra “o libertarianismo” ou “o conservadorismo” já deve estar ciente de
forma antecipada que cometerá uma fraude intelectual.
Pois bem. Entendo que ambos os
frames “intervenção militar” e “fim da democracia” são mais ou menos similares,
e, portanto, nesta análise eu os tratarei como um só. E atenção: esta minha
análise não focará os aspectos éticos e morais das solicitações
anti-democracia, mas nos aspectos unicamente pragmáticos. (Eu sempre abordo os
dois aspectos, mas por questão de foco aqui tratarei apenas o impacto
estratégico-tático do uso de determinados frames).
Como introdução, antes de nos
adiantarmos mais, eu recomendo sabemos um pouco mais dos frames. Você pode, por
exemplo, consultar os verbetes frame e controle de frame, neste blog mesmo.
Só de livros de George Lakoff
(foto), o arquiteto da retórica do Partido Democrata nos Estados Unidos, temos
os seguintes exemplos:
·
Moral Politics: How Liberals and Conservatives Think
·
The Little Blue Book: The Essential Guide to Thinking and Talking
Democratic
·
Thinking Points: Communicating Our American Values and Vision
·
Whose Freedom?: The Battle over America’s Most Important Idea
·
The Political Mind: A Cognitive Scientist’s Guide to Your Brain and Its
Politics
·
Don’t Think of an Elephant! Know Your Values and Frame the Debate
·
Women, Fire, and Dangerous Things: What Categories Reveal About the Mind
Em relação a Lakoff, aproveito
para lhes avisar que os líderes petistas não apenas conhecem o trabalho dele.
Eles dominam esse material. Claro que os militantes não precisam conhecer este
material (que é vasto), mas os marqueteiros do partido, como João Santana, tem o material de Lakoff como livros de cabeceira.
Aliás, outro autor ótimo é Drew Westen, que
escreveu The Political Brain: The Role of Emotion in Deciding the Fate
of the Nation. Não por coincidência, Westen é tão esquerdista quanto
Lakoff, e isso está de acordo com o que sempre tenho dito: os esquerdistas
estão anos-luz a frente dos direitistas no que diz respeito a estudo e
aprimoramento de técnicas para se chegar ao poder. A difeita infelizmente tem
focado nas teorias e na ética de suas mensagens, mas não em como o cérebro
humano assimila as mensagens recebidas, tanto nossas como de nossos
adversários.
Fora da política pública,
temos um outro ótimo livro em The Power of Framing: Creating the
Language of Leadership, de Gail T. Fairhurst, que conheci apenas
recentemente, por dica de um leitor. O livro é bem completo e é praticamente um
curso de frames, com ênfase no mundo corporativo. Mais focado para a área de
vendas, há o excelente Pitch Anything, de Oren Klaff, que diz o
seguinte: “entender como aplicar o controle de frame é o conhecimento mais
importante que alguém pode adquirir”. Ele não exagerou. De muito mais difícil
assimilação é Frame analysis: An essay on the organization of
experience, do sociólogo Erving Goffman, que começou toda essa brincadeira
em 1974.
Em síntese, esse pessoal da
esquerda não está brincando e o material que lhes dá sustentação (e eles
estudam e praticam com afinco) é baseado em tudo que eles conseguirem obter de
útil em termos de neurociência, linguística e psicologia social.
Não estou dizendo que vocês
precisam ler todos esses livros (mas se for fazê-lo, recomendo começar por
Lakoff), mas citei-os aqui para que se tenha uma ideia de que adentramos um
campo onde não há espaço para brincadeira, manias, desafabos, mas para ações
políticas que dão resultado no que diz respeito a conquista de mentes. Ou você
obtém resultado em sua comunicação ou não obtém. Simples assim.
Podemos começar agora a
analisar a questão sobre a ótica do controle de frame. E a partir de agora, já
lanço um aviso: ao final deste texto você assume responsabilidade moral pelos
discursos que profere. Estamos combinados?
Para entendermos o que as
pessoas pedindo “fim de democracia” ou “intervenção militar já” comunicam para
uma boa parte do eleitorado, basta abstrairmos um exemplo de duas consultorias
de informática disputando um cliente. Imagine a consultoria X-Bolinha
comunicando sempre que os clientes devem comparar as diversas propostas e
ao final tomar a decisão, que eles acham que será a favor deles. Essa mensagem
sub-comunica que “o cliente tem opção, está livre para escolher, e há
argumentos para escolher em favor da X-Bolinha”. Agora imagine a consultoria
Y-Quadrado agindo de forma opressiva, não dando tempo sequer para o cliente
avaliar a proposta, dizendo “assine já”. Essa mera sub-comunicação já é
suficiente para este fornecedor ser descartado. É exatamente por isso que todo
e qualquer estudioso de marketing sabe que o cliente deve perceber ter opções e
estar no comando. Não importa se isso é verdade ou não. O que importa é
que o cliente tenha essa percepção.
O processo é simples de
explicar: em nossa mente há frames que geram situação de alívio (o que gera
abertura à interação) diante de quem nos dá opção (pensamos: “somos livres para
decidir”). Frames que geram situação de repulsa se ativam diante de quem nos
tira a opção (pensamos: “ele nos tirou o poder de decisão”). Um autor místico,
Hassan i Sabbah, disse certa vez: “inferno é a condição de não ter alternativas”.
Bingo!
Cientes disso, o que
o esquerdista, especialmente aquele almejando o poder totalitário, faz?
Ele simplesmente reempacota toda e qualquer proposta totalitária com os frames
adequados. Por isso, quando o PT criou seu decreto soviético o nomeou de “Política
Nacional de Participação Social”. Segundo eles, isso significa “mais democracia”. E quando eles pedem projetos
de censura sutil à mídia? Simplesmente eles renomeiam de “democratização de mídia”.
É nisso que dá dominar a estratégia política: eles sabem que ao mesmo tempo em
que não estão usando um aparato de força física, podem reempacotar ideias
claramente totalitárias desde que sub-comuniquem para o eleitorado que estão “a
favor da democracia”.
E enquanto isso, o que fazem
os intervencionistas ou os adeptos do “fim da democracia”? Se posicionam no
pólo oposto, dando à extrema-esquerda tudo que eles mais desejam: o poder
de rotulá-los como “inimigos da democracia”. É só olharmos para os lados
para observar que espectro político está conquistando os resultados,
certo? Os esquerdistas não usam o controle de frame por acharem “bonitinho”,
mas por funcionar. É por isso que cada proposta política é antecedida por um
estudo anterior a respeito de como a mensagem será empacotada e entregue ao
consumidor (o público). Do lado da direita, muitos ficam lendo Ludwig von
Mises, F.A. Hayek, Milton Friedman e Murray Rothbard achando que isso é o
suficiente. Chega a dar pena.
Ao mesmo tempo em que os
esquerdistas (especialmente os da nossa extrema-esquerda) se esmeram em
conquistar a mente da plateia com uma linguagem estratégica, o que fazem
algumas pessoas da nossa direita? Trabalham para eles. E de graça! Basicamente,
o jogo funciona assim:
- Propagandista do PT: “Nós somos inclusivos e respeitamos a vontade do povo, por isso sempre queremos democracia”.
- Intervencionista: “Eles, do PT, são inclusivos e respeitam a vontade do povo. Nós não. Queremos intervenção militar”.
- Leitor de Hans-Hermann Hoppe: “Eles, do PT, só ganham por que respeitam a vontade do povo. Nós não. Queremos o fim da democracia”.
Sim, eu sei que as frases não
são expressas exatamente dessa forma, mas é assim que elas são compreendidas
por uma larga parte do eleitorado. E em política, você deve ser avaliado pelos
seus resultados, não pelo que está nas profundezas de sua mente.
O mais irritantemente irônico
de tudo é que o PT hoje em dia tem dado tantas brechas com suas intervenções
totalitárias que qualquer direitista teria autoridade moral para superar os
frames deles e colar na testa de cada petista: “autoritário, totalitário,
ditador”. Para isso bastaria citar os fatos, explicar o que significam os
sovietes e estar com a imagem limpa em relação ao totalitarismo. Mas isso agora
se complicou, pois os intervencionistas apareceram pedindo “intervenção militar
já” enquanto alguns libertários estão começando a gritar por “fim da
democracia”. Com frames como esse, um adversário pode dizer: “Ué, você quer nos
acusar de conselho soviético? E você que está pedindo mais uma vez golpe
militar? Você não tem moral…”. Game over.
É exatamente por isso que digo
que nós, direitistas mais conscientes em relação a como funciona o jogo
político, temos a obrigação de ajudar a sepultar discursos de “intervenção
militar já” e “fim da democracia”. Esse tipo de discurso deve ser cada vez mais
marginalizado. O histórico da direita é muito mais democrático que o da
esquerda. Não podemos deixar frames criados sem o menor traço de estratégia
sujarem nossa imagem.
Uma objeção a ser tratada: e
se o pedido de “intervenção militar” for tratado como “democratização”? O fato
é que os frames precisam atender a uma certa coerência, mesmo quando são
desonestos como aqueles feitos pelos petistas. Para ressignificar uma ditadura
formal, com tanques na rua, de “democracia” só tendo o poder totalitário em
mãos e com a Internet censurada. Praticamente impossível. Ou seja, ou a direita
abraça de vez a democratização, vencendo os frames da esquerda (que pede
democratização enquanto quer implementar mecanismos de censura sutil – ou seja,
são mais espertos) ou então melhor esquecer.
Creio que já é o suficiente
para que fique bem claro o que eu quero dizer com “responsabilização”. Se você
chegou até aqui (e esse texto está para terminar) já tem em mente o que eu
quero dizer com o fator doloroso de se adentrar à seara da estratégia política
com base no estudo dos frames. Descobrimos, ao estudar os frames (que a meu ver
são uma sub-parte da guerra política), o quanto somos (ou ao menos fomos)
corresponsáveis por dar o poder que a esquerda tem hoje. O problema não está na
democracia, mas na mania doentia (e inadvertida) que boa parte da direita tem
de ajudar a esquerda a ter poder.
As pessoas que mais assimilam
o conteúdo deste blog são as mais aptas a assumir responsabilidade na guerra
política. Mas sei que alguns recusam essa responsabilidade. Sei que não é fácil
de uma hora para outra se descobrir como agente não-intencional com
funcionalidade de dar poder aos esquerdistas. Um amigo me disse: “Você quer dizer
que eu tenho sido quase um serviçal dos esquerdistas sem saber por muito
tempo?”. Minha resposta: “É exatamente isso que estou dizendo, mas dá para
fazer uma mudança de rota”.
Posso perceber isso na reação
indignada que alguns terão diante deste post. Racionalizações vão surgir por
diversos motivos: a proteção ao investimento emocional nas crenças atuais, o
apego às manias (ao invés de resultados), o desânimo diante da alta vantagem
que os esquerdistas possuem em termos de estratégias para o controle da mente
(mas que você pode aprender, se quiser), a eterna fuga da responsabilidade por
resultados e daí por diante. Mas nenhuma dessas reações muda os fatos: pessoas
que usam os frames “anti-democracia” são corresponsáveis pelo sucesso da
esquerda, especialmente a extrema-esquerda.
Você se considera pronto a
assumir a responsabilidade pelos seus discursos na guerra política?
Título, Imagem e Texto: Luciano Henrique, Ceticismo Político, 03-08-2014
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