domingo, 3 de agosto de 2014

Hora de papo sério: uma análise dos frames relacionados à intervenção militar e rejeição à democracia

Luciano Henrique
Acabamos de chegar em agosto e o natal está longe. Mas já sei o que vou pedir para o Papai Noel: uma direita que consiga pensar mais estrategicamente em termos políticos.

Em posts recentes tratei a questão dos pedidos por “intervenção militar” (feitos por alguns direitistas conservadores) e pelo “fim da democracia (feitos por alguns libertários). Em ambos, o resultado foi uma grande polêmica. Antes de mais nada, peço que prestem atenção na expressão “alguns”, pois o próximo que vier falando que estou contra “o libertarianismo” ou “o conservadorismo” já deve estar ciente de forma antecipada que cometerá uma fraude intelectual.

Pois bem. Entendo que ambos os frames “intervenção militar” e “fim da democracia” são mais ou menos similares, e, portanto, nesta análise eu os tratarei como um só. E atenção: esta minha análise não focará os aspectos éticos e morais das solicitações anti-democracia, mas nos aspectos unicamente pragmáticos. (Eu sempre abordo os dois aspectos, mas por questão de foco aqui tratarei apenas o impacto estratégico-tático do uso de determinados frames).

Como introdução, antes de nos adiantarmos mais, eu recomendo sabemos um pouco mais dos frames. Você pode, por exemplo, consultar os verbetes frame e controle de frame, neste blog mesmo.


Só de livros de George Lakoff (foto), o arquiteto da retórica do Partido Democrata nos Estados Unidos, temos os seguintes exemplos:

·         Moral Politics: How Liberals and Conservatives Think
·         The Little Blue Book: The Essential Guide to Thinking and Talking Democratic
·         Thinking Points: Communicating Our American Values and Vision
·         Whose Freedom?: The Battle over America’s Most Important Idea
·         The Political Mind: A Cognitive Scientist’s Guide to Your Brain and Its Politics
·         Don’t Think of an Elephant! Know Your Values and Frame the Debate
·         Women, Fire, and Dangerous Things: What Categories Reveal About the Mind

Em relação a Lakoff, aproveito para lhes avisar que os líderes petistas não apenas conhecem o trabalho dele. Eles dominam esse material. Claro que os militantes não precisam conhecer este material (que é vasto), mas os marqueteiros do partido, como João Santana, tem o material de Lakoff como livros de cabeceira.

Aliás, outro autor ótimo é Drew Westen, que escreveu The Political Brain: The Role of Emotion in Deciding the Fate of the Nation. Não por coincidência, Westen é tão esquerdista quanto Lakoff, e isso está de acordo com o que sempre tenho dito: os esquerdistas estão anos-luz a frente dos direitistas no que diz respeito a estudo e aprimoramento de técnicas para se chegar ao poder. A difeita infelizmente tem focado nas teorias e na ética de suas mensagens, mas não em como o cérebro humano assimila as mensagens recebidas, tanto nossas como de nossos adversários.

Fora da política pública, temos um outro ótimo livro em The Power of Framing: Creating the Language of Leadership, de Gail T. Fairhurst, que conheci apenas recentemente, por dica de um leitor. O livro é bem completo e é praticamente um curso de frames, com ênfase no mundo corporativo. Mais focado para a área de vendas, há o excelente Pitch Anything, de Oren Klaff, que diz o seguinte: “entender como aplicar o controle de frame é o conhecimento mais importante que alguém pode adquirir”. Ele não exagerou. De muito mais difícil assimilação é Frame analysis: An essay on the organization of experience, do sociólogo Erving Goffman, que começou toda essa brincadeira em 1974.

Em síntese, esse pessoal da esquerda não está brincando e o material que lhes dá sustentação (e eles estudam e praticam com afinco) é baseado em tudo que eles conseguirem obter de útil em termos de neurociência, linguística e psicologia social.

Não estou dizendo que vocês precisam ler todos esses livros (mas se for fazê-lo, recomendo começar por Lakoff), mas citei-os aqui para que se tenha uma ideia de que adentramos um campo onde não há espaço para brincadeira, manias, desafabos, mas para ações políticas que dão resultado no que diz respeito a conquista de mentes. Ou você obtém resultado em sua comunicação ou não obtém. Simples assim.

Podemos começar agora a analisar a questão sobre a ótica do controle de frame. E a partir de agora, já lanço um aviso: ao final deste texto você assume responsabilidade moral pelos discursos que profere. Estamos combinados?

Para entendermos o que as pessoas pedindo “fim de democracia” ou “intervenção militar já” comunicam para uma boa parte do eleitorado, basta abstrairmos um exemplo de duas consultorias de informática disputando um cliente. Imagine a consultoria X-Bolinha comunicando sempre que os clientes devem comparar as diversas propostas e ao final tomar a decisão, que eles acham que será a favor deles. Essa mensagem sub-comunica que “o cliente tem opção, está livre para escolher, e há argumentos para escolher em favor da X-Bolinha”. Agora imagine a consultoria Y-Quadrado agindo de forma opressiva, não dando tempo sequer para o cliente avaliar a proposta, dizendo “assine já”. Essa mera sub-comunicação já é suficiente para este fornecedor ser descartado. É exatamente por isso que todo e qualquer estudioso de marketing sabe que o cliente deve perceber ter opções e estar no comando. Não importa se isso é verdade ou não. O que importa é que o cliente tenha essa percepção.

O processo é simples de explicar: em nossa mente há frames que geram situação de alívio (o que gera abertura à interação) diante de quem nos dá opção (pensamos: “somos livres para decidir”). Frames que geram situação de repulsa se ativam diante de quem nos tira a opção (pensamos: “ele nos tirou o poder de decisão”). Um autor místico, Hassan i Sabbah, disse certa vez: “inferno é a condição de não ter alternativas”. Bingo!

Cientes disso, o que o esquerdista, especialmente aquele almejando o poder totalitário, faz? Ele simplesmente reempacota toda e qualquer proposta totalitária com os frames adequados. Por isso, quando o PT criou seu decreto soviético o nomeou de “Política Nacional de Participação Social”. Segundo eles, isso significa “mais democracia”. E quando eles pedem projetos de censura sutil à mídia? Simplesmente eles renomeiam de “democratização de mídia”. É nisso que dá dominar a estratégia política: eles sabem que ao mesmo tempo em que não estão usando um aparato de força física, podem reempacotar ideias claramente totalitárias desde que sub-comuniquem para o eleitorado que estão “a favor da democracia”.

E enquanto isso, o que fazem os intervencionistas ou os adeptos do “fim da democracia”? Se posicionam no pólo oposto, dando à extrema-esquerda tudo que eles mais desejam: o poder de rotulá-los como “inimigos da democracia”. É só olharmos para os lados para observar que espectro político está conquistando os resultados, certo? Os esquerdistas não usam o controle de frame por acharem “bonitinho”, mas por funcionar. É por isso que cada proposta política é antecedida por um estudo anterior a respeito de como a mensagem será empacotada e entregue ao consumidor (o público). Do lado da direita, muitos ficam lendo Ludwig von Mises, F.A. Hayek, Milton Friedman e Murray Rothbard achando que isso é o suficiente. Chega a dar pena.

Ao mesmo tempo em que os esquerdistas (especialmente os da nossa extrema-esquerda) se esmeram em conquistar a mente da plateia com uma linguagem estratégica, o que fazem algumas pessoas da nossa direita? Trabalham para eles. E de graça! Basicamente, o jogo funciona assim:

  • Propagandista do PT: “Nós somos inclusivos e respeitamos a vontade do povo, por isso sempre queremos democracia”.
  • Intervencionista: “Eles, do PT, são inclusivos e respeitam a vontade do povo. Nós não. Queremos intervenção militar”.
  • Leitor de Hans-Hermann Hoppe: “Eles, do PT, só ganham por que respeitam a vontade do povo. Nós não. Queremos o fim da democracia”.

Sim, eu sei que as frases não são expressas exatamente dessa forma, mas é assim que elas são compreendidas por uma larga parte do eleitorado. E em política, você deve ser avaliado pelos seus resultados, não pelo que está nas profundezas de sua mente.

O mais irritantemente irônico de tudo é que o PT hoje em dia tem dado tantas brechas com suas intervenções totalitárias que qualquer direitista teria autoridade moral para superar os frames deles e colar na testa de cada petista: “autoritário, totalitário, ditador”. Para isso bastaria citar os fatos, explicar o que significam os sovietes e estar com a imagem limpa em relação ao totalitarismo. Mas isso agora se complicou, pois os intervencionistas apareceram pedindo “intervenção militar já” enquanto alguns libertários estão começando a gritar por “fim da democracia”. Com frames como esse, um adversário pode dizer: “Ué, você quer nos acusar de conselho soviético? E você que está pedindo mais uma vez golpe militar? Você não tem moral…”. Game over.

É exatamente por isso que digo que nós, direitistas mais conscientes em relação a como funciona o jogo político, temos a obrigação de ajudar a sepultar discursos de “intervenção militar já” e “fim da democracia”. Esse tipo de discurso deve ser cada vez mais marginalizado. O histórico da direita é muito mais democrático que o da esquerda. Não podemos deixar frames criados sem o menor traço de estratégia sujarem nossa imagem.

Uma objeção a ser tratada: e se o pedido de “intervenção militar” for tratado como “democratização”? O fato é que os frames precisam atender a uma certa coerência, mesmo quando são desonestos como aqueles feitos pelos petistas. Para ressignificar uma ditadura formal, com tanques na rua, de “democracia” só tendo o poder totalitário em mãos e com a Internet censurada. Praticamente impossível. Ou seja, ou a direita abraça de vez a democratização, vencendo os frames da esquerda (que pede democratização enquanto quer implementar mecanismos de censura sutil – ou seja, são mais espertos) ou então melhor esquecer.

Creio que já é o suficiente para que fique bem claro o que eu quero dizer com “responsabilização”. Se você chegou até aqui (e esse texto está para terminar) já tem em mente o que eu quero dizer com o fator doloroso de se adentrar à seara da estratégia política com base no estudo dos frames. Descobrimos, ao estudar os frames (que a meu ver são uma sub-parte da guerra política), o quanto somos (ou ao menos fomos) corresponsáveis por dar o poder que a esquerda tem hoje. O problema não está na democracia, mas na mania doentia (e inadvertida) que boa parte da direita tem de ajudar a esquerda a ter poder.

As pessoas que mais assimilam o conteúdo deste blog são as mais aptas a assumir responsabilidade na guerra política. Mas sei que alguns recusam essa responsabilidade. Sei que não é fácil de uma hora para outra se descobrir como agente não-intencional com funcionalidade de dar poder aos esquerdistas. Um amigo me disse: “Você quer dizer que eu tenho sido quase um serviçal dos esquerdistas sem saber por muito tempo?”. Minha resposta: “É exatamente isso que estou dizendo, mas dá para fazer uma mudança de rota”.

Posso perceber isso na reação indignada que alguns terão diante deste post. Racionalizações vão surgir por diversos motivos: a proteção ao investimento emocional nas crenças atuais, o apego às manias (ao invés de resultados), o desânimo diante da alta vantagem que os esquerdistas possuem em termos de estratégias para o controle da mente (mas que você pode aprender, se quiser), a eterna fuga da responsabilidade por resultados e daí por diante. Mas nenhuma dessas reações muda os fatos: pessoas que usam os frames “anti-democracia” são corresponsáveis pelo sucesso da esquerda, especialmente a extrema-esquerda.
Você se considera pronto a assumir a responsabilidade pelos seus discursos na guerra política?
Título, Imagem e Texto: Luciano Henrique, Ceticismo Político, 03-08-2014


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