sábado, 2 de agosto de 2014

Os nomes que as ruas têm

Jacinto Flecha
Num dia especialmente desocupado, ocupei-me com os nomes das ruas em São Paulo. No território frequentado pelas más línguas, consta que a única função dos vereadores é escolher nomes para as ruas. Quem o afirma não sou eu, e sim essa entidade anônima e inescrupulosa que se oculta sob a fórmula “todo mundo sabe”. E não vá o leitor concluir precipitadamente que pretendo candidatar-me a vereador, ou algum cargo importante num departamento de denominação de logradouros públicos. Fi-lo porque qui-lo, como diria um ex-presidente que também transitou pela vereança em São Paulo. E qui-lo por quê?

Por simples curiosidade. Se não houvesse utilidades maiores nesse trabalho intelectual, bastaria dizer que me possibilita comparar sistemas de denominação antigos com os atuais. Nomes antigos surgiam de pontos de referência escolhidos pelo povo, como nestes exemplos de São Paulo e alhures: Rua do Gasômetro, Rua dos Trilhos, Rua dos Oratorianos, Rua do Sapo, Largo das Batatas, Rua do Gato que Pesca, Praça do Pelourinho, Rua do Ouvidor, Rua do Ourives, Rua dos Estudantes, Rua do Lava-pés. Seria fácil informar a turistas a origem de nomes assim.

“Rue du Chat qui Pêche” (Rua do Gato que Pesca). Em Paris, com esse pitoresco nome, essa estreita ruela fica na Rive Gauche (na margem esquerda do rio Sena). Conta-se que no século XIII por ali vivia um gato tão esperto que habilmente conseguia pegar peixe naquele belo rio da capital francesa…
Bem o contrário acontece em Brasília, onde o sistema de denominações seguiu um projeto cerebrino rígido, cujo maior efeito social é aumentar a despersonalização. Nem o fundador da cidade teve o privilégio de uma rua com o seu nome. Dizem que isso facilita para as pessoas se localizarem. Talvez facilite para carteiros do Correio, mas se você acha que facilitou para a população ou para visitantes, experimente orientar-se por lá com base exclusivamente naquela sopinha de números e letras anonimizantes, usada para identificar ruas, quadras, superquadras, setores, casas, etc.

Nomes de pessoas nas ruas constituem uma forma de reconhecimento, uma honra como a que foi concedida a Paulo Bregaro. De quem era este nome? Nada a ver com o qualificativo brega — um desses que entram e saem do vocabulário quotidiano, sem que se saiba por que entraram nem por que saíram. Nas minhas andanças pela História do Brasil, fui apresentado a esse mensageiro que trouxe do Rio a São Paulo, em viagem a cavalo, cartas que conduziram D. Pedro I a proclamar a Independência. Caminhando pelo bairro Ipiranga, onde o brado Independência ou morte decidiu o futuro do Brasil, alegrou-me encontrar uma rua homenageando-o por aquele feito importante, talvez o único de toda a vida. Mesmo sendo poucas as informações sobre o mensageiro, e também poucos os que as conhecem, é fácil compreender a importância de memorizar desta forma pessoas de mérito como ele.

Parece que está se esgotando o estoque de personalidades disponíveis para denominar ruas. Um indício é que até parentes de vereadores vêm recebendo essa homenagem; reforçando-lhes a base eleitoral, é claro. Até viadutos estão sendo enfeitados com sobrenomes deles. Não sei se isso rende votos.

Pensando bem, provavelmente ajuda, pois querem deletar o Presidente Costa e Silva do elevado que o homenageia. É claro que não vão deixá-lo sem um substituto, embora a criatividade popular já o substitua sugestivamente por Minhocão. Se os atuais terroristas enfeitados substituírem Costa e Silva por um Marighella qualquer, o povo sensato vai insistir em Minhocão. Mas uma ideia melhor é trocar por uma minhoca venenosa, como urutu, cascavel, jararaca, sucuri. Se a escolha recair num terrorista desses, contem comigo para emplacar lá a minhoca venenosa.

No meu levantamento das cerca de 150.000 ruas de São Paulo, constatei que mais da metade dos 365 dias do ano mereceram a “honra” de constar em uma rua, e muitos até se repetem. Quais foram os critérios para comemorar uns 200 dias do ano? Deve ter havido motivos legítimos, mas poucos moradores dessas ruas os conhecem, excetuando naturalmente as datas históricas nacionais.

Qual o melhor sistema para nomes de ruas? Não sei, mas é impossível deixar unicamente ao sabor da criatividade popular, pois as cidades grandes virariam bagunça. E um sistema despersonalizante, como o de Brasília, desvia a criatividade pública para outras atividades. Nesse centro político e administrativo do País, já se sabe onde a criatividade vem aterrissando e fazendo lamentáveis progressos.

Em tempo: Tive também a curiosidade de constatar em São Paulo uma rua homenageando a data do meu nascimento. Não conheço nenhum outro fato digno de nota nessa data, portanto…
Título e Texto: Jacinto Flecha, ABIM, 02-08-2014

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