quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Macroscópio – Je suis Charlie




José Manuel Fernandes
Em estado de choque. Enorme onda de solidariedade. Assim podemos descrever as reacções ao brutal ataque terrorista de ontem de manhã, quando três homens armados atacaram a redação do semanário humorístico francês Charlie Hebdo, matando dez jornalistas. E depois dois polícias. Aqui no Observador acompanhámos os acontecimentos, com actualizações permanentes ao longo de todo o dia. E a meio da tarde a nossa equipa juntou-se para uma fotografia de solidariedade, que passou a encabeçar a nossa página no Facebook.

As horas que se seguiram aos ataques de Paris foram marcadas por muitas reacções emocionadas e pela publicação das primeiras análises e comentários. Muitas são reacções a quente, inúmeras adoptam o lema que se tornou universal em poucas horas: “Je suis Charlie”. O título do meu comentário também seguiu por esse caminho, Hoje somos todos Charlie Hebdo. Nesse texto recordo outros atentados do passado e, para além de manifestar horror pelo que aconteceu e apelar à coragem na resposta, alerto para a não repetição de erros cometidos no passado:

As manifestações de intolerância dos radicais islâmicos, que numa altura de sobressalto todos condenamos, não podem levar-nos, passada a indignação, a tratar de encontrar explicações, desculpas ou remédios. Temos de poder ser livres de nos pronunciar sobre a religião islâmica com o mesmo grau de liberdade com que nos pronunciamos sobre outras religiões. Quem escreve tem de poder escrever com liberdade (…). Quem escreve só deve ter como limites o bom senso e o respeito pelos sentimentos alheios, sendo que saber onde se situam os limites desse respeito é exclusivamente matéria de debate público, não de leis ou normas destinadas a prevenir “blasfémias”.

A direcção do Expresso também adoptou o mesmo lema – NÓS SOMOS CHARLIE HEBDO – e, num curto texto editorial, definiu a posição do jornal: “Mataram jornalistas porque nos querem calar a todos. Teriam de nos matar a todos para que o medo vencesse. Não o conseguirão, nem que nos calemos perante eles nem que reajamos como eles. Nós somos o Charlie Hebdo. Nós jornalistas. Nós leitores. Nós todos.”

No editorial do Público, Combater o ódio, defender a liberdade, defende-se que “é fundamental que a condenação de crimes como este seja generalizada e veemente entre todas as comunidades, incluindo as muçulmanas. É preciso mais do que palavras para que a intrusão dos inimigos da liberdade no quotidiano das sociedades actuais, seja em Paris ou no Iémen, esteja definitivamente condenada ao fracasso. É preciso compromissos que não lhes deixem margem para se imporem ao mundo, amordaçando-o”.

Saltando para França, começo por um pequeno texto do director do Le Monde, Gilles van Kote, « LeMonde » solidaire de « Charlie Hebdo ». Esse texto termina assim:
La tuerie survenue mercredi 7 janvier ne fait que renforcer notre certitude qu'il est nécessaire de lutter contre l'ignorance, l'intolérance, l'obscurantisme et le fanatisme. Il est plus que jamais indispensable de rappeler que la liberté de la presse ne se négocie pas.

Ainda em França, destaque para um texto do antigo Imã de Marselha, Haidari Nassurdine, publicado no Liberation: Face à la barbarie, entrons ensemble en résistance. Texto muito emocional, nele se sublinha que “Ce crime nous oblige à faire France ensemble. Il nous oblige à dépasser nos différences d’opinions (philosophiques religieuses ou politiques) et redire ensemble ce qui nous lie. Ne laissons pas ces barbares tuer la fraternité qui est en nous. Nous les pourchasserons là où cela sera nécessaire car la France se montrera plus forte que deux fanatiques qui ont voulu rabaisser la France et les Français.”

Cruzando a Mancha, chegamos ao Reino Unido onde começamos pelo editorial do Financial Times, A murderous attack on freedom of expression. Destaco esta passagem que me parece importante:
In any democratic society, there should always be room for a civilised debate about taste and propriety when it comes to the mockery of any religious faith. But what cannot be challenged is the fundamental right of all citizens to express themselves freely within the law. In an age marked by growth in religious belief and the increasing politicisation of faith, all religion must be open to opinion, analysis and lampoonery.

Outro editorial a destacar é o da Spectator,
The attack on Charlie Hebdo is an attack on freedom. O seu apelo é a uma reacção vigorosa a este ataque:
It is the duty of all free people and all free media to respond robustly to this outrage. To show that we will not treat any people of any belief or background in our societies any differently from others. To show that freedom includes the freedom to speak freely and to offend. The stake, for all our societies, could not be higher.

Em
Now is the time to uphold freedoms and not give in to fear, Simon Jenkins advoga no Guardian uma reacção ponderada. Primeiro, começa por sublinhar a essência do que está em causa:
There can be no doubt that the magazine Charlie Hebdo was testing the boundaries of taste and religious tolerance. But that is the burden freedom of speech in a democracy has to bear. The US bore it recently with its satire on North Korea’s leader; it was the risk Charlie Hebdo took, and knew it was taking.


Depois argumenta que a reação aos ataques não pode passar por acções que, em nome da segurança e do combate ao terrorismo, diminuam as liberdades cívicas:
That is why the most effective response is to meet terrorism on its own terms. It is to refuse to be terrified. It is not to show fear, not to overreact, not to over-publicise the aftermath. It is to treat each event as a passing accident of horror, and leave the perpetrator devoid of further satisfaction. That is the only way to defeat terrorism.

Do Telegraph começo por destacar o cartoon, indiscutivelmente poderoso:

Passo depois a Dan Hodges que em Want to see what a 'threat to our freedom' looks like? Turn on your TV, começa por alertar para a facilidade com que tendemos a esquecer dias como o de hoje:


Events like today’s always follow the same cycle. First there is the shock and horror. Then there are the calls not to overreact. And finally we simply forget and move on”. É algo que condena, até porque tem a percepção que, por muitas proclamações que se façam, estes actos de terror acabam sempre por ter algum ganho de causa: The terrorists are winning. They wanted to murder the people who in their eyes were behind the publication of that cartoon. And they succeeded. I am sitting in my own living room. I am too scared to tweet a picture of that cartoon. The terrorists are winning. Hands down.

Mas há outras formas de os terroristas terem esses ganhos de causa, argumenta Padraig Reidy, também no Telegraph, em
We must stop blaming ourselves for Islamist terror. Depois de recordar que, no passado, não faltou quem condenasse mais depressa as vítimas do que os algozes, conclui:

What a great shame that it has taken us all of this bloodshed to arrive at the belief that we are the ones who will pay the price for preventing those with whom we disagree from expressing their views – and that we will pay with our lives and our futures. What a shame this much blood has had to be spilled for us to realise, finally, that we are digging our own graves when we allow thought to be crushed by accusations of unbelief, calling people infidels, and when we allow opinion to be countered with violence.”

Relativamente ao que se escreveu, por agora, do outro lado do Atlântico, apenas uma referência para uma peça da New Yorker, The Attack on Charlie Hebdo. Esta passagem pareceu-me forte:
This was an attack on a publication and a neighborhood, a country and its press, and on any journalist, in any city. The magazine made fun of people—of many faiths, for many follies, which we all need to be reminded that we have. Some of the cartoons were blatantly, roughly sexual, and not designed to endear them to Jews or Christians. Satire was Charlie Hebdo’s mission, and a necessary one. There were times when the French government asked the magazine to hold back, but the magazine kept being itself, which is what one wishes for in a free press. Wednesday’s crime should not cause anyone to second-guess Charlie Hebdo’s editorial decisions. Silence is not where the answers to an incident like this lie.

O silêncio não era, de facto, uma opção para os responsáveis pelo Charlie Hebdo, goste-se ou não do seu estilo. O director, Charb – uma das vítimas mortais do ataque de hoje – disse recentemente, numa entrevista ao Le Monde, que « Je préfère mourir debout que vivre à genoux ». No mesmo jornal também publicou um texto, ontem reproduzido pelo El Mundo, onde se explicava:
Nos negamos a escondernos detrás de nuestro dedo índice y, lógicamente, seguiremos adelante. Aunque sea menos fácil que en 1970, seguiremos riéndonos de los curas, de los rabinos y de los imanes, por mucho que guste o disguste. ¿Que somos minoritarios ? Quizás, pero, en cualquier caso, orgullosos de nuestras tradiciones.

Charb não voltará a escrever, a dar entrevistas, sobretudo não voltará a desenhar. Hoje foi um dia triste. Mas não nos esqueçamos do que se passou.

Boas leituras.
Título, Imagens e Texto: José Manuel Fernandes, Observador, 7-1-2015

2 comentários:

  1. Fui num perfil de um ex-professor meu já procurando uma bobagem sobre o ocorrido em Paris e... previsivelmente encontrei:

    Osvaldo Luiz Ribeiro 19 h:Quanto ao atentado na França, eu respiraria fundo e não descartaria outras explicações menos imediatas... É o tipo de ação que leva todo mundo a imaginar que sabe quem foi, e, às vezes, é exatamente o outro lado o responsável. Penso no atentado de primeiro de Primeiro de Maio no Riocentro... Eu seria mais ponderado antes de afirmar quem foi... Aliás, a Europa está cheia de casos de ataques "terroristas" que eram, de fato, de gente interna...

    Pior são os comentários...

    Marcelo Carneiro: O estranho é esse ataque acontecer no momento em que a ultra-direita radical anti-islâmica e anti-imigrantes estar crescendo tanto na Alemanha e na própria França. Quem vcs acham que vai crescer com esse atentado?

    ResponderExcluir

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-