Rui Verde
A reportagem sobre a falta de papel higiénico na Sonangol gerou alguma perplexidade entre os
leitores do Maka Angola, que perguntaram por que razão se dava
importância a um tema tão ridículo.
Pois bem, a falta de papel
higiénico é uma ponta do icebergue de trapalhada que se instalou na gestão da
Sonangol desde que a equipa de Isabel dos Santos tomou posse, em Junho passado.
Trapalhada e desrespeito pelas mais elementares normas jurídicas, como já vimos
a propósito da nomeação de Sarju Raikundalia como administrador simultaneamente não executivo
e responsável pelo pelouro das finanças (!). Este icebergue indicia que pode
estar em curso uma fraude monumental.
Fontes do Maka Angola asseveraram
que neste momento é a PwC (anterior empresa de Sarju, na qual era sócio) quem
praticamente gere as finanças da Sonangol. Na realidade, a PwC funciona como
direcção financeira da Sonangol. Internamente foi instalado um procedimento
obrigatório segundo o qual qualquer transacção financeira da petrolífera tem de
ser entregue aos consultores da PwC, que avaliam e decidem se a enviam para
Sarju aprovar ou não (competências que estão legalmente vedadas a Sarju). Caso
aprove uma transacção, Sarju informa então os consultores da PwC, que levam a
boa nova às finanças da Sonangol, as quais poderão proceder com a transacção.
Aparentemente, foi este procedimento lento e burocrático que levou à falta de
papel higiénico.
Já vimos que Sarju foi nomeado
administrador não executivo pelo presidente José Eduardo dos Santos, na
sequência de um decreto assinado pelo mesmo presidente da República que
determina que os administradores não executivos não têm funções de gestão, mas
apenas de controlo da gestão em geral. Por isso, todos os despachos sobre matérias
executivas emitidos por Sarju carecem de base legal. Pior, violam a lei. Em
rigor, as decisões de Sarju podem ser disputadas em qualquer tribunal, pois a
sua validade jurídica é altamente duvidosa. Mas sobre esse assunto já
escrevemos anteriormente.
A questão que se coloca hoje é
o facto de a PwC ser ao mesmo tempo gestora financeira e auditora de Sonangol.
Bem se vê: se quem controla também é quem gere, então não há nem separação de
atribuições nem qualquer hipótese de isenção, pelo que a gestão da Sonangol
está sem controlo ou supervisão.
A PwC Angola é uma operação da
PwC Portugal. Por sua vez, ao contrário do que se possa pensar, a PwC Portugal
não é uma filial ou sucursal da PwC internacional, mas sim uma entidade legal
distinta, pela qual a PwC internacional não se responsabiliza. A própria PwC
adverte que “cada firma membro é uma entidade legal independente e não actua
como agente da PwCIL ou de qualquer outra firma membro”. Portanto, não se
julgue que quando falamos da PwC Angola estamos a falar de uma multinacional
norte-americana que por tudo se responsabiliza. Não, estamos apenas a falar de
uma empresa portuguesa afiliada numa rede internacional que não assume
quaisquer responsabilidades.
Sobre o facto de a PwC Angola
ser simultaneamente gestora e auditora, é óbvio que tal vai contra todas as
regras internacionais de auditoria.
Como é sabido, as relações
entre auditor e auditado regem-se pelo princípio básico da segregação de
funções, o qual decorre do princípio da separação de funções incompatíveis
entre si. A aplicação deste princípio elementar pretende evitar que sejam
atribuídas à mesma pessoa duas ou mais funções concomitantes, e assim impedir,
ou pelo menos dificultar, a prática de erros, irregularidades e a sua
dissimulação. Outro dos princípios é o da independência. Os auditores têm de
ser independentes de quem auditam. As normas internacionais são consensuais em
prescrever que os auditores não realizem qualquer auditoria caso exista alguma
relação financeira, empresarial, de trabalho ou de outro tipo — incluindo a
prestação de serviços complementares que não sejam de revisão ou auditoria –,
directa ou indirecta, em virtude da qual uma terceira pessoa objectiva,
racional e informada concluiria que a independência estaria comprometida. Se a
independência do auditor for afectada por ameaças, tais como auto-revisão,
interesse pessoal, representação, familiaridade, confiança ou intimidação, o
auditor não deve realizar a auditoria.
Os princípios internacionais
enumerados são de raiz europeia, mas em tudo se assemelham aos americanos. Face
a eles, a PwC está proibida de ser gestora ou consultora permanente de gestão e
auditora externa. A sua auditoria não tem qualquer valor.
Mas o departamento que
acompanha a gestão — argumentará a PwC — é diferente do departamento de
auditoria, com pessoas diferentes, existindo entre ambos as famosas “chinese
walls” (paredes chinesas), termo que se refere às barreiras de informação que
se erguem dentro duma organização para evitar trocas ou comunicação que possam
originar conflitos de interesse.
Este argumento não sobrevive a
um outro princípio da contabilidade que importa chamar à colação: a
materialidade prevalece sobre a forma. Mesmo admitindo que existam “chinese
walls” formais entre os vários departamentos da PwC Angola, e que o
departamento que faz a gestão não comunique com aquele que audita, os factos
geram muitas dúvidas a quem se coloque na posição de uma terceira pessoa
objectiva, racional e informada.
Sarju, o administrador
financeiro da Sonangol que não o pode ser, vem da PwC. Um dos primeiros actos
do conselho de administração de que faz parte (não votou na decisão) foi
contratar a PwC como auditora externa, aparentemente substituindo, através de
concurso público, a empresa escolhida ainda não havia um ano. Simultaneamente,
a PwC assumiu a gestão da empresa. Tudo ocorreu ao mesmo tempo, coincidindo com
a entrada de Sarju.
Objectivamente, um terceiro
elemento pode, com toda a razoabilidade, pensar (e este é o critério da lei)
que há um controlo directo da gestão e da auditoria por parte de Sarju, através
da contratação dos seus antigos sócios, e só deles, para fazer os dois
trabalhos. Esta situação viola todas as regras de conformidade de uma empresa
moderna. E é um forte alerta para o risco de fraude. Segundo o Office of the
State Comptroller (Gabinete de Controlo do Estado) de Nova Iorque, são indícios
de fraude:
– Gestão dominada por um indivíduo ou pequeno grupo;
– Fraco ambiente de auditoria;
– Mudanças frequentes nos
auditores;
Ora, todos estes indícios se verificam na Sonangol actual.
Pode não haver nenhuma fraude
em curso, mas estão sem dúvida reunidos todos os condimentos para que a fraude
aconteça.
Título, Imagem e Texto: Rui Verde, Maka Angola, 8-11-2016
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