Caroline Eliacheff
A historiadora
norte-americana, Edith Sheffer, realizou uma pesquisa detalhada sobre a
personalidade do doutor Hans Asperger (1906-1980) [foto].
Quebrando o mito do
resistente, esta mãe de autista revela o passado nazista do cientista austríaco
que mandou dezenas de crianças deficientes para a morte.
O chique, é ser diagnosticado
com “síndrome de Asperger”, esta forma de autismo dito de alto nível. Os
portadores seriam dotados de capacidades intelectuais fora do comum,
notadamente no domínio das ciências ou da informática, sem esquecer as
dificuldades de comunicação. A jovem militante ecologista Greta Thunberg,
rotulada “Asperger” seria dotada de superpoderes?
O choque, é o livro da historiadora
norte-americana, Edith Sheffer, As crianças d’Asperger. Esta mãe de
criança autista realizou uma extensa pesquisa sobre a personalidade do doutor
Hans Asperger (1906-1980) em sequência do trabalho mais confidencial do
pesquisador austríaco Herwig Czech.
Até estes trabalhos, Hans
Asperger era considerado pelos seus pares como um resistente austríaco não
tendo aderido ao partido nazista. A realidade é outra, mas ele não é o único
criminoso que conseguiu apagar o seu passado: ele terminou brilhantemente a sua
carreira e os seus superiores idem. Isto é tão surpreendente num país que ainda
se considera vítima do nazismo?
Mas o que fez Hans Asperger?
Muito antes da anexação da Áustria pela Alemanha (1938), Viena estava na frente
em matéria de “pedagogia curativa”, verdadeiro controle social das famílias com
as melhores intenções do mundo. Muitos psicanalistas desta geração saíram dos
seus consultórios para ajudar os mais desfavorecidos. Isso não impediu que
desde 1930 um notório nazista austríaco, Franz Hamburger (1874-1954), assumisse
a direção do famoso hospital para crianças de Viena.
O jovem doutor Asperger,
diplomado em 1931, deverá a sua rápida ascensão à exclusão dos médicos judeus e
à fidelidade aos superiores. Se, como muitos dos seus colegas austríacos, ele não
aderiu ao partido nazista, as suas convicções e o seu catolicismo foram
suficientes para torná-lo “confiável”, como testemunha a sua ficha de avaliação
muito positiva do partido.
Dirigindo o serviço de
pedagogia curativa, ele colaborou muito ativamente à medicina do diagnóstico e
da triagem visando eliminar as crianças cuja “vida não era digna de ser
vivida” aos olhos dos ideais nazistas usados pelo Gemüt, palavra
difícil de ser traduzida, um tipo de amor pela comunidade – dir-se-ia hoje empatia
– indispensável para fazer parte do Volk, do povo.
Baseado num diagnóstico muito
pouco científico de crianças não educáveis (ou não ensináveis, NdT), Hans
Asperger enviou dezenas de crianças para a clínica do Spiegelgrund, sabendo que
depois de sofrer verdadeiras torturas, elas seriam eutanasiadas com injeção de
soníferos administradas pelas enfermeiras. Os testemunhos de raros
sobreviventes são aterrorizantes, as cartas de pais para retirar suas crianças
ou agradecer por as terem matado, congelantes. Será que ele salvou algumas?
Talvez sim.
Hans Asperger trouxe alguma
coisa nova à psicopatologia infantil? Ele não inventou o autismo, descrito em
1907 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1867-1939) como um fechamento de si
próprio de natureza psicótica, uma ausência de contato podendo chegar ao
mutismo. O pedopsiquiatra Leo Kanner (1894-1981), exilado nos Estados Unidos
desde 1924, descreveu em 1943 o autismo infantil precoce que ele diferencia da
esquizofrenia. Afeição presente desde o nascimento, trata-se de uma
incapacidade a estabelecer contato com outrem provocando um isolamento extremo,
de estereotipias, de distúrbios de linguagem, uma extrema violência
autodestrutiva.
Hans Asperger, ele, descreverá
na sua tese uma “psicologia autística” (a partir de quatro casos), na
qual ele se apoiará para diferenciar os “irrecuperáveis” e os “alteráveis”
(amendables, no original). Em 1944, ele republica, na indiferença geral,
a sua tese desnazificada e, por conseguinte, publicará muito pouco sobre este
tema. Ele teria sido esquecido se uma psiquiatra britânica, Lorna Wing
(1928-2014), ela mesmo mãe de uma filha autista e eminente pesquisadora, não
tivesse exumado um artigo de Asperger que lhe pareceu confirmar a sua prática
clínica. Em 1981, um ano depois da morte de Asperger, Lorna Wing inventa a
“síndrome de Asperger”, desconectada do seu contexto histórico, para qualificar
um autismo dito de “alto nível”. A síndrome de Asperger entra em 1994 no Manual
de diagnóstico e estatístico dos distúrbios mentais (DSM), mas é retirado
em 2013 para integrar o cesto dos distúrbios do espectro autista.
No entanto, continua a ser
utilizado pelos psiquiatras, e mais ainda pelo grande público ou associações,
como se tratasse de uma etiqueta social lisonjeira.
Me custou avançar na leitura
deste livro apaixonante porque ele mostra como os nazistas (entre outros)
perverteram um mister que eu exerço, a pedopsiquiatria, e porque o que essas
crianças viveram na era nazista é indesculpável. Mas uma questão me assombra e
a historiadora a toca: claro, não matamos mais as crianças “não adaptáveis”,
mas estamos totalmente livres da ideologia nazista?
Refletimos nas consequências
deletérias das classificações dos sintomas em pedopsiquiatria, a fortiori,
quando lhes concedemos um valor preditivo? Me vem à memória um relatório do
Inserm (Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa
Médica), em 2005, sobre os distúrbios de comportamento em crianças com
menos de três anos, supostos prever aqueles que se tornariam delinquentes. O que
suscitou uma forte e sadia reação dos profissionais da pequena infância.
Dizem-nos que o autismo está cada
vez mais presente, apesar deste termo cobrir um espectro de patologias díspares,
e que é necessário diagnosticá-lo o mais cedo possível. Avaliamos corretamente
o efeito auto realizador de um rótulo que reduz uma pessoa ao seu sintoma?
Tenhamos em mente a lembrança dolorosa dos efeitos devastadores das
classificações desmesuradas. Nossos bons sentimentos não nos protegem contra as
suas perversões.
Título e Texto: Caroline
Eliacheff, Revista Causeur, verão de 2019, páginas 86 e 87.
Tradução: JP, 1 de agosto de 2019
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