Aparecido Raimundo de Souza
A MENINA ESTÁ DE COSTAS, sentada num banco mal-acabado, o olhar a olhar comprido para coisa
alguma. E dentro dessa coisa alguma, oculto nesse nada infindo, ela procura, em
vão, algo extraviado. Sua mente rodopia oca e sem nada. O cérebro se quedou
desprovido de conteúdo, como uma folha de papel sem nada escrito. Seu rosto
perdeu a exuberância de outrora para dar lugar a uma tristeza aflita e
enfadonha como o infinito desbotado e sem viço que paira acima de sua cabeça
cheia de nuvens ameaçadoras.
Há uma solidão reinante que teima em se agigantar. Em criar formas
grotescas e ferir profundamente a sua vida, se aproveitando da sua desproteção
total. Ela está quieta e muda, muda e quieta, estática, sentada, no banco tosco
de madeira. A praça onde está o banco, se acha vazia, o coreto sem ninguém, a
igreja ao longe, abandonada... Ela, a menina, está embaraçada em meio a tantos
sonhos difusos, buscando dentro do peito, talvez na área que a cerca, o tempo
do seu “eu ausente”, estancado em algum lugar do passado. Além dessa solidão
travessa, reincide uma agonia mais pujante e cruel.
Uma agonia lenta, cansativa, peçonhenta, uma agonia que machuca o corpo
inteiro macera as entranhas e abre, no peito, uma ferida enorme não permitindo
que o corte cicatrize por inteiro. Tampouco apague as marcas deixadas pelo
silêncio pesado, sem pressa de ir embora. Por essa razão, a menina sentada no
banco, chora baixinho, chora envergonhada, acanhada obstinada em não ser
colhida de surpresa pôr algum estranho vindo da alguma viela próxima, e sem
mais nem menos pintar à sua frente, sem prévio aviso. Por essa razão também pode ser que uma nova
dor mais amarga, mais degradante, lhe magoe um pouco além do que poderia
suportar. Seria cruel, desumano, mas não totalmente fora de não chegar a
ocorrer.
Tivesse forças para se levantar sairia correndo em busca da vida que
ficou escondida (quem sabe, num canto desconhecido), acorrentada, tolhida,
vencida, ultrajada... Se acalentada, encorajada, ao menos, de algumas gotas de
ânimo, possivelmente sorriria para o mundo ingrato que se descortina além do
horizonte, e se estende diante de sua pequenez e engole a esperança quase
desfalecida. Por fim, se tivesse força, ah!..., se tivesse força, se tivesse um
fio de alento, fugiria do bicho papão que abocanha o chão onde pisa. Esse mesmo
bicho papão que lhe rouba a paz e a coloca num labirinto de espelhos refletindo
a presença de todas as desgraças que rondam seu estado de espírito.
Como se não fosse pouco, deixou cair por terra o brilho que lhe fazia diferente
de todas as demais. Igualmente permitiu que lhe roubassem a vontade, a coragem
e até a razão de existir. Talvez tenha sido por esse motivo aparentemente banal
que seu sorriso tenha se apagado como uma lâmpada quando alguém aciona o
interruptor e no lugar da clareza surja a escuridão total de todos os
abismos. Seu coração, por conta desse
inesperado, se descompassou os passos e dos passos a torto e a direito, a fez
ficar com o corpo trêmulo, como se uma febre de quarenta graus lhe incomodasse
por dentro, indefinidamente... Intermitentemente...
No fundo, a menina do banco da praça só pretendia se levantar. Ficar de
pé e contemplar, do alto da sua maturidade (ainda que um pouco fora de prumo),
o futuro logo ali adiante. A alguns passos. Queria ouvir o mundo, entender
todas as palavras sem que nada lhe tolhesse os movimentos, ou inibisse a
direção a ser seguida. A menina, coitada, cansada de correr a esmo e às avessas
do acaso da própria vontade, só almejava chutar o banco. Só almeja chutar o
banco, chutar para longe e... Recomeçar...
Transformar o vazio que lhe sangrava pelos poros, enfeitar com as cores
do arco íris seu dia a dia e acreditar, sobretudo, acreditar no próximo
minuto... Crer piamente que ele poderia lhe fazer um pouquinho só completamente
feliz. Feliz e plenamente realizada. Mas nada aconteceu. O tempo que ficou ali,
sentada no banco, só fez aumentar a sua dor. A menina continua parada,
estática, de costas, sentada no banco mal-acabado, o olhar a olhar comprido
para coisa alguma.
E dentro dessa coisa alguma, oculto nesse nada infindo, ela procura, em
vão, algo extraviado. Sua mente rodopia oca, sem nada. O cérebro quedou
desesperançado e como uma folha de papel sem coisa alguma escrita, voou ao
sabor do vento. Seu rosto perdeu a exuberância de outrora para dar lugar a uma
melancolia aflita e enfadonha como o céu desbotado e sem vigor que paira acima
de sua cabeça cheia de nuvens ameaçadoras. Sem saída, sem eira nem beira. Sem
ter para onde ir, para onde correr, novamente se põe a chorar. E o frio do
banco incrivelmente se junta à sua tristeza, num abraço estranhamente esquálido
e difícil de ser compreendido.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de São
Paulo, Capital. 4-10-2019
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