Theodore Dalrymple
Dê-me uma criança antes dos
sete anos”, teria dito Santo Inácio de Loyola, “e eu lhe mostrarei o homem”.
Não é importante se Santo
Inácio disse mesmo isso. Mas não pude deixar de pensar nessas palavras ao ler
uma reportagem
do correspondente do New York Times em Oakland. A reportagem curta dizia o
seguinte:
Perto do centro,
centenas de manifestantes marchavam pacificamente pelas ruas, gritando slogans
e erguendo cartazes.
Atrás da multidão,
Donavon Butler, 33, dirigia uma minivan branca com sua esposa e os quatro
filhos atrás. Seu filho de 5 anos, Chase, andava com a cabeça para fora da
janela com o punho direito erguido e a mão esquerda segurando um cartaz no qual
se lia “Mamãe! Não consigo respirar. Não atire.”
“O mundo em que
vivemos não é igualitário. As pessoas nos olham de um jeito diferente”, disse o
sr. Butler que ensinou ao filho.
![]() |
Que tipo de pai leva uma
criança de 5 anos a uma manifestação política que, mesmo que no momento
pacífica, pode obviamente se tornar violenta? Foto: AFP
|
A reportagem foi publicada sem
maiores análises, então é impossível dizer — mas não supor — qual foi a atitude
do repórter diante do episódio. Mas ele me deixou horrorizado.
Que tipo de pai leva uma
criança de 5 anos a uma manifestação política que, mesmo que no momento
pacífica, pode obviamente se tornar violenta? Claro que o pai sabia disso:
dificilmente ele ignorava completamente o que estava acontecendo em todos os
Estados Unidos.
Que tipo de pai usa um filho
como instrumento para promover uma mensagem política e o ensina (aos cinco
anos!) a fazer um gesto político que, no mínimo, expressa intransigência,
quando não prega a violência explícita? E que sentimentalismo incompreensível —
o outro lado da brutalidade — é esse que permite que alguém acredite que a
participação de uma criança numa manifestação política acrescenta algo, quando
na verdade ela enfraquece a mensagem?
O pai, claro, também
acreditava que uma criança nunca é nova demais para se ressentir de algo — e
que ela deve ser ensinada a agir assim. É verdade que o mundo é desigual e
injusto, mas o ressentimento está, entre todas as emoções humanas, entre os
menos construtivos e mais incompatíveis com a felicidade real, embora possa
gerar certa satisfação agridoce, incluindo a eliminação da responsabilidade
pessoal pela própria situação. Infelizmente, o ressentimento é também uma das
poucas emoções que pode durar por toda a vida, já que ela é maleável o bastante
para encontrar justificativas para si mesma. Espero que, neste caso, a conduta
do pai tenha sido um erro cometido no calor do momento, e não parte de um
projeto educacional.
Ficamos pasmos – e com razão –
diante do uso de crianças-soldados em guerras civis. Talvez não haja expressão
maior de crueldade. O uso do pequeno Chase não está no mesmo nível de
exploração, mas ainda assim é exploração, independentemente do fato de o
correspondente do New York Times ter percebido.
Título e Texto: Theodore
Dalrymple, City Journal, Gazeta
do Povo, 4-6-2020, 16h17
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-