Henrique Pereira dos Santos
Paulo Tunhas, como é
frequente, exercitando a sua liberdade: "Ódio à democracia: o poder é intrinsecamente ilegítimo sempre que não corresponde à imagem que desejamos que ele tenha (o que vale para os Estados Unidos vale ainda mais, talvez, para Israel, que suscita tal ódio em proporções épicas)."
Esta observação, bem como todo
o artigo de que faz parte, corresponde bastante ao me parece que tem vindo a
ser uma tendência das esquerdas modernas: negar a democracia, não na sua teoria
e fundamentos, mas na prática.
Os problemas e as derrotas
deixaram de ser para resolver nas eleições seguintes, os problemas e as
derrotas devem ser resolvidas agora, contrapondo a legitimidade das ruas - que
o mesmo é dizer, dos jornais - à legitimidade das urnas.
Não é, de maneira nenhuma, uma
questão americana, apesar de ser muito visível a quantidade de impeachments e
afins dos últimos anos, usados tantos pela direita (Clinton) como ainda mais
frequentemente pelas esquerdas.
Frequentemente a contestação
da legitimidade começa logo no dia seguinte ao das eleições, em vez da velha
regra de que se as regras democráticas aplicáveis a todos, boas ou más, foram
cumpridas, a legitimidade do governo está assegurada.
E quem não está de acordo, tem
uma maneira simples de proceder: trabalhar para ganhar a eleição seguinte e
bater os adversários nas eleições.
À medida que inimigos
juramentados da democracia burguesa deixaram de ter margem para defender a
superioridade da democracia popular sobre a democracia formal (para já não falar
da defesa dos regimes não democráticos), passaram a contrabandear a ideia de
que as regras não são justas, não são legítimas e, consequentemente, é legítimo
atuar fora das regras para repor a verdadeira democracia.
Sou absolutamente insuspeito
de não gostar de Neil Young - ainda não me conseguem apanhar na posição de
definir o meu gosto artístico pelo alinhamento político dos artistas, a mim não
me apanham a negar que José Afonso e José Mário Branco são músicos fantásticos,
só porque usaram os seus dons artísticos para defender coisas que hoje me
parecem indefensáveis - e acho que fez dezenas de músicas melhores que esta (que não é nada má) que me parece um excelente exemplo para ilustrar a ideia de que, no fundo, as regras democráticas e a legitimidade do exercício do poder se medem mais pelo meu juízo moral sobre as políticas e os políticos que pelo cumprimento das regras aplicáveis a todos para permitir o acesso ao poder.
Que tal deixarmo-nos de
opiniões tremendistas sobre o exercício do poder nos países democráticos e
concentrarmo-nos em apoiar regras básicas de decência que permitam mudar os
governos sem efusão de sangue, na boa parte do mundo em que tal não é, ainda,
possível?
Título e Texto: Henrique
Pereira dos Santos, Corta-fitas,
4-6-2020
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-