sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Carta aberta de uma brasileira vítima da indiferença, desprezo, hipocrisia e covardia do governo brasileiro


Minha história espelha a de colegas de trabalho e de outros brasileiros, que em suas categorias laborativas, se viram alijados, jogados na rua da amargura, sem suas garantias trabalhistas e, no fim de tudo, saqueados em seus planos de previdência.

No caso em questão, colegas meus, que como tantos outros trabalhadores brasileiros, impulsionaram a economia do Brasil com seu suor, perderam suas vidas, precocemente, por depressão, doenças adquiridas ou deram cabo de suas vidas por total desespero, ante ao massacre do aterrorizante gigante governamental.

Não saiu no jornal, mas é real, eu chorei por companheiros que se jogaram de edifícios, deram tiro na cabeça, mergulharam em profunda depressão, sem que nada os tirasse desse quadro, definhando até a morte, fora os muitos ceifados por infartos fulminantes.

Apesar de ter sofrido um AVC, por estresse, já que não tenho comorbidades que justifiquem, ainda estou aqui, tenho raciocínio concatenado e voz para denunciar, mesmo que, solitariamente gritando no deserto, a prisão mental, o abuso psicológico, a tortura diária, com requintes de crueldade, que sofri e sofro, que atingiram não só a mim, mas também a minha família.

Minha família original era de baixa renda, éramos quatro, eu, meu irmão, meu padrasto e minha mãe.

Meu padrasto era enfermeiro e cavalariço do Jóquei Clube.

Meu irmão bancário.

Eu comecei a trabalhar ainda criança.

Minha mãe lavadeira, passadeira faxineira, trabalhava de domingo a domingo, dividíamos todas as despesas, de aluguel, luz, alimentação, transporte, e remédios, quando necessário. Assim, no início, o que me sobrava em mãos, mal dava para comprar uma roupa nova, ou ter algum lazer que, como jovem, desejava, só praia de graça e, vez ou por outra, um cineminha.

Nos primeiros tempos, para ter uma graninha extra, pegava bicos nos fins de semana, faxina, lavagem de roupas, manicure, para me dar ao luxo de comprar algo para mim.

Aos 14 anos, estudando em colégio público, mudei para o turno noturno para trabalhar durante o dia. 

Fui ajudante de cabeleireira, manicure em domicílio, vendedora em loja de roupas, recepcionista, auxiliar administrativa, bancária em banco estatal e, numa empresa multinacional, fui telefonista, teletipista até galgar o posto de secretária, o que era um cargo de bom salário e cobiçado naquele contexto.

Por fim, bem jovem ainda, me tornei comissária de bordo da Varig, que era rigorosa em sua seleção, muitos tentavam uma vaga em vão, a não ser que tivessem algum conhecimento, o que não era o meu caso, em absoluto.

A Varig era uma marca de excelência mundial, nos treinava para que fôssemos únicos, era referência em serviço de bordo, pontualidade, conforto, tratamento personalizado, sofisticação e segurança.

Nessa empresa trabalhei por mais de duas décadas, tive formação em seu curso de comissários, um plano de carreira, cresci, ampliei minha visão de mundo, conheci muitos lugares e culturas, estudei idiomas, aprendi muito sobre relações humanas, recebi refinamento social com aulas de etiqueta e psicologia do passageiro, entre outras matérias importantes numa situação de emergência, como sobrevivência na selva e no mar, noções de obstetrícia para atender um parto a bordo e primeiros socorros.

Nossa clientela abrangia todas as classes, de anônimos a famosos, de pessoas simples a monarcas e líderes políticos, tínhamos que estar prontos, para saber receber bem, cuidar, proteger, salvar e sobreviver.

Fui escalando postos desde auxiliar a cargos de chefia, primeiro na linha nacional e, depois, na linha internacional.

Coloco todo esse preâmbulo para humanizar meu depoimento que, certamente, será parecido com o de muitos que sem background, sem pistolão nem qualquer favorecimento da sorte, na loteria genética, foram abrindo espaço, com os próprios ombros na multidão, no ensejo de uma mudança para melhor, em sua condição de vida.

O setor aéreo é bastante vulnerável a fatores externos, como a oscilação no valor dos combustíveis e a decisões políticas internas, devendo obediência total às cláusulas impostas no contrato de concessão.

A Varig foi prejudicada, diretamente, quando houve aumentos dos combustíveis devido a guerras das décadas de 80 e 90, além disso, em dado momento, o governo resolveu congelar os preços das passagens.

Engessada pelas tais cláusulas contratuais da concessão, só restou a empresa cortar na própria carne, arcando com o prejuízo, o que lhe causou um rombo.

Em 1992, foi movida uma ação da empresa contra o governo, Ação de Defasagem Tarifária, ADT.

Essa ação processual foi ganha em todas as instâncias e no STF (ou seja, não cabendo mais recursos), ação esta que se posterga sem desfecho, está há anos em fase de execução, faltando apenas o fechamento dos cálculos, que entra ano e sai ano, entra governo e sai governo, e esses cálculos não são apresentados. Enquanto isso vamos morrendo sem ver a cor do dinheiro.

Estamos falando aqui de um valor inicial de 6 bilhões, com a correção e juros, depois de todos esses anos, esse valor mais que dobrou.

Cito essa ação, mas existem outras.

Temos uma ação encabeçada por entidades de classe e pelo Sindicato dos Aeronautas, SNA, que é a ação civil pública, ACP, essa foi apensada a uma ação da Transbrasil.

Explico:

A Varig criou um fundo de previdência para garantir uma boa aposentadoria aos seus funcionários. Várias empresas de aviação se uniram a esse fundo, as chamadas empresas patrocinadoras.

Uma dessas empresas foi a Transbrasil, que foi quem primeiramente abriu a ação contra a União.

Existe um órgão federal, em outras palavras um representante do governo, com todos os poderes para monitorar, auditar, intervir, e até liquidar, os fundos de previdência, caso constatada qualquer irregularidade de gestão. De vez em quando esse órgão muda de nome, mas é sempre o mesmo, o nome da vez é Previc.

A Ação Civil Pública, logrou êxito e responsabilizou a União, pela dilapidação do nosso fundo de previdência, Aerus, saqueado 21 vezes para tampar os buracos financeiros da Varig, o que era vetado, sem que, a despeito de todos os avisos e cobranças, a Previc tomasse qualquer atitude para impedir e salvaguardar nosso patrimônio. No mínimo a União, através da Previc, foi conivente. Aliás, essa displicência foi recorrente em outros fundos previdenciários, inclusive estatais, como Funcef (Caixa), Postalis (Correios) e Petros (Petrobras), mera coincidência?!

Assim nasceu e se enraizou, profundamente, o antipetismo, o Partido dos Trabalhadores, estava no poder durante o período dos rombos previdenciários.

Imaginem que cada funcionário vale por dez pessoas entre família e amigos que absorveram um sentimento de verdadeiro ódio pelo PT que se espraiou. Tudo que ele defendia, adotando como pilar central, na retórica, a proteção do direito dos trabalhadores, caiu por terra. Essa bofetada nas nossas caras, acabou com toda a credibilidade na esquerda, mais que isso, sedimentou uma verdadeira aversão, relação direta de causa e efeito.

É difícil discorrer sobre o tema em foco de maneira breve, sintética.

Tentando encurtar ao máximo, quando a Varig faliu, imediatamente, a até então sumida União, através de seu órgão federal, apareceu e colocou o Aerus sob liquidação e intervenção federal. Ao que tudo indica, para impedir que nós, os funcionários, arrematássemos a empresa em leilão.

Um adendo: chegamos a arrematar a empresa associados a investidores, mas, sempre tem um, mas, o juiz da vara empresarial que fora criada, exclusivamente, para um plano de recuperação empresarial, estreando com o caso Varig, exigiu que para o negócio ser fechado, fossem pagas dívidas com o INSS, os investidores recuaram e perdemos, no entanto, essa mesma exigência não foi imputada a quem saiu vitorioso. Constantino Jr., dono da Gol, levou pela bagatela de US$ 320 milhões (660 milhões de reais, câmbio da época) comprou sem contrapartida, nomeou de mentirinha de nova Varig, se apossou das linhas, dos slots, do patrimônio físico, para depois desaparecer com a marca Varig da face da terra.

Tudo foi orquestrado.

O governo do PT, não faliu a Varig, foi um somatório de circunstâncias adversas aliadas a erros de gestão e até se diz por aí, roubos internos, porém, se a dívida ganha de 6 bilhões tivesse sido paga, dava para nós comprarmos a Varig, sanear o Aerus a ainda sobrava muita, mas muita grana.

O fato que não deixa dúvida é que governo do PT nos ferrou.

Não nos pagou, não nos recebeu, não permitiu que o BNDES nos liberasse um empréstimo, entrou com uma intervenção federal no Aerus, para impedir que usássemos o que restava para o leilão, e mesmo quando conseguimos sociedade com investidores para o arremate do leilão, criou uma exigência para inviabilizar a conclusão do negócio.

Em 2000, por problema de saúde, perdi meu certificado de habilitação física para funções aéreas, já era aposentada pelo INSS desde 1996, pela proporcional, ato contínuo, passei a receber meu benefício do Aerus.

Em 2006, com a intervenção federal no Aerus, tivemos subtração nos valores dos nossos benefícios, o grupo de funcionários que optaram pelo fundo desde sua fundação, plano 1, passaram a receber apenas 8% do valor que recebiam até então. Os funcionários do grupo que entrou para o fundo posteriormente, plano 2, como era o meu caso, tiveram subtração de 60% no valor de seu benefício. A razão disso foi que como o plano 1 era mais numeroso com uma reserva maior, foi o mais roubado.

A partir de 2006, passei a receber bem menos e sem saber até quando, sempre sob a ameaça de extinção total.

Paralelamente, a Ação Civil Pública das entidades de classe e do sindicato avançava e se iniciou um movimento conjunto de pressão no congresso, entidades, sindicato, junto com os funcionários. A sede do Aerus foi invadida por funcionários, alguns bem idosos, que lá acamparam por vários dias, para chamar a atenção da justiça e dos políticos.

Essa operação de pressão se repetiu em Brasília, por mais de uma vez o grupo acampou por mais de 20 dias na porta do salão verde da câmara dos deputados, pedindo solução.

Colegas se juntaram a um funcionário que vinha fazendo greve de fome no saguão do Aeroporto Santos, todos em greve de fome também.

Na sequência, um desembargador expediu uma liminar que garantia o pagamento, a partir de então, dos benefícios com valor integral, sem, contudo, contemplar o período em que recebemos valores de 8% a 40%, essa diferença nunca foi paga.

Por fim ganhamos a ação civil pública, responsabilizamos a União pelo rombo no Aerus.

Entrou o governo Bolsonaro, que foi apoiado em peso pelos variguianos e pelo antipetismo alastrado e enraizado no rancor dos trabalhadores traídos, seus familiares e amigos, acrescido de outras nuances fomentadas pelo escândalo da Petrobrás, das empreiteiras e dos doleiros, revelados na operação lava jato.

Para a nossa infeliz surpresa, com três meses no poder, o novo governo, por intermédio de seu AGU ministro André Mendonça, suspendeu, sem se informar, sem qualquer amparo jurídico, por veneta, todo e qualquer pagamento aos assegurados do Aerus, imediatamente.

Ficamos sem receber a partir do comunicado. Num espaço de poucos dias 9 colegas morreram de infarto.

O impacto foi brutal, foi um corre corre desembalado, dos nossos advogados, entidades de classe, associações, sindicato. Dias horríveis, muita tensão no ar.

Até que um advogado de uma de nossas associações, fez uma manobra jurídica brilhante, derrotando e desmontando os argumentos do AGU, que teve que voltar atrás e voltamos a receber.

Mas pensa que acabou?

Não. O PT voltou!

Cá estamos nós de volta ao ringue.

Como ganhamos a Ação Civil Pública e temos a Ação de Defasagem Tarifária em fase de cálculos, a União, espontaneamente, propôs um acordo.

Estamos falando de um governo que defende os trabalhadores, que fala para os palcos do mundo, que defende o fim da desigualdade social, a desigualdade de gênero onde mulheres no exercício de mesma função têm que ganhar salários igual aos dos homens, lindos, lindos discursos!!!

Pois muito bem, o tal acordo propõe que esqueçamos a Ação de Defasagem Tarifária, lembram?  a dos 6 bilhões que com juros e correção, nem sabemos quanto vale hoje, a Ação Civil Pública, as diferenças dos pagamentos não integrais dos benefícios do Aerus, que nos foram suprimidos por longos 9 anos, e aceitemos receber nosso benefício por um período de 10 anos e fim.

Nem direita nem esquerda garantem a dignidade do povo trabalhador nesse país.

Quem sabe eu mando essa cartinha para a ONU, para ganhar visibilidade e terminar com essa pendenga antiga, de uma vez por todas.

Texto: Rosangela Nunes, Facebook, 1-12-2023

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