No caso em questão, colegas
meus, que como tantos outros trabalhadores brasileiros, impulsionaram a
economia do Brasil com seu suor, perderam suas vidas, precocemente, por
depressão, doenças adquiridas ou deram cabo de suas vidas por total desespero,
ante ao massacre do aterrorizante gigante governamental.
Não saiu no jornal, mas é
real, eu chorei por companheiros que se jogaram de edifícios, deram tiro na
cabeça, mergulharam em profunda depressão, sem que nada os tirasse desse
quadro, definhando até a morte, fora os muitos ceifados por infartos fulminantes.
Apesar de ter sofrido um AVC,
por estresse, já que não tenho comorbidades que justifiquem, ainda estou aqui,
tenho raciocínio concatenado e voz para denunciar, mesmo que, solitariamente
gritando no deserto, a prisão mental, o abuso psicológico, a tortura diária,
com requintes de crueldade, que sofri e sofro, que atingiram não só a mim, mas
também a minha família.
Minha família original era de
baixa renda, éramos quatro, eu, meu irmão, meu padrasto e minha mãe.
Meu padrasto era enfermeiro e
cavalariço do Jóquei Clube.
Meu irmão bancário.
Eu comecei a trabalhar ainda criança.
Minha mãe lavadeira,
passadeira faxineira, trabalhava de domingo a domingo, dividíamos todas as
despesas, de aluguel, luz, alimentação, transporte, e remédios, quando
necessário. Assim, no início, o que me sobrava em mãos, mal dava para comprar
uma roupa nova, ou ter algum lazer que, como jovem, desejava, só praia de graça
e, vez ou por outra, um cineminha.
Nos primeiros tempos, para ter
uma graninha extra, pegava bicos nos fins de semana, faxina, lavagem de roupas,
manicure, para me dar ao luxo de comprar algo para mim.
Aos 14 anos, estudando em colégio público, mudei para o turno noturno para trabalhar durante o dia.
Fui ajudante de cabeleireira,
manicure em domicílio, vendedora em loja de roupas, recepcionista, auxiliar
administrativa, bancária em banco estatal e, numa empresa multinacional, fui
telefonista, teletipista até galgar o posto de secretária, o que era um cargo
de bom salário e cobiçado naquele contexto.
Por fim, bem jovem ainda, me
tornei comissária de bordo da Varig, que era rigorosa em sua seleção, muitos
tentavam uma vaga em vão, a não ser que tivessem algum conhecimento, o que não
era o meu caso, em absoluto.
A Varig era uma marca de
excelência mundial, nos treinava para que fôssemos únicos, era referência em
serviço de bordo, pontualidade, conforto, tratamento personalizado,
sofisticação e segurança.
Nessa empresa trabalhei por
mais de duas décadas, tive formação em seu curso de comissários, um plano de
carreira, cresci, ampliei minha visão de mundo, conheci muitos lugares e
culturas, estudei idiomas, aprendi muito sobre relações humanas, recebi
refinamento social com aulas de etiqueta e psicologia do passageiro, entre
outras matérias importantes numa situação de emergência, como sobrevivência na
selva e no mar, noções de obstetrícia para atender um parto a bordo e primeiros
socorros.
Nossa clientela abrangia todas
as classes, de anônimos a famosos, de pessoas simples a monarcas e líderes
políticos, tínhamos que estar prontos, para saber receber bem, cuidar,
proteger, salvar e sobreviver.
Fui escalando postos desde
auxiliar a cargos de chefia, primeiro na linha nacional e, depois, na linha
internacional.
Coloco todo esse preâmbulo
para humanizar meu depoimento que, certamente, será parecido com o de muitos
que sem background, sem pistolão nem qualquer favorecimento da sorte, na
loteria genética, foram abrindo espaço, com os próprios ombros na multidão, no
ensejo de uma mudança para melhor, em sua condição de vida.
O setor aéreo é bastante
vulnerável a fatores externos, como a oscilação no valor dos combustíveis e a
decisões políticas internas, devendo obediência total às cláusulas impostas no
contrato de concessão.
A Varig foi prejudicada,
diretamente, quando houve aumentos dos combustíveis devido a guerras das
décadas de 80 e 90, além disso, em dado momento, o governo resolveu congelar os
preços das passagens.
Engessada pelas tais cláusulas
contratuais da concessão, só restou a empresa cortar na própria carne, arcando
com o prejuízo, o que lhe causou um rombo.
Em 1992, foi movida uma ação
da empresa contra o governo, Ação de Defasagem Tarifária, ADT.
Essa ação processual foi ganha
em todas as instâncias e no STF (ou seja, não cabendo mais recursos), ação esta
que se posterga sem desfecho, está há anos em fase de execução, faltando apenas
o fechamento dos cálculos, que entra ano e sai ano, entra governo e sai
governo, e esses cálculos não são apresentados. Enquanto isso vamos morrendo
sem ver a cor do dinheiro.
Estamos falando aqui de um
valor inicial de 6 bilhões, com a correção e juros, depois de todos esses anos,
esse valor mais que dobrou.
Cito essa ação, mas existem
outras.
Temos uma ação encabeçada por
entidades de classe e pelo Sindicato dos Aeronautas, SNA, que é a ação civil
pública, ACP, essa foi apensada a uma ação da Transbrasil.
Explico:
A Varig criou um fundo de
previdência para garantir uma boa aposentadoria aos seus funcionários. Várias
empresas de aviação se uniram a esse fundo, as chamadas empresas
patrocinadoras.
Uma dessas empresas foi a
Transbrasil, que foi quem primeiramente abriu a ação contra a União.
Existe um órgão federal, em
outras palavras um representante do governo, com todos os poderes para
monitorar, auditar, intervir, e até liquidar, os fundos de previdência, caso
constatada qualquer irregularidade de gestão. De vez em quando esse órgão muda
de nome, mas é sempre o mesmo, o nome da vez é Previc.
A Ação Civil Pública, logrou
êxito e responsabilizou a União, pela dilapidação do nosso fundo de
previdência, Aerus, saqueado 21 vezes para tampar os buracos financeiros da
Varig, o que era vetado, sem que, a despeito de todos os avisos e cobranças, a
Previc tomasse qualquer atitude para impedir e salvaguardar nosso patrimônio.
No mínimo a União, através da Previc, foi conivente. Aliás, essa displicência
foi recorrente em outros fundos previdenciários, inclusive estatais, como
Funcef (Caixa), Postalis (Correios) e Petros (Petrobras), mera coincidência?!
Assim nasceu e se enraizou,
profundamente, o antipetismo, o Partido dos Trabalhadores, estava no poder
durante o período dos rombos previdenciários.
Imaginem que cada funcionário
vale por dez pessoas entre família e amigos que absorveram um sentimento de
verdadeiro ódio pelo PT que se espraiou. Tudo que ele defendia, adotando como
pilar central, na retórica, a proteção do direito dos trabalhadores, caiu por
terra. Essa bofetada nas nossas caras, acabou com toda a credibilidade na
esquerda, mais que isso, sedimentou uma verdadeira aversão, relação direta de
causa e efeito.
É difícil discorrer sobre o
tema em foco de maneira breve, sintética.
Tentando encurtar ao máximo,
quando a Varig faliu, imediatamente, a até então sumida União, através de seu
órgão federal, apareceu e colocou o Aerus sob liquidação e intervenção federal.
Ao que tudo indica, para impedir que nós, os funcionários, arrematássemos a
empresa em leilão.
Um adendo: chegamos a
arrematar a empresa associados a investidores, mas, sempre tem um, mas, o juiz
da vara empresarial que fora criada, exclusivamente, para um plano de
recuperação empresarial, estreando com o caso Varig, exigiu que para o negócio
ser fechado, fossem pagas dívidas com o INSS, os investidores recuaram e
perdemos, no entanto, essa mesma exigência não foi imputada a quem saiu
vitorioso. Constantino Jr., dono da Gol, levou pela bagatela de US$ 320 milhões
(660 milhões de reais, câmbio da época) comprou sem contrapartida, nomeou de
mentirinha de nova Varig, se apossou das linhas, dos slots, do patrimônio
físico, para depois desaparecer com a marca Varig da face da terra.
Tudo foi orquestrado.
O governo do PT, não faliu a
Varig, foi um somatório de circunstâncias adversas aliadas a erros de gestão e até
se diz por aí, roubos internos, porém, se a dívida ganha de 6 bilhões tivesse
sido paga, dava para nós comprarmos a Varig, sanear o Aerus a ainda sobrava
muita, mas muita grana.
O fato que não deixa dúvida é
que governo do PT nos ferrou.
Não nos pagou, não nos
recebeu, não permitiu que o BNDES nos liberasse um empréstimo, entrou com uma
intervenção federal no Aerus, para impedir que usássemos o que restava para o
leilão, e mesmo quando conseguimos sociedade com investidores para o arremate
do leilão, criou uma exigência para inviabilizar a conclusão do negócio.
Em 2000, por problema de
saúde, perdi meu certificado de habilitação física para funções aéreas, já era
aposentada pelo INSS desde 1996, pela proporcional, ato contínuo, passei a
receber meu benefício do Aerus.
Em 2006, com a intervenção
federal no Aerus, tivemos subtração nos valores dos nossos benefícios, o grupo
de funcionários que optaram pelo fundo desde sua fundação, plano 1, passaram a
receber apenas 8% do valor que recebiam até então. Os funcionários do grupo que
entrou para o fundo posteriormente, plano 2, como era o meu caso, tiveram
subtração de 60% no valor de seu benefício. A razão disso foi que como o plano
1 era mais numeroso com uma reserva maior, foi o mais roubado.
A partir de 2006, passei a
receber bem menos e sem saber até quando, sempre sob a ameaça de extinção
total.
Paralelamente, a Ação Civil
Pública das entidades de classe e do sindicato avançava e se iniciou um
movimento conjunto de pressão no congresso, entidades, sindicato, junto com os
funcionários. A sede do Aerus foi invadida por funcionários, alguns bem idosos,
que lá acamparam por vários dias, para chamar a atenção da justiça e dos
políticos.
Essa operação de pressão se
repetiu em Brasília, por mais de uma vez o grupo acampou por mais de 20 dias na
porta do salão verde da câmara dos deputados, pedindo solução.
Colegas se juntaram a um
funcionário que vinha fazendo greve de fome no saguão do Aeroporto Santos,
todos em greve de fome também.
Na sequência, um desembargador
expediu uma liminar que garantia o pagamento, a partir de então, dos benefícios
com valor integral, sem, contudo, contemplar o período em que recebemos valores
de 8% a 40%, essa diferença nunca foi paga.
Por fim ganhamos a ação civil
pública, responsabilizamos a União pelo rombo no Aerus.
Entrou o governo Bolsonaro,
que foi apoiado em peso pelos variguianos e pelo antipetismo alastrado e
enraizado no rancor dos trabalhadores traídos, seus familiares e amigos,
acrescido de outras nuances fomentadas pelo escândalo da Petrobrás, das
empreiteiras e dos doleiros, revelados na operação lava jato.
Para a nossa infeliz surpresa,
com três meses no poder, o novo governo, por intermédio de seu AGU ministro André
Mendonça, suspendeu, sem se informar, sem qualquer amparo jurídico, por veneta,
todo e qualquer pagamento aos assegurados do Aerus, imediatamente.
Ficamos sem receber a partir
do comunicado. Num espaço de poucos dias 9 colegas morreram de infarto.
O impacto foi brutal, foi um
corre corre desembalado, dos nossos advogados, entidades de classe,
associações, sindicato. Dias horríveis, muita tensão no ar.
Até que um advogado de uma de
nossas associações, fez uma manobra jurídica brilhante, derrotando e
desmontando os argumentos do AGU, que teve que voltar atrás e voltamos a
receber.
Mas pensa que acabou?
Não. O PT voltou!
Cá estamos nós de volta ao
ringue.
Como ganhamos a Ação Civil
Pública e temos a Ação de Defasagem Tarifária em fase de cálculos, a União, espontaneamente,
propôs um acordo.
Estamos falando de um governo
que defende os trabalhadores, que fala para os palcos do mundo, que defende o
fim da desigualdade social, a desigualdade de gênero onde mulheres no exercício
de mesma função têm que ganhar salários igual aos dos homens, lindos, lindos discursos!!!
Pois muito bem, o tal acordo
propõe que esqueçamos a Ação de Defasagem Tarifária, lembram? a dos 6 bilhões que com juros e correção, nem
sabemos quanto vale hoje, a Ação Civil Pública, as diferenças dos pagamentos
não integrais dos benefícios do Aerus, que nos foram suprimidos por longos 9
anos, e aceitemos receber nosso benefício por um período de 10 anos e fim.
Nem direita nem esquerda
garantem a dignidade do povo trabalhador nesse país.
Quem sabe eu mando essa
cartinha para a ONU, para ganhar visibilidade e terminar com essa pendenga
antiga, de uma vez por todas.
Texto: Rosangela Nunes,
Facebook, 1-12-2023
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