Aparecido Raimundo de Souza
ANTES DE CRUZAR as portas da matriz da igreja, findada a missa dominical, o garoto chegou para a menina, com um bilhetinho dobrado na mão esquerda e uma rosa vermelha escondida na outra que trazia cruzada atrás das costas. De perto, ela era, sem dúvida alguma, bem mais bonita e divinal, que vista às escondidas, de longe, com a ajuda do binóculo do pai. Rostinho de cinderela, pose de princesa, sem falar na maneira como se vestia: tão elegante e esbelta, como uma rainha dos contos infantis.
— Oi!
— Oi!
Na voz embargada, podia ser notada uma emoção indescritível. Havia um encantamento colossal e assombroso. Do sorriso emanava uma pureza bucólica que dava a impressão de se abrir em um leque de sonhos dourados e quimerados em direção a uma vida próspera e harmoniosa.
— Mandaram eu entregar estas coisas a você.
Trêmulo e indeciso, praticamente o guri jogou o bilhete que escrevera e mais vacilante ainda, atirou a rosa aos pés da criatura. Ela sorriu com um ligeiro toque de elegância, ao tempo em que as suas maçãs faciais ruborizavam. No instante em que a preciosa esticou as mãos para receber os objetos, ele sentiu uma vontade imensa de agarrá-la num abraço inesperado e beijá-la longamente, calmamente. Seria, para ele, a depois, um desejo absconso que guardaria no seu desejo eterno como um revérbero imorredouro. Todavia, um medo infantil, um tormento mesclado por mil fantasmas, não lhe deixou levar adiante o gesto pretendido. A jovenzinha, em voz maviosa, indagou “quem fora que mandara fazer aquela entrega,” mas o espavorido travesso andava longe. Corria, às carreiras, desembestadamente, feito um doidinho pelo meio dos carros estacionados, até o instante em que sumiu na esquina próxima. Temia levar um fora, um não, um chega pra lá, e, assim, ver as suas alucinações rolarem por água abaixo.
A menina, em casa, vinte minutos depois, se acomodou na rede estendida na varanda que se fazia adornada por um jardim imenso. A residência onde morava, frenteava (do outro lado da calçada), com um parquinho. Todas as manhãs e finais de tarde, crianças as mais variadas faixas de idade vinham gastar o tempo brincando com a vida aos regozijos dos balanços e gangorras, enquanto as mães e as babás tricoteavam em seus celulares. De repente ela olhou para um ponto fixo no equidistante, como se temesse a presença de alguém a observando. Na verdade, poderia ser (e, de fato, não outro), senão o tal menino que lhe fizera o lisonjeiro galanteio. Possivelmente o engraçadinho sapeca a estaria reverenciando. Se abriu inteira, numa fervura inquietante. Jurou, atrelada às suas emoções que não descansaria enquanto não descobrisse quem se atrevia a mandar recadinhos de amor a uma charmosa que mal saíra dos desabroches das fraldas. Sua mãe, por experiência própria, há muito sabia deste amor oculto. Nada dizia, só observava. E se enamorava dos seus tempos de juventude.
Entretanto, uma coisa se fazia incógnita. Ela desconhecia, ou pelo menos fingia ignorar que a sua encantadora mocinha, apesar da pouca idade, alimentava no peito um sentimento muito vivo e latejante que fazia um outro ser, possivelmente não muito distanciado dali, disparar e voar longe quando via a sua filhota por perto. A se ver, de fato, sozinha depois de se certificar que a mãe e o pai não a flagrariam, a donzela abriu cuidadosamente o bilhetinho mal escrito numa metade de folha de caderno:
“Você é o vento que meche nas folhas e balança as cortinas de seu quarto. Este sopro é o meu desespero batendo descompassado, querendo pular tresloucado de dentro do meu ser só para ficar escondido, quietinho, bem fundo, dentro da quentura que brota das entranhas de seu corpo. Saiba que te gosto muito. Assinado: seu admirador secreto.”
Logo abaixo, um coração desenhado e, ao lado, uma observação sublinhada com lápis de cor:
“A rosa que você está segurando agora é o símbolo do nosso futuro amor. Você será minha. Até lá, sinta o perfume dela e se embriague com o cheiro da paixão inimitável que sinto por você.”
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 1-12-2023
Anteriores:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-