sábado, 4 de fevereiro de 2012

Telhados de vidro

Havana, foto: Nav Amole
O regime de Cuba merece condenação implacável dos democratas de todo o mundo: a família Castro está encastelada no poder há mais de 50 anos, os cubanos não têm liberdade para se manifestar nem para sair do país, os direitos humanos são desrespeitados, os homossexuais são perseguidos e o povo se sente oprimido. Ainda assim, é compreensível que a presidente Dilma Rousseff tenha optado por não criticar seu anfitrião durante a visita que fez esta semana ao país caribenho. Por mais que tal atitude pudesse agradar a dissidentes e inimigos da ditadura caribenha, seria uma indelicadeza e uma gafe diplomática. Apenas os argumentos utilizados pela presidente para fugir da pressão é que merecem reparos: é verdade que todos têm telhados de vidro, inclusive o Brasil, mas nas democracias os desvios podem ser questionados. Nos regimes autoritários, não.
Guantánamo é realmente uma excrescência no coração da democracia ocidental. Embora tenha feito um evidente jogo para a torcida, ao lembrar em Havana que os Estados Unidos patrocinam uma prisão em que indivíduos permanecem detidos por mais de 10 anos sem qualquer julgamento, nisso a presidente brasileira foi coerente com sua própria biografia de ex-presa política. Aliás, as violações dos direitos humanos na base norte-americana são tão absurdas, que o próprio presidente Barack Obama assumiu o compromisso de fechá-la – o que ainda não cumpriu e, por isso, está sendo cobrado até mesmo pela Organização das Nações Unidas.
Mas Guantánamo não pode servir de argumento permanente para justificar outras arbitrariedades. Apesar da tênue abertura anunciada recentemente pelo presidente Raúl Castro, Cuba ainda representa o pior do socialismo de Estado, especialmente em decorrência da supressão das liberdades individuais dos habitantes da ilha. O partido único, a imprensa oficial e o controle do pensamento e da expressão deixam em segundo plano os avanços em saúde e educação conquistados pelo regime ditatorial da família Castro.

Evidentemente, não se pode querer que a presidente Dilma manifeste publicamente uma visão tão crítica sobre o governo cubano, até mesmo porque ela tem o direito de observá-lo com um olhar mais benevolente, mas é lícito esperar que o Brasil condicione suas relações comerciais e diplomáticas com o país caribenho a compromissos crescentes com a abertura democrática e com o respeito aos direitos humanos. Quanto a nós, se temos também um telhado de vidro, devemos mesmo evitar o lançamento irresponsável de pedras nos outros, mas é imprescindível que nos esforcemos para substituí-lo por uma cobertura mais eficiente – sem renunciar à abrangência e à transparência.
Texto: Opinião da RBS, Diário de Santa Maria, 02-02-2012

Comentário de Francisco Vianna
A atitude do Brasil com relação a Cuba é, sem dúvida, completamente desligada da vontade do povo brasileiro. O fato de Brasília se dispor a gastar na ilha comunista do caribe milhões de dólares na construção de um porto e em outros “investimentos” não se sustenta apena no potencial interesse da Petrobras em prospectar (e explorar) possíveis campos petrolíferos na ‘plataforma continental’ da ilha (se é que se pode dizer isso). Nada garante à estatal brasileira que tais investimentos na ilha-presídio dos Castros irão assegurar tais privilégios comerciais e industriais. Não há também como saber a opinião do povo cubano sobre isso, obviamente.
Além das motivações ideológicas dos que ocupam o poder atualmente no Brasil, quero crer que a motivação maior da Presidente Dilma, de ter ido visitar Havana, seja a que expus acima.
Mencionar Guantánamo foi apenas jogo de cena perante o brasileiro de conhecimento médio da geopolítica latinoamericana. Assim como foi educado e politicamente correto não criticar o regime cubano como visitante, também foi inadequado e grosseiro a presidente ter citado o assunto da base americana na ilha. Tal base naval existe desde 1903 sob regime de arrendamento, portanto desde muito antes dos irmãos Castro terem nascido. De qualquer modo, é assunto que não nos diz respeito e não serve para justificar a benevolência de Brasília com a ferrenha ditadura dos Castros.
Por que o governo cubano não denuncia e em seguida ocupa a base norteamericana na ilha? Afinal trata-se de solo cubano e não seria difícil conseguir apoio da ONU para tal, uma vez que o próprio Presidente Obama já se pronunciou disposto a fazer isso. Não seria sequer um desafio à soberania americana que, com essa base, desafia a soberania da ilha. Todavia, os dólares pagos pelos americanos para ocupar a área são decerto bem-vindos, não para o povo cubando, mas certamente para o bolso de seus ditadores.
O mundo livre espera que o governo brasileiro seja coerente no que diz respeito às suas relações com Cuba (para não dizer com a Venezuela também), e que condicione estritamente a ‘ajuda’ que pretenda dar à ilha-cárcere dos Castros, não apenas a aberturas políticas direcionadas a uma futura democracia e uma futura economia de mercado, mas também a uma consulta popular quanto ao fato deste auxílio estar carreando bilhões de reais do pagador de impostos brasileiro para o exterior, ao passo que nós aqui temos um investimento pífio em infraestrutura e estamos ameaçados de sequer termos condições de sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada por falta de investimentos necessários para tais eventos.
É preciso também não confundir conceitos: não existe ‘socialismo’ que não seja de estado. E a história recente nos conta que nenhum desses regimes suporta duas únicas exigências:
perestroika (reestruturação) e glasnost (transparência). Nem a ‘poderosa’ ex-União Soviética resistiu...
Um país deve ter o telhado de vidro para garantir a sua transparência, mas esse vidro tem que ser à prova de balas, foguetes, e pedradas...
Francisco Vianna, 04-02-2012

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