José Milhazes
Na polémica que envolve Rodrigues dos
Santos, mais importante do que discutir se o fascismo tem ou não por pai o
marxismo é analisar os resultados tenebrosos provocados pelo comunismo e o
nazismo.
Mais importante do que
discutir se o fascismo tem ou não por pai o marxismo é analisar o modus
operandi e os resultados tenebrosos provocados pelo comunismo e o nazismo, dois
cancros que marcaram o século XX e não foram totalmente neutralizados.
Tanto o comunismo como o
nazismo tiveram características comuns. Por exemplo, logo que chegaram ao poder
puseram fim aos mais elementares direitos do cidadão e impuseram ditaduras
cruéis. Depois do golpe de Estado de 1917, os bolcheviques russos permitiram a
realização de eleições para a Assembleia Constituinte, mas, como não tiveram a
maioria, simplesmente dissolveram-na ainda a meio da primeira sessão. A
explicação política foi que a maioria não apoiou os decretos aprovados pelo
governo bolchevique saído de um golpe. A formal é um tanto ou quanto caricata:
o marinheiro Anatoli Jelezniakov disse simplesmente ao presidente da
assembleia: “Recebi instruções para levar ao seu conhecimento que todos os
presentes devem abandonar a sala de sessões porque a guarda está cansada”.
Poucos dias depois, o mesmo Jelezniakov afirmava no III Congresso dos Sovietes
da Rússia: “Estamos prontos a fuzilar não unidades, mas dezenas, centenas e
milhares, ou até milhões, se for necessário”. E, como iríamos ver mais tarde,
assim aconteceu.
Hitler até chegou ao poder por
via eleitoral, ao contrário dos bolcheviques, mas o resultado foi semelhante:
deixou simplesmente de haver eleições no verdadeiro sentido do termo e, tal
como na Rússia soviética, a máquina da repressão começou a funcionar sem parar.
Bertold Brecht, intectual
comunista e anti-fascista alemão, escreveu referindo-se ao seu país sob o
domínio nazi:
“Primeiro
levaram os negros
Mas não me
importei com isso
Eu não era negro
Em seguida
levaram alguns operários
Mas não me
importei com isso
Eu também não
era operário
Depois prenderam
os miseráveis
Mas não me
importei com isso
Porque eu não
sou miserável
Depois agarraram
uns desempregados
Mas como tenho
meu emprego
Também não me
importei
Agora estão me
levando
Mas já é tarde.
Como eu não me
importei com ninguém
Ninguém se
importa comigo”
Mas este poema pode reflectir
a situação nos países comunistas se no lugar dos negros, operários, etc. se
escrever capitalistas, sacerdotes, monárquicos, republicanos, anarquistas,
socialistas de direita, socialistas de esquerda, trotskistas, revisionistas,
nacionalistas, sionistas, etc., etc..
Haverá uma justificação para
as duas matanças? Será que matar pessoas pela cor, a raça e a crença é mais
aceitável do que matá-las por serem burgueses, camponeses ricos (depois os
pobres também não escaparam) e, em geral, “inimigos do povo” (definição onde
podiam caber não só classes sociais, mas povos inteiros), etc.
O Dr. Pacheco Pereira,
historiador por quem tenho grande estima, escreveu no Público: “Mas perguntem a
um comunista francês fuzilado pelos alemães, ou a um fascista francês fuzilado
pelos gaullistas, se são ‘duas faces da mesma moeda’? Presumo que com a fúria
da resposta do morto, o pelotão de fuzilamento mudará de direcção”, mas os
pelotões de fuzilamento foram mais do que muitos e as direcções muito mais
variadas. Aliás, de fascistas e comunistas não se pode receber outra resposta,
principalmente se eles estiverem no poder, ou o Dr. Pacheco Pereira desconhece
o que lhe aconteceria se vivesse numa sociedade comunista ou fascista?
Os campos de concentração
foram também empregues pelos dois regimes, não só para neutralizar os seus
inimigos mas igualmente para explorarem mão de obra grátis. Com todo o respeito
e admiração por aqueles que morreram às mãos de regimes comunistas e nazis,
coloco uma questão: será que os métodos dos campos de concentração soviéticos,
incluindo as formas de extermínio, eram “mais suaves” ou “humanas” do que nos
campos de concentração alemães? Confrontem as memórias dos prisioneiros que
passaram por eles, leiam, por exemplo, os Contos de Kolimá, de Varlam Chalamov,
ou a Ilha dos Canibais, de Nicolas Werth…
Aliás, a fim de limpar a
imagem de Vladimir Lenine, muitos continuam a atirar para cima do ditador
Estaline a iniciativa da construção dos campos de concentração, mas os factos históricos
mostram que ele foi o primeiro que teve essa ideia e iniciativa, mais
precisamente em 1921. O estalinismo não nasceu do nada, teve raízes no
leninismo. E se o lugar de Estaline fosse ocupado por Trotski, duvido que as
coisas tivessem corrido de forma mais humana. Basta ler com atenção os “feitos
heróicos” de Trotski durante o golpe de Estado de 1917 e a guerra civil russa.
No caso da Alemanha, não sei se iria acontecer alguma coisa diferente se Hitler
não tivesse mandado liquidar Gregor Strasser na “Noite das Facas Longas” e este
último chegasse ao poder, mas penso que não.
Mais paralelos poderão ser
feitos entre os dois regimes, mas, agora, é mais importante reflectir sobre o
que levou a Europa a enveredar por caminhos tão monstruosos. A meu entender, o
comunismo e o nazismo só chegaram ao poder porque o capitalismo não soube dar
resposta civilizada aos graves problemas económicos, sociais e políticos que se
colocaram nos finais do séc. XIX e início do séc. XX.
Hoje, encontramo-nos perante o
mesmo problema, mas com uma diferença importante. Nem a esquerda, nem a direita
(utilizando, à falta de melhor, uma terminologia política obsoleta) conseguem
apresentar ideias novas para a solução dos problemas mundiais. Ouve-se
propostas no sentido de se repetir experiências, “porque desta vez irão dar
certo”, mas recomendo aos “recauchutadores” do comunismo ou do fascismo a
fazerem isso num país do qual não tenham nem pena, nem piedade, que não seja o
nosso.
Aos restantes políticos,
recomendo que prestem mais atenção às necessidades da sociedade do que às suas
carreiras, que dêem mais ouvidos à sociedade civil e menos aos aparelhos
partidários, que se debrucem sobre a solução dos problemas reais e não se
distraiam com “cartões de cidadão”, “almas de periquitos”, etc. Caso contrário,
a história pode repetir-se…
Título e Texto: José Milhazes, Observador,
6-6-2016
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