Jordan B. Peterson
Quando as coisas quebram, tudo
aquilo que foi ignorado emerge. Quando não são mais especificadas com precisão,
as paredes ruem e o caos se faz presente.
Quando agimos de forma imprudente
e deixamos que as coisas degringolem, tudo aquilo que nos recusamos a prestar
atenção se acumula, adota a forma de uma serpente e ataca – geralmente no pior
momento possível. É então que podemos ver do que a intenção focada, a precisão
de meta e a atenção cuidadosa nos protegem.
Imagine uma esposa leal e
honesta que de repente se vê confrontada com evidências da infidelidade do
marido. Ela vive com ele há anos. Ela o via como presumiu que ele fosse: fiel,
trabalhador, amoroso e confiável. Ela se apoia em seu casamento como em uma
rocha, ou pelo menos é no que acredita.
Mas ele se torna menos
atencioso e mais distraído. Ele começa, como dita o clichê, a trabalhar até
mais tarde. Pequenas coisas que ela diz o irritam sem justificativa.
Um dia ela o vê em um café no
centro da cidade com outra mulher, interagindo de uma maneira difícil de
racionalizar e ignorar. As limitações e imprecisões de suas percepções
anteriores se tornam imediata e dolorosamente óbvias.
Sua teoria sobre seu marido
desmorona. O que acontece em seguida? Primeiro, algo – alguém – emerge em seu
lugar: um estranho assustador e complexo. Isso por si só já é ruim o bastante.
Mas é apenas metade do problema. Sua teoria sobre si mesma também desmorona,
como resultado da traição, então o problema é que não há apenas um estranho:
são dois.
Seu marido não é quem ela
imaginava – mas ela também não, agora é a esposa traída. Ela não é mais a
“esposa segura e bem-amada e a parceira valorosa”. Estranhamente, apesar de
nossas crenças na permanente imutabilidade do passado, ela pode jamais ter
sido.
O passado não é
necessariamente o que era, mesmo que já tenha acontecido. O presente é caótico
e indeterminado. O chão continuamente se move sob os pés dela, e sob os nossos.
Igualmente, o futuro, que
ainda não chegou, passa a ser o que não deveria. Será que a esposa até então
razoavelmente satisfeita passa a ser agora uma “inocente enganada” – ou uma
“tola ingênua”? Ela deveria se ver como uma vítima ou como coautora de uma
ilusão compartilhada? Seu marido é... o quê?
Um amante insatisfeito? Uma
vítima de sedução? Um mentiroso psicopata? O Diabo em pessoa? Como ele pode ser
tão cruel? Como alguém é capaz? Que casa é essa na qual ela tem vivido? Como
pode ser tão ingênua? Como qualquer um pode ser?
Ela se olha no espelho. Quem é
ela? O que está acontecendo? Algum relacionamento dela é real? Algum já foi um
dia? O que aconteceu com o futuro? Tudo ainda está por se definir quando as
realidades mais profundas do mundo inesperadamente se manifestam.
Tudo está entrelaçado além do
que se pode imaginar. Tudo é afetado por todo o resto. Percebemos uma porção
muito estreita de uma rede casualmente interconectada, embora lutemos com todas
as nossas forças para evitar sermos confrontados pelo conhecimento dessa
limitação.
No entanto, o fino verniz da
suficiência perceptiva racha quando algo fundamental dá errado. A terrível
inadequação de nossos sentidos se revela. Tudo que prezamos vira pó. Ficamos
paralisados. Viramos pedra. O que vemos então? Para onde podemos olhar quando o
que vemos é exatamente o que tem sido insuficiente?
Título e Texto: Jordan B.
Peterson, in “12 regras para a vida – um antídoto para o caos”, páginas
276, 277 e 278. Alta Books Editora, Rio de Janeiro, 2018.
Digitação: JP, setembro
de 2919
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