terça-feira, 14 de janeiro de 2020

A impostura continua intacta

Péricles Capanema

O “Estado de S. Paulo”, reportagem assinada por Fernanda Guimarães, noticiou com destaque em 6 de janeiro “Gigante chinesa XCMG abre banco no Brasil”. (A notícia de forma resumida voltou no dia seguinte). Colocou ainda no lead, enfatizando a importância do fato “esse é o primeiro banco do grupo XCMG em todo o mundo — nem mesmo na China o grupo possui uma instituição financeira”.


A informação minuciosa explica ainda que a XCMG (Xuzhou Construction Machinery Group) é um gigante de construção de máquinas para a engenharia civil. De fato, vendeu em torno de R$100 bilhões em 2019, verifiquei. Pelo volume anual, cerca de R$100 bilhões, fica claro, é um mastodonte econômico e terá condições de expandir rapidamente o banco que acaba de inaugurar no Brasil.

Wang Min, presidente da XCMG declarou em São Paulo que o objetivo de abrir um banco no Brasil é em especial ajudar as relações econômicas com a China e facilitar a aplicação de capitais chineses no Brasil. A XCMG, que já é proprietária de fábrica de máquinas no sul de Minas, capacidade de 7 mil máquinas anuais, entre as quais caminhões-guindaste, motoniveladoras, escavadeiras.

Roberto Carlos Pontes, contratado para vice-presidente do banco, declarou na mesma entrevista que o novo banco irá procurar clientes e revendedores da XCMG no Brasil. Também irá atrás de empresas chinesas que operam no Brasil e as que aqui irão se instalar.

Observou: “Por conta do ciclo econômico no País e o programa de concessões e privatizações, novos entrantes chineses devem chegar ao Brasil”. Fica a nota, vão colocar foco especial no programa de concessões (que tem muito de privatização) e no programa de privatizações.

Sobre a atuação do novo banco chinês, Davi Wu, sócio-diretor da prática Chinesa da KPMG no Brasil, crê que o ciclo dos investimentos chineses no Brasil deverá continuar intenso, por volta de R$1 trilhão nos próximos 20 anos.

A reportagem nota que o banco da XCMG não é o primeiro banco chinês no Brasil. O China Construction Bank (CCB) em 2013 comprou o controle do então BicBanco. E em 2015 o Bank of Communications comprou 80% do BBM S.A.

Agora, complementarei com informações que não constam da reportagem (nenhuma alusão, espantoso) e nem do que vem sendo noticiado e pude compulsar. A XCMG é estatal chinesa. O banco a ser aberto no Brasil será um banco estatal chinês. O China Construction Bank, o segundo banco citado é estatal chinesa. O Bank of Communications é estatal chinesa. Provavelmente o dinheiro aplicado aqui por meio de tais instituições financeiras em programas de concessões e privatização será de propriedade de estatais chinesas. Vou repetir o óbvio: uma estatal chinesa é dirigida pelo governo. O governo é dirigido pelo Partido Comunista Chinês. E vou repetir também, o que para muitos ainda não é óbvio: no Brasil é virtualmente proibido informar o óbvio a respeito. A casa cai.

Volto-me agora para a Constituição Federal. O artigo 170 (consta do Título VII e trata dos princípios gerais da ordem econômica) enumera como primeiro deles a soberania nacional. Não ameaça a soberania nacional pelo menos potencialmente que um naco grande da economia brasileira seja de propriedade e dirigido por um governo estrangeiro imperialista e ditatorial? Não nos encheram os ouvidos com os tais setores estratégicos? Falamos aqui em especial de infraestrutura e área financeira. Deixaram de valer? Era pura balela de desocupados meio abitolados, que é preciso agora fingir que nunca foram divulgados como grandes achados?

Vou para o artigo 171: “A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro”. Está conforme o interesse nacional que boa parte do capital estrangeiro aqui aplicado (somas gigantescas) seja de governos estrangeiros imperialistas e ditatoriais? Dirigido por potência estrangeira suas ações favorecerão a ela ou ao interesse do Brasil? Ficou proibido tocar no tema e pedir que seja debatido?

Pulo para o artigo 173: “A exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. O artigo, em Constituição estatizante, reflete a doutrina de que, via de regra, o Estado, no âmbito econômico, deve se limitar a papel regulador e suplementar. Vamos tratar de sua função suplementar: o Estado só pode agir diretamente no âmbito econômico por razões de segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Se vale para o Estado brasileiro, com maior razão, vale para Estado estrangeiro. Quais as razões de segurança nacional para o Estado chinês aplicar tanto dinheiro no Brasil, tornando-se dono de parte da economia? Qual o interesse coletivo relevante que justifica o controle pelo Estado chinês, mediante compra e vencimento de concorrências (investimentos maciços), de parte da infraestrutura e, no caso, da área financeira? Obrigações de reciprocidade e isonomia? Haveria no caso paralelismo efetivo?

Sei, levantei questões pela rama, não as estou solucionando. A resolução demandaria rios de tinta. Mas o mero fato de levantá-las, passo inicial da caminhada, já aponta para começo de solução. E as suscitei porque creio, ou estou muito errado ou estamos diante de graves ofensas à Constituição.

Sei, ninguém tratou delas antes (pelo menos não vi). Sempre tem a primeira vez. Convido então os constitucionalistas: estudem por inteiro a questão, reflitam, discutam. É depois, para esclarecimento da opinião pública, o caso é delicado, opinem com prudência e doigté (habilidade), que sejam palavras embebidas do senso agudo dos interesses brasileiros. Quem sabe, avanço, caberia aqui uma como que, por analogia, modulação de efeitos nas soluções aventadas.

Só peço uma coisa: objetividade, nunca esbofetear a lei maior. E já aviso, a patrulha sairá dos gonzos, já que é tema proibido. Vai atacar furiosamente. Em resumo, continua intacta a impostura. Em espantoso retrocesso, o garrote vil afoga na garganta, mesmo dos mais lúcidos e informados, as palavras de previsão e alarme.
Título, Imagem e Texto: Péricles Capanema, ABIM, 14-1-2020

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