A exceção tornou-se a regra. Nem Marx, nem
luta de classes, nem estado social: o estado de exceção permite tudo e o seu
contrário. Sempre em nome do cumprimento das regras. E do socialismo, claro.
Helena Matos
Jornalismo por medida. Assim
que o PS chega ao poder uma espécie de regra não escrita passa a vigorar: a um
governante socialista em Portugal não se fazem perguntas sobre o que fez, mas
sim sobre o quer ou queria fazer. Não cumprir essa regra é a forma mais
rápida de alguém passar de bestial a besta em Portugal.
Esse alguém é agora Rodrigo
Guedes de Carvalho, por causa da entrevista a Marta Temido, como já foram José
Rodrigues dos Santos, porque em Maio de 2016, em plena época do milagre da
geringonça, apresentou números sobre a crescente dívida portuguesa, Vítor
Gonçalves, porque perguntou a José Sócrates de que vivia, Felícia Cabrita,
porque revelou o escândalo Casa Pia.
Um socialista português é
aquela pessoa que não vê qualquer contradição entre elogiar a coragem do
jornalismo norte-americano no caso Watergate, ou “com o Trump” sobretudo “com o
Trump”, e vaiar a jornalista portuguesa que na noite das eleições em 2011 perguntou a José Sócrates se temia que a sua saída da política abrisse ou acelerasse o caminho a novos processos judiciais.
Uma coisa não é o que é nem o
que sempre foi. E por isso uma manifestação não é uma manifestação, um festival
não é um festival e uma venda de bifanas não é uma venda de bifanas. Não
vem dinheiro suficiente da Europa para escamotear que a dívida do Estado
português canibalizou os recursos que agora precisamos?
Se necessário, em Setembro, o
PCP faz “a festa” que não é “a festa” mas sim atividade política com uma
componente de festival que não é festival e de venda de bifanas que afinal não
é venda de pedaços de carne de porco acompanhado por um suculento molho mas sim
um momento cármico de comunicação com as forças do cosmos… Festa, festival e
bifanas, com o devido distanciamento social, levarão a uma espécie de
missa-vudu contra os maus espíritos daqueles países que recusam colocar os seus
contribuintes como patrocinadores vitalícios dos socialismo de Estado praticado
em Portugal.
Capítulo seguinte, o PCP
apresenta a conta: mais uns acordos coletivos, mais umas portarias de extensão…
(sobre o funcionamento de tudo isto escreveu Rui Ramos um artigo que se recomenda) e António Costa pronunciará uma
daquelas frases que inicia com um “não me passa pela cabeça…” e acabam com o PS
incensado como partido charneira do regime entre um PCP dinossáurico e o perigo
da escalada da direita. Em conclusão: desde a invenção do rolo de cozinha que o
PS português não conhecia algo tão útil quanto o estatuto excepcional do PCP em
2020.
A exceção pode ser
racismo ou inclusão. Tudo depende de quem a propõe. André Ventura defendeu
um programa de confinamento especial para a “comunidade cigana”. Ou seja, um tratamento
excepcional. Racismo – gritaram os ativistas e depois toda a pátria, não
se desse o caso de acabarem expatriados aqueles que não gritassem “racismo!”
com suficiente convicção. A proposta de um tratamento excepcional feita pelo
líder demissionário do Chega é tão despropositada e se quisermos racista quanto
todas as outras propostas apoiadas e incensadas como tolerantes, progressistas
e, pasme-se, inclusivas que tratam alguns portugueses não como os cidadãos que efetivamente
são mas sim como um grupo ou comunidade, como agora se deve dizer. O absurdo
das excepções que em nome da proteção às comunidades se aprovam e legitimam não
tem explicação: tanto se tolera o casamento de meninas como se concedem bolsas de
investigação específicas para mulheres. Tanto se condena o racismo como se
aceita que certas comunidades se odeiem entre si…
PS. Qual o termo que se
deve utilizar para classificar a proposta feita pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, de um confinamento especial para os velhos?
A excepção que rapidamente se
torna regra. A Comissão da Carteira de Jornalista recusou o título
profissional a António Abreu, responsável pelo site Notícias Viriato considerando
que não existe nele “atividade jornalística”. Não vou discutir a atividade
jornalística do site em questão pois pela mesma ordem de raciocínio a Comissão
da Carteira de Jornalista também retirará a carteira a quem trabalha em meios afetos
a clubes desportivos. Ou a partidos. Isto para não irmos mais longe nem a casos
bem mais complicados. Queremos mesmo isso? Ou estamos diante de uma comissão
ideologicamente à medida?
A questão está longe de se
circunscrever ao caso concreto de António Abreu pois o argumentário agora usado
para não atribuir a carteira profissional ao responsável pelo site Notícias
Viriato abre um precedente perigoso: invocando que o jornal, site,
rádio… em questão está “na lista de vigilância” de um observatório qualquer (no
caso foi o Medialab do ISCTE mas há muitos mais disponíveis) não se atribui
carteira profissional a quem neles trabalha. Começa-se invariavelmente por uma
publicação mais ou menos marginal que é fácil anatemizar. Chegar às outras é
apenas uma questão de tempo.
Um mundo verdadeiramente
excepcional. O mundo tornou-se ele mesmo um lugar de excepção no
verdadeiro sentido do termo. Assim a UE que se propõe liderar o combate mundial ao Covid aceitou que a China censurasse a carta dos embaixadores
europeus em Pequim, retirando a referência à origem da covid-19 que constava no
texto original. Almas mal intencionadas dirão que não há nada de excecional
nisto pois a UE acumula uma série de anúncios sobre combates mundiais que vai
liderar e que nem sequer travou no verdadeiro sentido do termo. Contudo e mesmo
vivendo em estado de exceção uma pessoa ainda se surpreende. Por exemplo, ao
ler “OMS desaconselha o encerramento de mercados como o de Wuhan,”
quantos de nós acreditaram estar lá escrito aconselha e não desaconselha?
Enquanto se aguarda que a OMS
indique os mercados fora da China onde começaram epidemias que depois
alastraram ao mundo, temos tempo para tentar perceber o excepcional
silêncio em torno do caso belga: com 740 mortos por milhão de residentes, a Bélgica é uma excepção quer nos
péssimos resultados, quer na indiferença com que estes são recebidos. Nos
poucos artigos dedicados ao assunto aceitam-se como boas e suficientes as
explicações das autoridades belgas sobre a sua forma mais rigorosa de contar os
mortos. Ora essa explicação seria válida se estivéssemos a falar de números
próximos dos outros países, o que está longe de ser verdade: a Espanha tem 566
mortos por milhão de residentes e a Itália 503. No país-centro da UE está a
acontecer o quê? Que pessoas são estas que estão a morrer? Há ou não uma
relação entre estes números e a banalização da eutanásia tal como ela aconteceu
na Bélgica? O que diz sobre nós o excepcional silêncio sobre a Bélgica?
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
10-5-2020, 6h58
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