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Ilustração: Assinatura |
Merval Pereira
O agora ex-ministro do
Trabalho Carlos Lupi deixou um bilhete justificando seu pedido
"irrevogável" de demissão transferindo suas culpas para um suposto
"ódio das forças mais reacionárias e conservadoras deste país contra o
Trabalhismo", assim mesmo, com letra maiúscula.
É um bilhete de despedida e ao
mesmo tempo uma tentativa de se transformar em mártir, perseguido pela mídia e
pelo Conselho de Ética da Presidência.
A mídia já é alvo de um grupo
petista que não esquece a tentativa de controlar as informações, vontade que
aumenta a cada vez que uma denúncia contra o governo se mostra tão verdadeira
que obriga à demissão de ministros.
Já o Conselho de Ética teria
que ser desfeito caso Lupi permanecesse no cargo, o que não seria nada bom para
o governo.
Lupi garante sair, depois de
tentar sobreviver politicamente a sucessivos escândalos, "com a
consciência tranquila do dever cumprido, da minha honestidade pessoal e
confiante por acreditar que a verdade sempre vence".
Conversando com o professor de
Filosofia Política e Ética da USP Renato Janine Ribeiro, que está aqui na
Tunísia participando da Conferência da Academia da Latinidade sobre os novos
imaginários da democracia suscitados pela Primavera Árabe, concordamos com a
conclusão geral de que a impunidade é a razão da repetição dos erros, e que não
é possível Lupi não ser julgado, assim como acontece a seus antecessores de
degola.
No Brasil atual, há uma regra
não escrita semelhante à do Comitê Olímpico Internacional (COI), do qual outro
brasileiro ilustre, João Havelange, pediu demissão para não ser julgado por uma
acusação de corrupção.
Lá em Genebra, sede do COI, há
uma regra, não sei se escrita, de que se arquivam as denúncias em caso de
demissão do acusado.
Parece que na poderosa Fifa,
onde Havelange começou sua vitoriosa carreira de cartola internacional, a
prática é a mesma. Mas essas são instituições privadas, que podem fazer suas
próprias regras.
No plano político, há o
exemplo dos Estados Unidos, onde as punições são rigorosas contra a corrupção -
há casos diversos de banqueiros, governadores, empresários, políticos de
maneira geral presos sem perdão -, mas as questões morais podem ser também
letais para carreiras políticas.
Hoje mesmo temos exemplos de
vários candidatos a candidato à Presidência dos republicanos que saíram da
disputa por questões morais, como acusações de assédio sexual.
E a mentira de um político,
descoberta, é geralmente fatal para suas pretensões.
Anuncia-se que a presidente
Dilma deixará no cargo o secretário-executivo Paulo Roberto Pinto, que também é
do PDT e teve participação ativa na tentativa de acobertar a viagem de Lupi no
King Air "providenciado" por Adair Meira, presidente de ONGs com
contratos milionários com o ministério.
Pinto tentou convencer o
ex-secretário de Políticas Públicas de Emprego Ezequiel Nascimento a não
confirmar as denúncias, mas não teve sucesso.
Pelo visto, Pinto não faz
parte dos secretários-executivos de ministérios com quem a presidente Dilma
prefere despachar em lugar dos ministros, nessa estranha maneira de governar
que vem sendo aprofundada no governo Dilma.
Se não é possível deixar de
entregar um ministério a um determinado partido, e se nem mesmo é possível à
presidente escolher no partido o nome de sua preferência, ela resolve nomear um
secretário-executivo de sua escolha e despacha com ele.
O ministro, por sua vez, fica
mais devedor da bancada que o escolheu do que compromissado com a presidente, e
acontece o que vem acontecendo com frequência assustadora neste primeiro ano de
governo.
Os ministérios são usados como
fontes para o financiamento das campanhas eleitorais do partido e para troca de
favores do ministro com seus pares, que quando são revelados pela imprensa
tornam inviável a permanência do ministro no cargo.
Pinto ficará no cargo até a
reforma ministerial de janeiro, decisão que tem duas consequências em si mesmas
boas: indica que a presidente pode adotar uma fusão de ministérios, juntando o
Trabalho à Previdência, como sugerem estudos; e também que o brizolismo de
Dilma não é suficiente para manter o Trabalho com o PDT.
O ex-ministro Lupi, se
escapasse das acusações de corrupção, não escaparia das punições morais por ter
mentido à presidente da República e, mais grave, ao Congresso Nacional.
Renato Janine sugere que se
adote uma ideia do filósofo Jean-Jacques Rousseau, que em 1772 escreveu
"Considerações sobre o governo da Polônia", a pedido do conde
Wielhorski, que lhe solicitara "um plano regrado de reconstrução"
para o país.
Naquele momento, qualquer
integrante do Sejm (o parlamento) podia paralisar uma iniciativa do Executivo
com o seu veto, e Rousseau, para mostrar o absurdo da situação, sugeriu uma
medida drástica. Já que não era possível acabar com o poder de veto, que se
tomasse uma decisão: o autor do veto teria um julgamento sobre sua decisão.
Ou, caso comprovasse sua
inocência, tornaria-se um herói nacional, merecedor de todas as honras por ter
evitado uma medida catastrófica para o país, e os acusadores teriam que
responder pelas calúnias; ou seria condenado à morte por seu veto, que impôs ao
país um retrocesso.
Ao final, a prerrogativa do
veto foi extinta, para acabar com a anarquia institucional e dar condições de
governança ao reino.
Assim também os acusados de
corrupção no Brasil teriam direito - ou a obrigação - de ver seus processos
concluídos, para serem mostrados à população como vítimas de perseguição, como
se dizem sem exceção os seis ministros demitidos por suspeita de
irregularidades, ou serem condenados às penas da lei se comprovadas as
acusações.
Texto: Merval Pereira, O Globo, 06-12-2011
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