António Ribeiro Ferreira
A Europa precisa de uma boa
barrela. Da cabeça aos pés. Só depois pode comer
Os meninos são uns porcos.
Fogem da água como o diabo da cruz. O cheiro já é insuportável. A mãe desespera
para os pôr na ordem. Os castigos físicos, bofetadas, reguadas, açoites bem
dados não resolvem nada. Os meninos já se habituaram a levar pancada e quem
fica esgotada é a pobre mãe. Os meninos, porcos e desmazelados, gostam imenso
de disfarçar o mau cheiro com umas gotas do perfume da mãe. A mistela entre a
porcaria e o perfume é nauseabunda. A casa cheira mal, os quartos dos
energúmenos são uma esterqueira. Um dia, desesperada, a mãe usou o último
argumento. Se não tomarem banho a sério, com sabão azul e branco e uma escova
para remover o sarro acumulado em todo o corpo, não comem. Ponto. Todos os
dias, antes de se sentarem para jantar, os meninos têm de tomar banho. Mas como
são malandros e preguiçosos, a mãe impôs uma inspecção minuciosa às orelhas,
costas, unhas das mãos e dos pés e cabelos. Os meninos protestam, fartam-se de
gritar, dizem que a sua liberdade, privacidade e independência estão a ser postas
em causa e acusam a mãe de actuar de forma desumana e contra todos os direitos
– esqueceram-se dos deveres – das criancinhas. Mas a verdade é que, com mais
ou menos berratas, protestos e caras-de-pau na hora da comidinha, os meninos
porcos e preguiçosos passaram a sentar-se à mesa bem lavadinhos para saborear
os petiscos preparados pela mãezinha que os atura. A Europa, a dos vinte e sete
países e também a que usa a moeda única, está na mesma. Desleixaram-se,
gastaram à tripa-forra, andaram a fingir que eram ricos e foram acumulando lixo
atrás de lixo nas contas públicas e nas dívidas públicas. Reformas, nem pensar.
Austeridade, só para os outros. Os direitos adquiridos estão acima de tudo, até
de haver dinheiro para os pagar. Quando as coisas apertaram, o dinheiro
escasseou e se tornou muito caro, desataram aos gritos, a berrar por tudo e por
nada, sempre com imensas soluções milagrosas nas algibeiras. Vociferam contra
os pacotes de austeridade, dizem que matam a economia que foi morta e bem morta
com os sucessivos aumentos de impostos lançados contra as famílias e as
empresas para satisfazer as despesas públicas incontroláveis, e exigem, com voz
grossa, que a mãe Alemanha lhes dê comida sem tomarem banho. A solução para
esta brutal crise das dívidas soberanas aparece límpida e muito simples.
Criam-se as eurobonds, onde entra todo o material tóxico acumulado ao longo
destes anos, espera-se que os mercados e as agências de rating acreditem nessa
peta, e depois põe-se o Banco Central Europeu a imprimir notas e notas para
gáudio de todos os preguiçosos. Com eurobonds no mercado e muitos euros nos
bolsos, a Europa voltaria a sorrir, a economia dispararia, o desemprego
baixaria para níveis insignificantes e a história desta tragédia teria
certamente um final muito feliz e democrático. Acontece que, para bem dos
nossos pecados, a Europa tem uma mãe que não vai nas cantigas das cigarras.
Antes do pão na mesa é preciso uma boa barrela. Devidamente fiscalizada por
causa dos malandros e dos manhosos.
Título e Texto: António
Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 30-11-2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-