quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Não há reformas que resistam ao sistema

A Constituição, a justiça e a concertação social vão liquidar de vez este pobre país
Foto: Leandro AC
António Ribeiro Ferreira
Cortar salários, congelar promoções, apagar subsídios do mapa, aumentar impostos, mandar o fisco ir atrás dos cidadãos e empresas para sacar o máximo de dinheiro possível, tudo isso tem os seus custos políticos. económicos e sociais, mas consegue fazer-se com uma maioria segura no parlamento e alguma paciência para ouvir os discursos da oposição e assistir aos protestos nas ruas. Resolvido esse assunto, resta o mais difícil. Reformar. Este verbo mil e uma vezes usado em 37 anos de democracia tem, obviamente, as costas muito largas e serve sempre como álibi para os conservadores que odeiam as mudanças e os que imaginam que é a palavra mágica para abrir as portas do poder. As reformas estruturais em Portugal têm barbas. Já estão na terceira idade, com os pés para a cova, e continuam a ser invocadas a torto e a direito e, normalmente, em vão. Acabam sempre por não sair da barriga das mães ou, quando vêem a luz do dia, são verdadeiros abortos que mais vale matar à nascença. Antes de aterrar na Portela, em Maio, para discutir o Memorando com os partidos do chamado arco do poder, a troika devia ter pedido a um explicador competente que lhe contasse a história das muitas reformas estruturais prometidas e nunca concretizadas. A começar pela grande reforma do Estado. Não vale a pena repetir aqui e agora os vários nomes que lhe deram diversos governos. Sempre siglas confusas, estranhas mesmo, elaboradas no habitual estilo labiríntico que nem os autores conseguem perceber na totalidade.

Centenas de páginas analisadas à lupa por especialistas de diversas áreas que acabam invariavelmente no caixote do lixo. Agora está em curso mais uma que deverá rapidamente ir fazer companhia às suas manas defuntas. Depois vem a do trabalho. Tem vários pais, já teve diversas versões e continua a dar água pela barba a quem se atreve tocar-lhe. Como se vê pelo triste espectáculo dado por esse extraordinário órgão chamado qualquer coisa da concertação social, os personagens são actores velhos e gastos, com o mesmo discurso há anos a fio, e que só lá estão para justificar uns subsídios dados pelo sempre generoso Estado. Adoram mostrar que são úteis à nação, gastam horas infindas a discutir o sexo dos anjos e os prognósticos sobre os resultados podem perfeitamente fazer-se no início do jogo sem medo de errar. É um órgão obsoleto que os reaccionários adoram invocar para travar as reformas. Como estão a fazer agora. A seguir vem a da justiça que, como se sabe, não é reformável no actual sistema. Ministros generosos e cheios de boa vontade acabam todos mortos com o cheiro a pó e naftalina que exala das entranhas dessa velha senhora. E como a justiça não é reformável, é evidente que mexer na lei dos despejos com a justiça no fim da linha, por imposição constitucional, tem o destino das outras, ou seja, o cemitério das reformas prometidas e nunca concretizadas. Constituição, justiça e concertação social são os três pilares de um sistema que levou o país à bancarrota. Constituição, justiça e concertação social podem ser, com certeza absoluta, os três coveiros desta pobre democracia.
Título e Texto: António Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 12-01.2012
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