Gotham City é esmagada pela Revolução dos terroristas no poder — com a sociedade em frangalhos, a economia devastada, a política eliminada, a Civilização reduzida a pó — e seu maior herói é banido como um presidiário inválido no filme mais apocalíptico da História do Cinema.
Ernesto Ribeiro
É O FIM DE TUDO.
O Mal venceu. Acabou-se a Lei
e a Ordem. O fim da Civilização.
Há 5 meses que a cidade está
isolada do resto do mundo. Não há mais polícia. Os policiais estão todos presos
e os bandidos estão todos soltos, dominando tudo como o novo poder absoluto no
Reino do Terror.
E é o fim do Batman.
Acabou-se até a fortuna de
Bruce Wayne, "de bilionário a sem-teto", como dizem as manchetes.
Todos os seus piores temores
se concretizam. O herói é desmascarado, roubado, arruinado, caluniado,
derrotado, aleijado, exilado, encarcerado, execrado... Ufa! Desculpe a
cacofonia. Mas é o pesadelo final se materializando.
A rigor, todos os vilões da
trilogia são terroristas apocalípticos com o mesmo objetivo de destruir a
Civilização. Todos são moralistas negativos, niilistas posando de juízes da
humanidade, apontando o dedo para a sociedade podre que querem aniquilar, como
médicos loucos preferindo matar o paciente em vez de curá-lo, e chamam o
assassinato de eutanásia. A função do herói é impedir isso, mas também curar a
doença. Batman é um reformista. Ele acredita no ser humano e na vitória do Bem.
Mas seus arqui-inimigos são 3 faces do Mal Absoluto da mentalidade
revolucionária ao longo da História moderna.
A ameaça no primeiro filme era
messiânica. A milenar sociedade secreta da Liga das Sombras do vilão Ras
Al-Ghul queria afundar a cidade "capital do mundo" num frenesi de
medo insano e auto-destruição por meio da droga, arrasando a Civilização Ocidental
no mesmo "fogo purificador" que seus antecessores da organização
usaram durante séculos ao destruir Babilônia, Atenas, Cartago, Roma, Londres,
Paris... tudo porque não toleravam a corrupção e a degeneração dos costumes da
Grande Metrópole.
A virulência de destruição no
segundo filme era anárquica. Usando poucos recursos, com apenas explosivos
comuns e baratos como gasolina, o Coringa representava mais do que os
anarquistas revolucionários que incendiaram o século 19. O que o Joker
queria provar era uma tese sociológica comportamental: "A Civilização e a
bondade são apenas uma ilusão, um disfarce, uma máscara; na ausência de regras,
o ser humano se revela como cão comendo cão." Ele tinha plena consciência
do que estava fazendo: o Mal intangível pelo Mal em si mesmo. O agente do medo
que reduziu a cidade ao Caos e arrastou a população mais civilizada do mundo
para a Anarquia pura e simples, levando a polícia a se mobilizar inteira para
conter seus próprios cidadãos em fúria. O gênio do crime que devorou o próprio
crime organizado como um vírus, parasitando suas próprias quadrilhas em
autofagia, mandando cada bandido assassinar o colega, só para não dividir o
dinheiro roubado, sem desconfiar que TODOS tinham recebido a mesma ordem.
Resultado: a piada mortal é que no assalto ao banco só morreram os assaltantes.
Todos eles fizeram papel de palhaços. Deviam ter desconfiado por quê o
chefe mandou que eles usassem máscaras de palhaço. "Vocês mafiosos só
pensam em dinheiro. Essa cidade merece uma classe melhor de criminosos."
Queimar uma montanha de dinheiro com um banqueiro no topo é uma das imagens
mais poderosas do cinema, rica em significados.
E finalmente o Mal se concretiza nesse terceiro filme, trazendo o assustador Bane como o novo Robespierre, Marx e Lenin ao mesmo tempo. É a face mais temida da Esquerda: a Revolução Socialista. A sublevação das massas pobres de marginais, fanáticos, ignorantes e arruaceiros, movidos apenas pela promessa de que "um mundo melhor é possível". A tradição da Revolução Francesa com a farsa para "dar o poder ao povo". A derrubada do sistema, quando escancaram-se as portas do presídio, libertando os piores elementos da sociedade e dando-lhes todas as armas. O confisco da propriedade privada. Os julgamentos revolucionários. A guilhotina. O Terror Jacobino. O Estado Totalitário. A devastação de todos os valores. E o golpe final de traição, com a destruição total da sociedade e milhões de mortos pelo seu próprio governo.
"Nós somos o poder popular! Representamos os 99% do povo excluído, explorado e oprimido. Viemos tomar de volta o que é das massas.
E viemos julgar e condenar os
1% de mentirosos exploradores que detêm toda a riqueza, começando por quebrar o
Príncipe dos parasitas: o playboy vagabundo e bilionário Bruce Wayne."
Sim, Batman — O Cavaleiro
das Trevas Ressurge é fruto também da crise econômica e financeira. Sim,
eles ocupam Wall Street.
E limpam tudo. E isso é só o
comecinho. O único grande roubo da Mulher-Gato é o ato decisivo a deflagrar o
efeito dominó apocalíptico que devasta Gotham City — e por tabela, a
civilização ocidental inteira.
De todos os filmes de
super-heróis, este é o mais sério, tenso, realista e melancólico. Dá até pra
sentir o Oscar de Melhor Filme chegando.
O pioneirismo de se tornar a
primeira aventura de herói fantasiado a ganhar o troféu.
Difícil seria acreditar que a
Máfia Comunista de Hollywood é capaz de premiar o enredo mais
contra-revolucionário já feito.
O roteiro conciso,
surpreendente e engenhoso conduz a estória mais forte e adulta já escrita para
um personagem de quadrinhos.
Sim, este é um argumento com
forte profundidade. Prepare-se para ficar CHOCADO. O próprio Gary Oldman avisou
que o filme é "um soco emocional." Não leve crianças para assistir. O
momento mais empolgante é o coro dos exilados na prisão subterrânea no "pior
lugar do mundo" em um hino de uma só palavra de esperança e boa-vontade
pelo próximo, como se evocando uma ressurreição:
"Ressurja! Ressurja!
Ressurja!"
Christian Bale enfim chega ao
ápice no seu trabalho de desenvolver a complexa personalidade de Bruce Wayne/Batman
até o limite. Aqui tudo se completa: o personagem mergulha no âmago da própria
alma, redescobre-se ao conhecer melhor a si mesmo, encara o máximo horror e
renasce ainda mais sábio e auto-consciente, consumando o páthos do herói
em dois finais: um para cada identidade. A última cena é a grata surpresa de
alívio.
O melhor ator do mundo só faz
melhorar: Gary Oldman consegue fazer o comissário Gordon crescer e envelhecer
ainda mais magnífico, encarnando toda a fragilidade e grandeza do homem comum,
movendo-se entre o certo e o errado, nos inúmeros tons de cinza que ele domina
tão bem. Claro que nisso ele é ajudado pelo texto brilhante, que lhe dá a
melhor fala do filme, ao explicar a um jovem policial desiludido porquê nem
sempre a verdade é o melhor caminho quando a realidade é tão complexa.
Bane é um paradoxo.
Impressiona duas vezes. Pelo físico de brutamontes e pela voz retumbante, mas
principalmente pela dicção educada, dramática, sofisticada. (Curiosamente, Tom
Hardy guarda uma perturbadora semelhança de voz e semblante com Liam Neeson,
que no primeiro filme da trilogia interpretou Ras Al Ghul. Seria por isso
também sua escolha para o elenco?) Quando o homem fala, revela a inteligência
ainda mais aguçada do que todos os vilões anteriores. A mente contradiz o corpo
ou faz jus a ele?
Anyway, ele conseguiu o
impossível: Bane superou todos os outros vilões em eficiência. Foi bem-sucedido
em tudo.
Este é o vilão que quebrou a
espinha do Batman e estilhaçou a civilização.
"Anne Hathaway está deslumbrante como Selina Kyle, a Mulher-Gato. Charmosa, atraente e inescrupulosa, sempre faz com que tenhamos uma ponta de dúvida sobre qual é a sua real intenção, e sempre faz com que a sua presença chame para si todos os holofotes."
"Christian Bale é muito
feliz, e consegue fazer de Bruce Wayne um personagem multidimensional."
"Sem dúvida a missão mais
espinhosa de todo o elenco era a de Tom Hardy como Bane. Apresentando um
trabalho de corpo fantástico, e tendo na expressão facial e na voz criada para
o papel os seus maiores destaques, conseguindo transmitir desde sentimentos
mais exacerbados até sutilezas que contrastam com aquele brutamontes, vemos
Bane como um ser cruel, raivoso, violento, mas ao mesmo tempo inteligente e
surpreendentemente carismático. Um belo trabalho, que é finalizado de uma forma
que nos permite observar o vilão novamente sob uma ótica diferente, e novamente
com muita riqueza."
"Desconsidere todos os
filmes de super-heróis que existem até hoje. O desfecho da lenda do
Homem-Morcego supera todos eles."
"A maior atuação é do
próprio Bale. Neste filme, ele foi muito mais Wayne do que Batman, outra
ousadia do diretor e roteiristas que deu muito certo."
"Há nisso uma homenagem
ao Cinema - assim, maiúsculo -, podem crer. Um showman instintivo, kubrickiano
em suas composições de quadro, Nolan sempre volta a Cecil B. De Mille e sua
inabalável fé no "Grande Evento". Quem vai ao cinema paga por sonhos.
O Cavaleiro das Trevas Ressurge é uma coleção de "Grandes
Eventos" e dá ao espectador o exato tamanho de todos eles. Trata-se do
melhor filme de seu gênero e, com a quantidade exata de boa vontade e apreço
pela arte, o melhor filme de 2012."
Pontos fracos? Tá bem, nem
tudo é perfeito: Não dá pra engolir a ridícula 'explicação' de como o policial
Blake adivinhou que Wayne é Batman simplesmente pelo sorriso forçado. Sem
sentido, sem noção. E o filme não tem nenhum senso de humor. Nenhuma piadinha
sequer. "Why so serious?"
A música é maravilhosa, mas é
a mesma do filme anterior. Falta uma trilha sonora mais original.
Onde foi parar a inspiração do
maestro Hanz Zimmer? Cadê o bat-móvel? E cadê o Alfred?
Michael Caine merece um Oscar
pela atuação magistral como o mordomo Alfred, o melhor personagem da trilogia e
o que faz mais falta nesse terceiro filme. Ele só aparece no começo e no
finalzinho, chorando e nos fazendo chorar, lamentando a perda de tudo e pedindo
desculpas pela ausência. É o clímax da tragédia.
Santa depressão, Batman! Esse
filme é totalmente depressivo. Tristíssimo. Uma melancolia só.
O final é de arrancar lágrimas
de todos os bat-espectadores. Meu conselho a quem for assistir essa obra-prima:
vá e leve um lencinho.
Título, Imagens e Texto: Ernesto Ribeiro, 26-8-2012
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