Valfrido M. Chaves
Sabe-se que todo ladrão mente
e que quase todo mentiroso rouba. A mentira, para o ladrão, é como a borda
recheada de sua prazerosa pizza e através das quais, o roubo e a mentira, ele
concretiza os devaneios de poder, onipotência, graças aos quais supera os
sentimentos de insignificância e intimidação que atormentam sua alma.
Mas ao navegarmos tempos de
Mensalão e Cachoeira, não dá para, dentro da temática do roubo e da mentira,
deixar de lado o universal flagelo da corrupção, uma forma sofisticada de roubo.
Ou seja, apropriação de recursos públicos para uso particular ou manutenção e
apropriação do poder, o inebriante poder. Inebriante, leitor, porque o poder,
em si, com suas pompas, ritos e puxa-sacos, já satisfazem o narcisismo, a
vaidade e as necessidades mais moderadas de compensação àquelas já citadas
dores da alma. Mas, com a apropriação de recursos públicos, geralmente
fortunas, “o buraco é mais embaixo”, pois, através da corrupção, alimenta-se o
sentimento de que “eu posso tudo”, sobretudo, quando esfrego na cara da
sociedade, a minha impunidade! E roubar, apropriar-se, não é nada diante do
sentimento de poder e onipotência que provem, justamente, da impunidade, a
borda recheada da já inebriante pizza da corrupção.
Neste ponto, leitor, ouso
trazer outro lado da questão, levantado pela Psicanalista Marion Minerbo, em
seu artigo “Corrupção, poder e loucura: um campo transferencial”. Após apontar
a corrupção como um tipo de loucura do sujeito que nada teme e relacionar tal
“loucura” com a “criança-no – adulto” do corrupto, ou seja, seus aspectos
infantis, aquela estudiosa nos apresenta a idéia de “poderoso”/”intimidado”,
sentimentos que podemos trazer na alma. Entendo aqui que, antes de atuar como
“a tudo posso”, o infeliz sentiu-se como “intimidado” e insignificante. Para
escapar de tais sentimenyos, busca refugiar-se na onipotência, no “a tudo
posso”. Do ponto de vista coletivo, entretanto, para que um possa atuar como o
“ a tudo posso”, é necessário que outro, na sociedade, atue como vitima,
“intimidado, subserviente e siderado, que não se autoriza a sinalizar ao
primeiro os limites de sua onipotência”.
No caso do “Mensalão”,
expressão que recentemente quase foi proibida de ser usada pela imprensa, seus
fatos se descortinam desde a “CPI dos Correios”, graças aos testemunhos,
investigação, relatórios e, sobretudo, ao eloqüente e delubiano silêncio de
alguns inquiridos naquela CPI. Parece saber-se claramente, hoje, onde estão os
poderosos, os onipotentes, os acima do bem e do mal, da verdade. Vemos bem,
ainda, aqueles que nos olham como se fossemos imbecis, quando nos dizem
angelicalmente: “mas nada foi comprovado!”, como se o corrupto deixasse recibo
e impressão digital. Resta-nos, entretanto, uma incômoda indagação: onde estão
os intimidados que não sinalizam aos corruptos os limites para sua onipotência?
Veríamos algum, no espelho, quando escovamos os dentes?
Título e Texto: Valfrido M. Chaves, Psicanalista,
19-8-2012
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