Uma tragédia brutal na África
do Sul oriunda de um sistema laboral de mineração brutal e escravizante
Francisco Vianna
Desde o fim do famigerado
‘apartheid’ não ocorria um evento, que mostrasse de forma tão rasa os ódios que
ainda parecem jazer por trás da imensa transformação na África do Sul, como o
‘massacre de Marikana’.
O incidente de ontem vai ser
motivo de debate por anos, seguramente. Já se tem como bem estabelecido que os
mineiros levarão a culpa por sua violência orquestrada contra a polícia e serão
pintados como selvagens. Ainda, o fato é que uma polícia fortemente armada com
munição real (e não balas de borracha), tão brutalmente como foi atacada pelos
mineiros grevistas, atirou e matou mais de 35 mineiros de uma mina de platina
da localidade de Marikana. Muitos mais ficaram feridos e alguns desses morrerão
desses ferimentos. Outros dez trabalhadores em greve tinham sido mortos antes
desse massacre.
A carnificina não foi obra de
policiais corruptos, mas o resultado de decisões tomadas pela chefia nacional
da corporação policial sul-africana. A polícia tinha prometido responder pela
força e veio armada até os dentes com munição real de combate. A polícia sul-africana
se comportou da mesma forma que se comportava no tempo do “apartheid”, quando,
em 1976 na vila de Sharpeville, no Soweto, enfrentou a insurgência da população
local ou os protestos da década de 1980 quando muitas pessoas da população
dessa província de totalidade negra foram mortas. A resposta agressiva e
violenta aos protestos pela prestação de serviços policiais à comunidade tem o
seu eco e reverberação neste massacre. Ele representa uma mancha de sangue na
nova África do Sul e o fracasso de uma liderança.
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A turba armada de pais e lanças atacou enfurecidamente os blindados da polícia |
É quando o governo deixa de
liderar e passa a comandar: seus ministros do Trabalho e dos Recursos Minerais,
que estiveram ausentes durante todo o episódio; seu Ministro da Segurança
interna, atraves do Comando da Polícia, mantém a legitimidade da ação militar
contra os grevistas deixa de ser uma figura política e passa a ser um mero
carrasco de uma questão laboral e defende a carnificina; um fracasso do
Presidente da República que só sabe dizer abobrinhas com relação à crise e não
mobiliza o governo e seus imensos recursos para imediatamente transmitir as
preocupações dos mineiros e agora também de suas famílias enlutadas.
A própria direção da mina de
Lonmin tem sido um fracasso e uma traição, pois tem se recusado a seguir as
determinações dos líderes sindicais de satisfazer as necessidades dos
trabalhadores e em transmitir-lhes suas queixas.
Infelizmente, trata-se também
de um fracasso das lideranças sindicais: Numa primeira instância, a UNM, que
considera qualquer oposição às decisões de sua liderança como uma ‘ação
criminosa’ e assegura que tal oposição tem que ser necessariamente uma criação
da Câmara das Minas. Isto obviamente não é verdade. Também se trata do fracasso
dos responsáveis pelo Sindicato dos Mineradores e da Construção Civil (SMCC),
cujos atos oportunísticos ao recrutar membros insatisfeitos da UNM, para
mobilizar trabalhadores em reivindicações não realistas e se mostra incapaz de
condenar a violência de seus membros.
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Os mineiros e a população local atacaram armados de lanças e paus |
O nível de violência nas minas
sul-africanas demonstra as profundas divergências dentro de uma sociedade
polarizada. Os mineiros são empregados que vivem em extrema pobreza, geralmente
morando em acampamentos miseráveis sem os mais básicos serviços públicos. São
contratados por ‘corretores de trabalho’ e seus empregos são informais sem
qualquer proteção previdenciária e desprovidos de condições decentes de
trabalho, configurando uma versão moderna – intolerável em qualquer país
medianamente desenvolvido – de escravidão.
A "greve selvagem"
(como outras greves semelhantes nas minas) que desencadeou os eventos que
levaram à carnificina foi uma resposta à violência estrutural do sistema de
mineração desumana da África do Sul. No entanto, foi também uma resposta a
outra coisa, que as pessoas não podem ignorar: os ricos proprietários de minas,
a custa de sua experiência com o sistema BEE de cooptação, veem uma
oportunidade de meter uma cunha para dividir os "razoáveis" líderes
sindicais e os trabalhadores. Eles seduzem os sindicatos com aquilo que querem
dividindo os trabalhadores segundo um ranque e seus arquivos. A raiva nas minas
é uma raiva profunda contra a gestão da mina e que está progressivamente sendo
direcionados para a submissão e o fracasso de sua liderança sindical em
defender e representar os interesses dos trabalhadores.
A alienação existente entre os
sindicalizados e os líderes sindicais é um fator que age por trás do que
aconteceu em Lonmin e que está acontecendo em outras minas de platina.
Não obstante, a matança de
mais de 35 mineiros foi um resultado da violência do estado, especificamente da
polícia. O próprio Ministro Mthethwa, pelo menos, tem que assumir essa
responsabilidade e renunciar ao cargo.
Os Estados Unidos manifestaram
a sua tristeza pela morte dos 34 mineiros em greve durante uma operação
policial na África do Sul, e expressaram confiança na capacidade do governo de
investigar o massacre. "Os americanos estão tristes com essas mortes
trágicas e expressam suas condolências às famílias daqueles que perderam seus
entes queridos" neste drama, declarou o porta-voz adjunto do presidente
Barack Obama, Josh Earnest. "Estamos cientes da expressão de choque e
tristeza do presidente (da África do Sul, Jacob) Zuma, dos depoimentos de
outros líderes sul-africanos sobre esses eventos, e de suas tentativas de
encontrar uma solução para esta situação sem mais derramamento de sangue",
acrescentou Earnest na coletiva de imprensa diária da Casa Branca.
"Estamos confiantes de que o governo sul-africano vai investigar as
circunstâncias deste caso e, como sempre, incentivamos todas as partes a
encontrar uma solução pacífica" para a atual crise, concluiu.
O massacre da mina de platina
Lonmin, em Marikana (norte), ocorreu, segundo a polícia, depois que os mineiros,
insuflados por suas lideranças sindicais e elementos armados, atacaram as
forças policiais, que se defenderam abrindo fogo, alegado legítima defesa, como
assegurou o chefe da Polícia Nacional, Phiyega Riah.
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Em meio aos mortos e feridos a polícia recolhe as armas dos mineiros |
“Há uma espécie de desespero,
de desesperança e um ressentimento dentro da indústria mineradora sulafricana e
do governo”, disse John Capel, membro de uma organização de pesquisa e
advocacia que estuda as comunidades de mineiros. “Temos avisado há anos sobre o
potencial de tais levantes e revoltas. O povo está irado”.
“As vítimas, pelo modo brutal com que agiram e
como o estado reagiu, chocou a opinião pública sul-africana e o país está
triste com tanta violência sem sentido. Nós acreditamos que há espaço
suficiente no sistema democrático do país para que as disputas sejam resolvidas
através do diálogo, sem violação da lei e sem violência", disse o
presidente Zuma.
Título, Imagens e Texto: Francisco Vianna (com base na mídia
internacional)
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