domingo, 19 de agosto de 2012

O massacre de Marikana

Uma tragédia brutal na África do Sul oriunda de um sistema laboral de mineração brutal e escravizante
Francisco Vianna
Desde o fim do famigerado ‘apartheid’ não ocorria um evento, que mostrasse de forma tão rasa os ódios que ainda parecem jazer por trás da imensa transformação na África do Sul, como o ‘massacre de Marikana’.
O incidente de ontem vai ser motivo de debate por anos, seguramente. Já se tem como bem estabelecido que os mineiros levarão a culpa por sua violência orquestrada contra a polícia e serão pintados como selvagens. Ainda, o fato é que uma polícia fortemente armada com munição real (e não balas de borracha), tão brutalmente como foi atacada pelos mineiros grevistas, atirou e matou mais de 35 mineiros de uma mina de platina da localidade de Marikana. Muitos mais ficaram feridos e alguns desses morrerão desses ferimentos. Outros dez trabalhadores em greve tinham sido mortos antes desse massacre.
A carnificina não foi obra de policiais corruptos, mas o resultado de decisões tomadas pela chefia nacional da corporação policial sul-africana. A polícia tinha prometido responder pela força e veio armada até os dentes com munição real de combate. A polícia sul-africana se comportou da mesma forma que se comportava no tempo do “apartheid”, quando, em 1976 na vila de Sharpeville, no Soweto, enfrentou a insurgência da população local ou os protestos da década de 1980 quando muitas pessoas da população dessa província de totalidade negra foram mortas. A resposta agressiva e violenta aos protestos pela prestação de serviços policiais à comunidade tem o seu eco e reverberação neste massacre. Ele representa uma mancha de sangue na nova África do Sul e o fracasso de uma liderança. 

A turba armada de pais e lanças atacou enfurecidamente os blindados da polícia
É quando o governo deixa de liderar e passa a comandar: seus ministros do Trabalho e dos Recursos Minerais, que estiveram ausentes durante todo o episódio; seu Ministro da Segurança interna, atraves do Comando da Polícia, mantém a legitimidade da ação militar contra os grevistas deixa de ser uma figura política e passa a ser um mero carrasco de uma questão laboral e defende a carnificina; um fracasso do Presidente da República que só sabe dizer abobrinhas com relação à crise e não mobiliza o governo e seus imensos recursos para imediatamente transmitir as preocupações dos mineiros e agora também de suas famílias enlutadas.
A própria direção da mina de Lonmin tem sido um fracasso e uma traição, pois tem se recusado a seguir as determinações dos líderes sindicais de satisfazer as necessidades dos trabalhadores e em transmitir-lhes suas queixas.
Infelizmente, trata-se também de um fracasso das lideranças sindicais: Numa primeira instância, a UNM, que considera qualquer oposição às decisões de sua liderança como uma ‘ação criminosa’ e assegura que tal oposição tem que ser necessariamente uma criação da Câmara das Minas. Isto obviamente não é verdade. Também se trata do fracasso dos responsáveis pelo Sindicato dos Mineradores e da Construção Civil (SMCC), cujos atos oportunísticos ao recrutar membros insatisfeitos da UNM, para mobilizar trabalhadores em reivindicações não realistas e se mostra incapaz de condenar a violência de seus membros.

Os mineiros e a população local atacaram armados de lanças e paus
O nível de violência nas minas sul-africanas demonstra as profundas divergências dentro de uma sociedade polarizada. Os mineiros são empregados que vivem em extrema pobreza, geralmente morando em acampamentos miseráveis sem os mais básicos serviços públicos. São contratados por ‘corretores de trabalho’ e seus empregos são informais sem qualquer proteção previdenciária e desprovidos de condições decentes de trabalho, configurando uma versão moderna – intolerável em qualquer país medianamente desenvolvido – de escravidão.
A "greve selvagem" (como outras greves semelhantes nas minas) que desencadeou os eventos que levaram à carnificina foi uma resposta à violência estrutural do sistema de mineração desumana da África do Sul. No entanto, foi também uma resposta a outra coisa, que as pessoas não podem ignorar: os ricos proprietários de minas, a custa de sua experiência com o sistema BEE de cooptação, veem uma oportunidade de meter uma cunha para dividir os "razoáveis" líderes sindicais e os trabalhadores. Eles seduzem os sindicatos com aquilo que querem dividindo os trabalhadores segundo um ranque e seus arquivos. A raiva nas minas é uma raiva profunda contra a gestão da mina e que está progressivamente sendo direcionados para a submissão e o fracasso de sua liderança sindical em defender e representar os interesses dos trabalhadores.
A alienação existente entre os sindicalizados e os líderes sindicais é um fator que age por trás do que aconteceu em Lonmin e que está acontecendo em outras minas de platina.
Não obstante, a matança de mais de 35 mineiros foi um resultado da violência do estado, especificamente da polícia. O próprio Ministro Mthethwa, pelo menos, tem que assumir essa responsabilidade e renunciar ao cargo.
Os Estados Unidos manifestaram a sua tristeza pela morte dos 34 mineiros em greve durante uma operação policial na África do Sul, e expressaram confiança na capacidade do governo de investigar o massacre. "Os americanos estão tristes com essas mortes trágicas e expressam suas condolências às famílias daqueles que perderam seus entes queridos" neste drama, declarou o porta-voz adjunto do presidente Barack Obama, Josh Earnest. "Estamos cientes da expressão de choque e tristeza do presidente (da África do Sul, Jacob) Zuma, dos depoimentos de outros líderes sul-africanos sobre esses eventos, e de suas tentativas de encontrar uma solução para esta situação sem mais derramamento de sangue", acrescentou Earnest na coletiva de imprensa diária da Casa Branca. "Estamos confiantes de que o governo sul-africano vai investigar as circunstâncias deste caso e, como sempre, incentivamos todas as partes a encontrar uma solução pacífica" para a atual crise, concluiu.
O massacre da mina de platina Lonmin, em Marikana (norte), ocorreu, segundo a polícia, depois que os mineiros, insuflados por suas lideranças sindicais e elementos armados, atacaram as forças policiais, que se defenderam abrindo fogo, alegado legítima defesa, como assegurou o chefe da Polícia Nacional, Phiyega Riah.
Em meio aos mortos e feridos a polícia recolhe as armas dos mineiros
“Há uma espécie de desespero, de desesperança e um ressentimento dentro da indústria mineradora sulafricana e do governo”, disse John Capel, membro de uma organização de pesquisa e advocacia que estuda as comunidades de mineiros. “Temos avisado há anos sobre o potencial de tais levantes e revoltas. O povo está irado”.
 “As vítimas, pelo modo brutal com que agiram e como o estado reagiu, chocou a opinião pública sul-africana e o país está triste com tanta violência sem sentido. Nós acreditamos que há espaço suficiente no sistema democrático do país para que as disputas sejam resolvidas através do diálogo, sem violação da lei e sem violência", disse o presidente Zuma.
Título, Imagens e Texto: Francisco Vianna (com base na mídia internacional)
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