segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O careca do Mensalão

Waldo Luís Viana

“Vivemos realmente tempos excrementícios...”
Jean Baudrillard 

Não queria estar na pele do careca. Condenado por vários crimes, vejo um homem sofrido, cuja atividade o levou um dia à crista oculta da glória e hoje o faz roçar no vilipêndio e na depressão. Foi peça em esquema maior, tipicamente governamental, e agora está à mercê da Justiça, completamente desamparado.

Perseverou o careca em acreditar nos poderosos de plantão, para constatar em degredo que não são tão poderosos assim. E agora resolve dizer o óbvio, na costumeira e vil delação premiada de imprensa, que ao reverso dos inquéritos, denúncias e contraditórios sofre sempre o combate da incredibilidade. Ao contrário dos tribunais, que por definição devem ser legítimos e não falhar nunca, no Brasil, a imprensa não passa de uma floresta de opiniões guiadas por interesses intestinos que verdadeiramente não são os nossos...

O operador mineiro vai inspirar até as crianças. No meu tempo, perguntavam o que eu queria ser quando crescesse. Agora, poder-se-á inquirir aos pequenos “o que não gostaria de ser quando se tornasse adulto” e os meninos e meninas gritariam, prontamente, entre cantigas de roda: “o careca do mensalão”...

Não queria estar na pele do careca. Ele teme morrer porque sabe muito e conhece, naturalmente, os métodos explícitos do partido governista em seus esgotos de decisão. A agremiação já provou que é capaz de tudo na tarefa de programar e “executar” (ops!) os serviços mais sujos. Afinal, não se conquista o poder impunemente...

O careca também não contava com a vaidade dos juízes. Expostos na TV, diante da nação inteira estupefata, os magistrados resolveram mostrar que são duros sem ser impiedosos, descobrindo o fio da meada que teimava em permanecer oculto.

E o careca sente-se desamparado, não podendo fugir para o exílio, porque já não é mais réu primário. Ele também não deseja ser Tiradentes, porque é um brasileiro típico, daqueles espertíssimos que só esperam aplaudir um mártir no pescoço dos outros. O careca acredita que existe sempre um idiota para lutar pelo povo na frente da massa e apanhar da polícia. Ele não! Queria uma existência boa, contando os seus metais no mundo da vida...

Afinal, corrupto no Brasil, que consegue escapar da lei, é sempre exaltado. Quanto mais ladrão, mais querido – eis o mote do povinho extasiado. E o careca integrava o rol dos escolhidos, como “parte de uma quadrilha que não existiu” para certo ex-presidente. Convocaram até uma filósofa, problematizadora do real, para provar que o mensalão não existiu, que era mera invenção da imprensa golpista!

Operou-se, então, um milagre de ilusão cognitiva e coletiva: o mensalão não existiu; mas se existiu, foi manobra de peixes pequenos; caso houvesse a constatação de que não fora ardil de pífios malandros, então somente o careca fora o operador e principal culpado; mas se chegarem à certeza de que ele não agira sozinho, e que integrou uma rede de corruptos, esta não atingiria aos possíveis mandantes no governo; no entanto, se esses malditos oficiais forem também apanhados e condenados, bem como os políticos beneficiados com a trama, o chefe não seria identificado; se, enfim, este fosse miseravelmente atingido, em verdade vos digo que ele agira sozinho, sem que o comandante maior soubesse. Todavia, se ele também for atingido, convoca-se então no fim a militância...

O careca não mais opera, é operado (ou atropelado) duramente pelos acontecimentos. E o que acontece com o escorpião ou o rato quando não há saída? As pesquisas in vitro estabelecem que um se suicida e o outro perde o ânimo. Essa estória de lutar até morrer não é um comportamento típico do reino animal, principalmente entre as espécies mais fracas. E é esse o caso. O careca não estava preparado para tanta pressão na cadeia alimentar. É um arquivo completo sobre todos os pecados do partido no governo, aqui e no exterior. Sabe onde os corifeus depositam as fortunas, bem como os cordéis que eles eventualmente puxam...

A estratégia do mensalão pressupunha que a impunidade da corrupção jamais seria abalada. E que a sociedade iria dormir eternamente no berço esplêndido da ilusão cognitiva. No entanto, algo aconteceu: não contavam com a desistência de um corajoso deputado, que ofereceu o pescoço de verdade em troca de impedir que certo ambicioso tartufo tomasse o poder no Brasil.

Não podemos exigir, entretanto, o mesmo patriotismo do careca. Como todo malandro-agulha ele só pretendia a sordidez do anonimato rico. Agora está num mato sem cachorro, tendo ainda que sustentar advogado caro. Diga-se de passagem que diante das fortunas pagas na defesa dos réus desse processo, as absolvições obtidas não permitiram vislumbrar uma boa relação de custo-benefício. Nesse sentido, a devolução das rendas traficadas está se processando a galope, num duro golpe no cocuruto dos ladrões...

Todavia o careca deverá tomar uma decisão. Às vezes, Deus escreve certo por linhas tortas e até um condenado poderá comprimir em seu ser um resto de dignidade, transformando-a em denúncia que encha de esperança e esclareça a Nação tão distraída...

Esperemos, então, com respiração suspensa, o desfecho: que o culpado deslinde a trama, explicando e mostrando tudo. E que os verdadeiros culpados, os verdadeiros mandantes da rede de corrupção sejam identificados e punidos para o bem do país e da sociedade espoliada.
E pano rápido, que o povo quer logo a próxima atração!
Título e Texto : Waldo Luís Viana,  escritor, economista, poeta e graças a Deus está chegando aos 57 anos sem ser molestado pela calvície...

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