Sudarsan Raghavan
Quando Márcio Charata perdeu
seu emprego bem remunerado no sul de Portugal há dois anos, ele enviou seu
currículo para todos os seus contatos. Determinado a sobreviver aos problemas
do estrangulamento econômico na Europa, ele conseguiu marcar vinte entrevistas
– mas não conseguiu trabalho. Então, ele voltou suas atenções para um mercado
distante e improvável: Moçambique, uma ex-colônia de Portugal que havia sido
destruída pela guerra fratricida e genocida.
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Foto: Carlos Litulo/Washington
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Hoje, Charata é um executivo
veterano numa empresa midiática moçambicana, juntando-se a milhares de
compatriotas portugueses que têm chegado ao país nos últimos meses buscando um
porto seguro para trabalhar e ganhar dinheiro, coisas que estão difíceis de
serem conseguidas na Europa afligida pela crise econômica chamada vulgarmente
de ‘crise do euro’. “Isto aqui é um oasis no deserto”, disse Charata, 33 anos,
sorrindo.
Enfrentando um desemprego
crescente, aumento de impostos e cortes em programas sociais, muitos
portugueses estão viajando para as antigas colônias em busca de trabalho, para
os mesmos lugares de onde seus ancestrais colonizadores foram forçados a sair
há mais de meio século – países como o Brasil, Angola e Moçambique, que se
jactam de ter as economias que mais rapidamente crescem no mundo, alimentadas
por vastas jazidas de petróleo, minerais e outras matérias-primas.
A África subsaariana, com
certeza, não é economicamente a terra prometida. Grande parte do continente
ainda luta com alto índice de pobreza, doença, e desemprego, e as empresas
enfrentam grandes obstáculos, incluindo corrupção estatal e burocracia.
Mas os recém-chegados
portugueses são uma indicação de que o continente está economicamente em
movimento. A classe média está crescendo em muitos países africanos, assim como
grandes projetos de infraestrutura estão em andamento. Os investidores
estrangeiros estão vasculhando a região em busca de oportunidades de
rentabilidade que está em queda nos mercados tradicionais europeus e
americanos, enquanto o comércio com a China está se expandindo. O Banco Mundial
prevê que um terço de todos os países africanos cresce a taxas superiores a 6
por cento este ano, com as economias de muitas nações se expandindo mais
rapidamente do que as economias dos ‘tigres’ do Leste Asiático.
De 2009 a 2011, o número de
portugueses recém-chegados, registrado pela sua embaixada em Maputo, aumentou
de quase 19 mil para algo em torno de 23 mil, ou seja, um aumento de 21 por
cento, sendo que a maioria se fixou em Maputo e Beira. Muitos recém-chegados
são profissionais altamente qualificados, incluindo arquitetos, engenheiros e
médicos.
O número de empresas
portuguesas que demonstram interesse em investir no país do sudeste africano
mais do que dobrou este ano, indo de dez delegações visitantes no ano passado
para vinte e duas neste ano, conforme relatório da Câmara de Comércio
Moçambique-Portugal.
Pela capital Maputo afora,
restaurantes e cafés estão cheios de portugueses que imigraram recentemente. A
TAP, a linha aérea nacional de Portugal tem aumentado o número de voos para
Maputo de um para três por semana. “Todo mundo está sentindo o aperto da crise
econômica e Moçambique oferece uma porção de oportunidades”, disse Gonçalo
Teles Gomes, Cônsul Geral de Portugal em Maputo. “As pessoas acham que aqui é o
‘El Dorado’”, acrescentou o Cônsul, em referência à lendária “cidade perdida de
ouro” na América do Sul, que cativou os exploradores por séculos.
UMA NOVA ONDA DE CRESCIMENTO
Portugal governou Moçambique
do século XVI em diante, gerando o que iria se tornar um legado colonial
vergonhoso, incluindo a escravidão forçada da população local. Em 1964,
irromperam as lutas pela independência da colônia, entre os rebeldes e as
autoridades coloniais portuguesas, que terminaram com a independência de
Moçambique em 1975. Subsequentemente, a maioria dos portugueses fugiu apavorada
do país ou foram expulsos pelo novo governo, deixando o país numa completa
desordem econômica. Uma guerra civil se seguiu durando quinze anos e matando aproximadamente um milhão de
pessoas antes que um acordo de paz fosse assinado em 1992.
A história turbulenta das
relações entre Moçambique e seu antigo colonizador não foi esquecida pelos
muitos novos portugueses que chegam ao país. “Não estou orgulhoso com o que
meus ancestrais fizeram”, disse Charata, que chegou ao país há 11 meses.
“Trata-se de uma situação irônica; estamos tentando construir uma segunda vida
na mesma nação que nos expulsou”.
O PIB de Moçambique cresceu a
uma média de 7,2 por cento na última década, muito embora o país permaneça um
dos mais pobres e subdesenvolvidos do mundo. Com novas descobertas de jazidas
de carvão e gás natural, o país pode se tornar um exportador importante de combustíveis
fósseis e outros minerais ao longo da próxima década. Muitos dos novos
portugueses que chegam estão a ir para a cidade de Tete que cresce com as novas
minas de carvão, no noroeste em busca de trabalho.
Gigantescos guindastes
amarelos da construção civil pairam nas alturas contra o céu de Maputo, onde a
atividade sofre uma expansão enorme e repentina para alimentar o apetite da sua
crescente classe média. É por isso que Manuel Silva, 37 anos, trabalhador na
construção civil chegou aqui há dois meses. Em Lisboa, essa atividade
praticamente cessou. Destarte, quando uma empresa portuguesa lhe ofereceu um
contrato, primeiro em Angola, e depois em Moçambique, ele aceitou prontamente.
Em Maputo, ele ganha 50 por cento mais do que ganhava em Lisboa. E seu salário
é pago em euros em Portugal. “Minha família precisa de dinheiro, pois temos
dois filhos para criar”, disse Silva.
A especialista em planejamento
urbano, Ana Martins, 31 anos, pediu demissão de seu emprego no governo
português no ano passado porque ela estava preocupada com a crise do euro e com
as inevitáveis medidas de austeridade que o governo seria obrigado a tomar. Em
Maputo, ela dirige uma firma de consultoria em arquitetura e urbanização,
ganhando três vezes mais do que ganhava como funcionária pública em Lisboa, com
apartamento para morar, carro e outros benefícios. Toda semana, conta ela, sua
caixa postal se enche de e-mails de portugueses procurando postos de trabalho
em Moçambique.
Em janeiro último, seu marido
planeja mudar para a cidade e morar com ela, também. Ele é médico, e disse que
a atividade médica em Moçambique está crescendo de modo promissor, com mais
hospitais e clínicas buscando profissionais treinados e competentes. “Em
Portugal, não temos futuro para crescer em nossas carreiras”, disse Martins.
Benefícios e inconvenientes
Entre os moçambicanos, a
reação em relação a essa “invasão branca” portuguesa é mista. Alguns reconhecem
que os imigrantes – enquanto mão-de-obra especializada – são de extrema
importância em face das necessidades dos mercados em expansão nas áreas de
construção civil, de tecnologia, de bancos e na indústria desta nação que
cresce vertiginosamente, mas que não consegue ainda produzir seus próprios
profissionais ao nível dos que chegam ao país de Portugal. “Eles são uma
vantagem e não uma desvantagem”, disse André Massina, 27 anos, um engenheiro
moçambicano que trabalha para empresas estrangeiras que atuam no país. “Eles
estão vindo para cá para criarem algo novo. Estão criando empregos e gerando
riqueza por aqui, além de acumularem capital, para amanhã, certamente
continuarem a criar mais trabalho e gerar mais riqueza para o país”.
Mas há os indefectíveis
membros de uma minoria que vê a chegada dos novos portugueses como uma forma de
‘neocolonialismo’. Em entrevistas, os trabalhadores moçambicanos na construção
civil expressam seu ressentimento com relação aos altos salários pagos aos
profissionais portugueses para fazerem o mesmo trabalho. “Eles nos usam e nos
insultam. Não nos tratam muito bem”, disse Paolo Domingos, 21 anos, um pedreiro
moçambicano. “Gostaria se eles voltassem para casa e não retornassem mais”.
Por outro lado, não é fácil
para um português arranjar emprego em Moçambique, pois, pela lei, para cada
estrangeiro contratado por uma empresa local, diversos nativos têm que ser por
ela admitidos. Estrangeiros têm ainda que enfrentar os obstáculos de uma morosa
burocracia típica de país subdesenvolvido, graças a qual podem levar meses para
obter documentos de trabalho regular.
Assim, a maioria dos portugueses
já vem para o país contratados por empresas estrangeiras que não estão sujeitas
a tais exigências legais e entraves burocráticos e, por isso, recebem em
Portugal. Mas os que vêm para tentar fazer parte do mercado de trabalho local
encontram muitas dificuldades e muitos não conseguem colocação decente e acabam
voltando, mesmo sob pressão por causa da crise doméstica. Por isso, estes
sofrem um ‘choque de realidade’ e em Maputo, onde os aluguéis disparam e a
maioria das mercadorias são mais caras do que em Portugal, ficam rapidamente
sem dinheiro e são forçados a voar de volta para casa.
“Muitos chegam com muitos
problemas financeiros, com pouco dinheiro no bolso e muita esperança”, disse
Nuno Pestana, proprietário de um conhecido restaurante, chamado ‘Taverna’, de
cozinha lusitana. “Então, quando o dinheiro acaba, também acabam suas
esperanças”.
Muitas empresas portuguesas
também acham difícil fincar o pé e se estabelecer em Moçambique. “Elas têm que
investir muito dinheiro, e podem levar anos para começar a ter bons
resultados”, disse Ema Soares, CEO da Câmara de Comércio Moçambique-Portugal.
Ainda, 400 empresas
portuguesas já se registraram para montar suas equipes numa feira de comércio
em Lisboa, este mês, explorarem as oportunidades de investimento em Moçambique,
o que representa um aumento de 25 por cento em relação ao número do ano
passado. “Todas elas querem escapar da crise”, disse Ema.
Charata compreende. A maioria
dos seus amigos que ficaram em Portugal está desempregada e preocupada com o
dia em que o seguro desemprego acabar. Diz ele que faz um grande esforço para
se integrar à sociedade moçambicana. Muito embora ele ganhe menos da metade do
que ganhava em Portugal, ele não tem planos de ir embora num futuro próximo.
“O pior cenário é voltar para Portugal”, disse
Charata. “Pelos próximos cinco ou dez anos, será difícil levar uma vida decente
por lá”.
Título e Texto: Sudarsan Raghavan, para o jornal
americano “The Washington Post”, 12-11-2012
Tradução: Francisco Vianna
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