segunda-feira, 19 de maio de 2014

Os falsos profetas


Luís Naves
Durante três anos, lemos milhares de artigos de falsos profetas que previam o desastre iminente do País. O ajustamento jamais iria funcionar e o resultado seria, de forma inevitável, a espiral recessiva e o caos social. Fomos enganados durante três anos mas, estranhamente, não há responsáveis. Pelo contrário, os analistas que falharam nas suas previsões são os que agora ironizam com superioridade intelectual porque a saída da troika não teve efeito visível nas nossas vidas.

O resgate financeiro evitou em Portugal um colapso de estilo argentino. Os europeus não tinham instituições apropriadas e não havia mecanismos eficazes de controlo orçamental na união monetária, pelo que tudo teve de ser improvisado em cimeiras periclitantes. Em troca do salvamento, o País foi obrigado a cumprir condições particularmente difíceis, mas o programa foi concluído, apesar das decisões ruinosas do Tribunal Constitucional (aplaudidas por uma comunicação social hostil ao resgate) e da péssima negociação inicial da ajuda financeira, que se baseou em premissas erradas, que a troika, para não desafiar os mercados, se recusou a adaptar à realidade.

A intelectualidade nacional só falou dos sacrifícios: ela diz-se reformista mas é profundamente conservadora e anti-reformista, pelo que esteve sempre contra o programa de ajustamento. Agora, a narrativa dominante entre os autores de opinião é a de que nada foi feito, que as reformas ficaram pelo caminho e que o programa falhou em toda a linha. O argumento é incompreensível (o que levou então a troika a sair?) mas continua a ser repetido por analistas que falharam durante estes três anos. São os mesmos que agora desvalorizam o fim do programa de ajustamento, cujas medidas de cortes na despesa e aumentos de impostos somam mais de 16% do PIB, ou seja, um ritmo anual acima de 5% do PIB. O País perdeu 6% da sua riqueza e tem mais de 15% de desempregados, mas a alternativa era a Argentina, a saída da zona euro e a provável saída da União Europeia. Provavelmente, tirando processos revolucionários, nunca fomos sujeitos a uma transformação tão importante como a que decorreu neste período.

Os socialistas, que nos levaram à pré-bancarrota, prometem agora 80 medidas e uma mudança, mas se forem para o poder terão de cumprir o Tratado Orçamental, ou seja, concluir o processo de ajustamento e as reformas estruturais (que obviamente não se faziam em três anos). Se não aumentarem os impostos, terão de cortar na despesa e convinha que explicassem onde é que vão cortar pelo menos 5 mil milhões de euros até 2018.

Os comentadores mais à direita culpam o actual Governo por não ter feito reformas que nunca constaram do memorando assinado com a troika. Em 2011, quando foi pedido o resgate, não havia dinheiro para pagar dois meses de salários completos e a situação financeira era muito pior do que a admitida pelo então executivo socialista. Tudo isto continua a ser branqueado e afirmar o contrário leva a acusações de propaganda.
Título, Imagem e Texto: Luís Naves, Fragmentário, 19-05-2014

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