segunda-feira, 5 de maio de 2014

Pequena digressão a propósito da era Vargas no Brasil e Salazar em Portugal

Francisco Vianna

A propósito do texto enxuto e bem escrito do Sr. Miguel Castelo Branco publicado neste valoroso blog, quero externar aqui minha opinião sobre alguns pontos que considero basilares para que uma nação siga uma trajetória social saudável e, pois, tanto sob o aspecto político como econômico.

É uma ilusão se pensar que Brasil e Portugal jamais tenham necessitado de governos messiânicos, populistas e demagógicos. Na verdade, toda vez que isso ocorreu, a lista dos prejuízos e dos atrasos foi muito maior do que a dos avanços e desenvolvimentos que teria caso não os tivessem. No caso de Vargas, contudo, o estado brasileiro tinha tudo por fazer e quase nada realizado desde a proclamação de uma república, em 1889, que nunca funcionou direito exatamente por causa, por um lado, da fragilidade do sistema representativo que substituiu a monarquia e, por outro lado, pelos tais líderes messiânicos, populistas e demagógicos que sempre pontuaram na história republicana brasileira.
 
Entre o saudosismo que muitos brasileiros e portugueses nutrem pelo autoritarismo tanto de Vargas como de Salazar, que lançaram as bases do 'envenenamento socialista' em seus países, o denominador comum entre seus povos a impedir que o desenvolvimento social (repito, político e econômico) venha sempre a ser obstruído e dificultado, é exatamente a má qualidade, jamais combatida ou aperfeiçoada, da cidadania de ambos os países.

Manter uma cidadania incapaz de discernir o que suas sociedades realmente necessitam para prosperar e se desenvolver, vendo-se vítima do contumaz canto de sereia do populismo demagógico, representa, a meu ver, o ponto nevrálgico pelo qual ainda Portugal se debate com uma dívida pública difícil de quitar e o Brasil, com uma economia que hoje tem sido alardeada como a sexta maior do planeta, mas que não consegue de fato mostrar um crescimento compatível com tal status, bem como um desenvolvimento humano que represente de fato uma consequência do tamanho da riqueza gerada por uma população que cresce em quantidade mas não em qualidade humana.

A velha crença, difundida ao longo dos séculos XIX e XX que "ao estado compete prover tudo", gerou um estatismo exagerado que não raro sufoca o empreendimento privado que tem se contraposto às tentativas de se criar "welfare states". Tais medidas têm incutido na mentalidade das pessoas que o estado é o responsável pela garantia de muitos direitos que não são consubstanciados por deveres e obrigações correspondentes. As pessoas buscam viver sob a égide paternalista de seus estados e a consequência disso é a formação de politburos governamentais que impõem pesadas cargas tributárias, organizam-se como restritas burguesias a viver nababescamente a custa de verdadeiros confiscos tributários e que acaba por distribuir ao resto da população uma pobreza e até uma miséria igualitária que determina o seu imobilismo econômico e a sua inexpressividade política e, em muitos casos o isolamento do país do resto do mundo.

Assim, invariavelmente, se comportam todos os tipos de socialismo, qualquer que seja o seu naipe, seja o praticado por Getúlio Vargas, seja o praticado por Francisco Salazar, Josef Stalin, Franco, Mussolini, Mao Tse Tung, Pol Pot, e uma série de outros “salvadores da pátria” que, na verdade, apenas a arrastam para situações trágicas ou, ao menos, indesejadas.

Nenhuma dessas nações – as nossas duas incluídas – jamais pensou num modo de criar uma cidadania melhor, mais educada e profissionalmente competente, que pudesse lançar as bases de instituições democráticas mais robustas e eficientes do que a que dispomos hoje em dia. Isso só se consegue com o ensino e a educação – duas coisas díspares embora complementares – como ficou bem demonstrado no crescimento vertiginoso dos chamados “tigres asiáticos” e como se observa nas nações mais desenvolvidas do planeta.

Com um estado na mão para ser construído, Getúlio Vargas foi buscar na legislação alemã a organização de uma Previdência Social que inexistia no Brasil. Mesmo assim, o fez de forma fragmentária, lançando mão da oferta de assistência médica e hospitalar gratuita – apesar de ser o serviço público mais oneroso que existe – como poderoso chamariz para a adesão do empresariado e da população.

O superávit da arrecadação, no entanto, em virtude do interregno entre a criação do sistema e o surgimento dos primeiros aposentados e pensionistas, permitiu que isso fosse possível, mesmo condenando o sistema a um horizonte de insolvência futuro.

Mas, a imprevidência sempre foi uma característica do imediatismo político dos líderes messiânicos, populistas e demagógicos. Se, pelo menos, essas benesses distribuídas pelo estado condicionassem a obrigatoriedade de escolaridade e de se ter completado o segundo grau de ensino e de educação como condição para o exercício da cidadania, mesmo com uma “previdência hoje no vermelho”, certamente teríamos formado, no Brasil, uma cidadania de muito melhor qualidade do que temos hoje, que vende o seu voto por esmolas que, no final das contas, desestimula o beneficiário ao trabalho produtivo e acaba por condená-lo à pobreza crônica autossustentada, embora útil à restrita burguesia estatal que a explora de modo sistêmico para se manter no poder.

O resultado prático do exposto é que as estatais que deram certo foram aquelas que, em situação pré-falimentar, foram, muito mais tarde privatizadas pelo improvável, porém, para a sorte do Brasil, excelente governo de Fernando Henrique Cardoso, que as privatizou. As que continuam sob a égide do estado brasileiro, tendo a PETROBRAS como sua principal cornucópia, crescem hoje como rabo-de-cavalo, ou seja, para baixo.

Para completar essa breve digressão, quero comentar a alusão do autor quando escreve que Vargas criou “um programa de nacionalismo desenvolvimentista, que permitiu ao Brasil furtar-se da colonização econômica norte-americana”. Ora, se, com relação a essa pretensa “colonização estadunidense”, o resultado teria sido algo semelhante ao soerguimento do Japão e da Europa Ocidental no pós-segunda guerra mundial, quero dizer, então, que demos um enorme azar por ela não ter ocorrido ao sul do Equador.

Aliás, eu gostaria de citar aqui algum caso de “colonialismo estadunidense” no mundo, apesar de os EUA terem sido colonizados pela nação mais colonizadora do mundo, a Grã-Bretanha. Talvez, mesmo, por isso, tal colonização americana jamais tenha ocorrido em lugar algum do mundo, exceto no próprio território americano através da guerra contra o México, que, na verdade, foi uma luta contra a colonização espanhola.

O nacionalismo xenofóbico não se explica num mundo cada vez mais globalizado e por diversos equívocos, dentre os quais se destaca o falso conceito de “capital estrangeiro”. Os países menos desenvolvidos precisam aprender que o capital passa a pertencer ao local onde ele é investido na geração de trabalho e riqueza, desde que basicamente isso permaneça na esfera privada. O que o capitalista vai fazer com o seu lucro diz respeito apenas a ele, tanto faz que seja um nacional ou um estrangeiro.

Cabe ao estado tributar basicamente o lucro – que é a medida da eficiência capitalista – e ciar as melhores condições jurídicas de segurança para que o capitalista se sinta estimulado a reinvestir grande parte de seus lucros no país que os proporciona.

Quando é o estado que se arvora em substituir o papel do capitalista privado, exercendo um “capitalismo estatal”, a história do século XX nos ensina que o resultado disso é basicamente funesto.
Título e Texto: Francisco Vianna, 05-05-2014

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