
É uma ilusão se pensar que
Brasil e Portugal jamais tenham necessitado de governos messiânicos, populistas
e demagógicos. Na verdade, toda vez que isso ocorreu, a lista dos prejuízos e
dos atrasos foi muito maior do que a dos avanços e desenvolvimentos que teria caso
não os tivessem. No caso de Vargas, contudo, o estado brasileiro tinha tudo por
fazer e quase nada realizado desde a proclamação de uma república, em 1889, que
nunca funcionou direito exatamente por causa, por um lado, da fragilidade do
sistema representativo que substituiu a monarquia e, por outro lado, pelos tais
líderes messiânicos, populistas e demagógicos que sempre pontuaram na história
republicana brasileira.
Entre o saudosismo que muitos
brasileiros e portugueses nutrem pelo autoritarismo tanto de Vargas como de
Salazar, que lançaram as bases do 'envenenamento socialista' em seus países, o
denominador comum entre seus povos a impedir que o desenvolvimento social
(repito, político e econômico) venha sempre a ser obstruído e dificultado, é
exatamente a má qualidade, jamais combatida ou aperfeiçoada, da cidadania de
ambos os países.
Manter uma cidadania incapaz
de discernir o que suas sociedades realmente necessitam para prosperar e se
desenvolver, vendo-se vítima do contumaz canto de sereia do populismo
demagógico, representa, a meu ver, o ponto nevrálgico pelo qual ainda Portugal
se debate com uma dívida pública difícil de quitar e o Brasil, com uma economia
que hoje tem sido alardeada como a sexta maior do planeta, mas que não consegue
de fato mostrar um crescimento compatível com tal status, bem como um desenvolvimento humano que represente de fato
uma consequência do tamanho da riqueza gerada por uma população que cresce em
quantidade mas não em qualidade humana.
A velha crença, difundida ao
longo dos séculos XIX e XX que "ao estado compete prover tudo", gerou
um estatismo exagerado que não raro sufoca o empreendimento privado que tem se
contraposto às tentativas de se criar "welfare states". Tais medidas
têm incutido na mentalidade das pessoas que o estado é o responsável pela
garantia de muitos direitos que não são consubstanciados por deveres e
obrigações correspondentes. As pessoas buscam viver sob a égide paternalista de
seus estados e a consequência disso é a formação de politburos governamentais
que impõem pesadas cargas tributárias, organizam-se como restritas burguesias a
viver nababescamente a custa de verdadeiros confiscos tributários e que acaba
por distribuir ao resto da população uma pobreza e até uma miséria igualitária
que determina o seu imobilismo econômico e a sua inexpressividade política e,
em muitos casos o isolamento do país do resto do mundo.
Assim, invariavelmente, se
comportam todos os tipos de socialismo, qualquer que seja o seu naipe, seja o
praticado por Getúlio Vargas, seja o praticado por Francisco Salazar, Josef
Stalin, Franco, Mussolini, Mao Tse Tung, Pol Pot, e uma série de outros
“salvadores da pátria” que, na verdade, apenas a arrastam para situações
trágicas ou, ao menos, indesejadas.
Nenhuma dessas nações – as
nossas duas incluídas – jamais pensou num modo de criar uma cidadania melhor,
mais educada e profissionalmente competente, que pudesse lançar as bases de
instituições democráticas mais robustas e eficientes do que a que dispomos hoje
em dia. Isso só se consegue com o ensino e a educação – duas coisas díspares
embora complementares – como ficou bem demonstrado no crescimento vertiginoso
dos chamados “tigres asiáticos” e como se observa nas nações mais desenvolvidas
do planeta.
Com um estado na mão para ser
construído, Getúlio Vargas foi buscar na legislação alemã a organização de uma
Previdência Social que inexistia no Brasil. Mesmo assim, o fez de forma
fragmentária, lançando mão da oferta de assistência médica e hospitalar
gratuita – apesar de ser o serviço público mais oneroso que existe – como
poderoso chamariz para a adesão do empresariado e da população.
O superávit da arrecadação, no
entanto, em virtude do interregno entre a criação do sistema e o surgimento dos
primeiros aposentados e pensionistas, permitiu que isso fosse possível, mesmo
condenando o sistema a um horizonte de insolvência futuro.
Mas, a imprevidência sempre
foi uma característica do imediatismo político dos líderes messiânicos,
populistas e demagógicos. Se, pelo menos, essas benesses distribuídas pelo
estado condicionassem a obrigatoriedade de escolaridade e de se ter completado
o segundo grau de ensino e de educação como condição para o exercício da
cidadania, mesmo com uma “previdência hoje no vermelho”, certamente teríamos
formado, no Brasil, uma cidadania de muito melhor qualidade do que temos hoje,
que vende o seu voto por esmolas que, no final das contas, desestimula o
beneficiário ao trabalho produtivo e acaba por condená-lo à pobreza crônica
autossustentada, embora útil à restrita burguesia estatal que a explora de modo
sistêmico para se manter no poder.
O resultado prático do exposto
é que as estatais que deram certo foram aquelas que, em situação
pré-falimentar, foram, muito mais tarde privatizadas pelo improvável, porém,
para a sorte do Brasil, excelente governo de Fernando Henrique Cardoso, que as
privatizou. As que continuam sob a égide do estado brasileiro, tendo a PETROBRAS
como sua principal cornucópia, crescem hoje como rabo-de-cavalo, ou seja, para
baixo.
Para completar essa breve
digressão, quero comentar a alusão do autor quando escreve que Vargas criou “um
programa de nacionalismo desenvolvimentista, que permitiu ao Brasil furtar-se
da colonização econômica norte-americana”. Ora, se, com relação a essa pretensa
“colonização estadunidense”, o resultado teria sido algo semelhante ao
soerguimento do Japão e da Europa Ocidental no pós-segunda guerra mundial,
quero dizer, então, que demos um enorme azar por ela não ter ocorrido ao sul do
Equador.
Aliás, eu gostaria de citar
aqui algum caso de “colonialismo estadunidense” no mundo, apesar de os EUA
terem sido colonizados pela nação mais colonizadora do mundo, a Grã-Bretanha.
Talvez, mesmo, por isso, tal colonização americana jamais tenha ocorrido em
lugar algum do mundo, exceto no próprio território americano através da guerra
contra o México, que, na verdade, foi uma luta contra a colonização espanhola.
O nacionalismo xenofóbico não
se explica num mundo cada vez mais globalizado e por diversos equívocos, dentre
os quais se destaca o falso conceito de “capital estrangeiro”. Os países menos
desenvolvidos precisam aprender que o capital passa a pertencer ao local onde
ele é investido na geração de trabalho e riqueza, desde que basicamente isso
permaneça na esfera privada. O que o capitalista vai fazer com o seu lucro diz
respeito apenas a ele, tanto faz que seja um nacional ou um estrangeiro.
Cabe ao estado tributar
basicamente o lucro – que é a medida da eficiência capitalista – e ciar as
melhores condições jurídicas de segurança para que o capitalista se sinta
estimulado a reinvestir grande parte de seus lucros no país que os proporciona.
Quando é o estado que se
arvora em substituir o papel do capitalista privado, exercendo um “capitalismo
estatal”, a história do século XX nos ensina que o resultado disso é
basicamente funesto.
Título e Texto: Francisco Vianna, 05-05-2014
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