Valdemar Habitzreuter
Resumo: A filosofia de Henri Bergson nos mostra que podemos encarar a vida de duas maneiras. Uma através da capacidade intelectiva donde desponta a ciência e a tecnologia que nos dá o prazer do bem-estar material, e outra pela faculdade intuitiva que nos mostra um modo de ser que nos insere na alegria da vida. Bergson nos leva ao entendimento de que a vida é uma verdadeira fonte de alegria quando nos deixamos guiar pelo conhecimento intuitivo que nos proporciona o desfrute de uma realidade que não captamos pelo entendimento intelectual. A apreensão dessa realidade é uma experiência da alma, do eu profundo. Os místicos, os detentores por excelência do conhecimento intuitivo, denominam essa realidade de realidade divina.
INTRODUÇÃO
Proponho-me, neste artigo, a examinar um aspecto da
filosofia de Bergson concernente a sua proposta de direcionar o ser humano para
uma vivência supra-intelectual.
A filosofia de Bergson situa-se na corrente
espiritualista francesa e caracteriza-se por uma filosofia evolucionista no
sentido de que há um impulso de vida – seu famoso élan vital -, que é movimento
criador desenrolando-se num tempo real. A esse tempo real ele dá o nome de duração (durée)[1]
como movimento dinâmico de ininterrupta criação do novo imprevisível e
irrepetível. No ser humano, esse movimento criador significa deixar-se
transportar pelo élan vital numa
constante liberdade de evolução espiritual, atingindo a Supra Consciência donde
se origina. Percebemos nessa duração de movimento dinâmico o eu real que se
cria continuamente a si mesmo. No dizer de Bergson, “isto que ultrapassa o
corpo por todos os lados e que cria atos ao se criar continuamente a si mesmo,
é o eu, é a alma, é o espírito - o
espírito sendo precisamente uma força que pode tirar de si mesma mais do que
contém, devolver mais do que recebe, dar mais do que possui”[2]
No ser humano subjaz, pois, esse eu profundo, ou alma, que se caracteriza pela liberdade de ação num
dinamismo de autocriacão. Diferentemente do animal irracional que vive à mercê
do instinto imposto pela natureza para sua subsistência e organização
repetitiva, o homem tem sua tônica na liberdade de ação e criação. Sua
trajetória na vida é um avançar constante para o imprevisível e irrepetível, é
querer ultrapassar-se qualitativamente.
MORAL
FECHADA E RELIGIÃO ESTÁTICA
Concomitantemente ao eu profundo há o eu superficial
da inteligência que está às voltas com a angústia e o medo, pois está
desconcertado pelo que a vida lhe pode reservar: tragédias, doenças, velhice,
morte... Este eu superficial fomenta estratégias para sobreviver, e percebe na
vida associativa (em grupo) um elemento de sobrevida. Torna-se, assim, um ser
sociável que lhe confere maior força, apoio e equilíbrio para o enfrentamento
das vicissitudes. Mesmo assim, a vida em sociedade lhe é penosa por causa da
pressão da inteligência em querer para si a totalidade do bem-estar (egoísmo),
e o ‘outro’ ser um empecilho, uma ameaça frente ao desfrute dos bens que a vida
lhe fornece. Daí a necessidade de leis e regulamentos para se viver em
sociedade. Nos animais - no exemplo das formigas e abelhas -, a vida em
sociedade é determinada pelo instinto em que cada indivíduo age e vive para o
sucesso do todo da coletividade. Todos trabalham e se sacrificam pela
sobrevivência do grupo para garantir a sua própria. Há aí uma obrigação
instintiva pelo sucesso da coletividade sem opção para uma escolha individual.
Chama-se a isso uma sociedade fechada onde não há outra opção que laborar de um
modo autômato para a subsistência coletiva. Fechada, porque há uma
circularidade de criação, não há inovação, tudo é repetitivo. Os homens ao se
imporem inteligentemente deveres e obrigações também constituem uma sociedade
fechada como condição para garantirem sua subsistência e para não
autodestruírem-se; habituam-se aos deveres e obrigações e assim exercem uma
rotina de hábitos sem se abrirem ao novo. Neste caso da sociedade fechada dos
homens pratica-se uma moral de pressão
que simplesmente visa à conservação da sociedade. Ocorre nessa sociedade
fechada também um movimento circular em que as obrigações, quando cumpridas,
fornecem um estado de bem-estar individual e social sem, no entanto, atingir um
estado de ‘emoção’[3]
de alegria pela vida, mas um simples prazer do funcionamento normal da vida.
Vê-se que a inteligência, ao impor-se uma moral de pressão ou moral fechada,
não atinge o ponto culminante em que o homem possa estar no pleno gozo da vida.
Sente que algo está lhe faltando.
Ao lado dessa moral fechada sobrevem também uma
religião estática; isto é, pratica-se uma religião dogmática, elaborada pela
inteligência humana. É certo que, através da inteligência, o ser humano
libertou-se das amarras do automatismo de uma espécie, mas, ao mesmo tempo,
sobreveio-lhe a angústia da incerteza da vida, pois a inteligência tornou-se um
elemento especulativo e fator de preocupação quanto ao seu destino. É então que
a inteligência utiliza-se da ‘função fabuladora’ para enfrentar os medos e aflições
de seu mundo interior. A religião é obra da função fabuladora da inteligência.
Através dessa função fabuladora, o ser humano cria o fenômeno da religião que
seria sua salvaguarda perante os fenômenos incognoscíveis da vida que lhe
incutem temor e perigo; concretiza representações imaginativas de seres
superiores que se tornam uma necessidade vital e um instrumento para enfrentar
as angústias de sua alma. Concebe então uma religião com dogmas e regras
convencionais fixas no culto aos deuses que ele projeta. É uma religião de
conveniência que tem sua utilidade para garantir ao ser humano a proteção
desses deuses, na lida com o mundo. Não há uma dinâmica evolutiva espontânea da
alma (alegria), mas dependência às
convenções impostas pela inteligência humana.
MORAL
ABERTA E RELIGIÃO DINÂMICA (misticismo)
Mas, distinta dessa moral de pressão e dessa religião
estática, encontramos personalidades que se colocam fora da sociedade fechada e
praticam uma moral de aspiração onde
não há o sentido da circularidade de hábitos para a conservação da sociedade.
Estes aspiram ao novo e colocam-se numa sociedade aberta. Há aí um sentimento de progresso, em que a emoção aflora como entusiasmo da marcha
para a frente. (...) Progresso e
marcha para a frente confundem-se aqui com o próprio entusiasmo. Há neles um
sentimento de libertação[4].
Estas personalidades têm a plena compreensão da vida que o conhecimento
intuitivo lhes proporciona, deixam-se guiar pelo eu real, profundo. E surge daí
uma religião dinâmica, pois o ser humano não se realiza a contento pela
observância da religião estática que é pura anuência aos dogmas fabricados pela
inteligência. A característica da intuição na filosofia de Bergson é experimentar
a interioridade das coisas, e quando se trata de experienciar o interior do ser
divino, esta experiência se dá conta de uma dinamicidade: Deus é movimento,
dinamismo, ação, criação.
Deus não é mais o
motor imóvel, alheio à criação, mas é o motor móvel de pura motricidade
criadora. O ser humano intuitivo ultrapassa então a inteligência fabuladora e
fabricadora de meios para relacionar-se com Deus, e estabelece doravante um
contato e uma união imediatos com ele, insere-se na sua dinamicidade. O homem
já não mais pratica uma religião estática, mas pratica agora uma religião
dinâmica; ultrapassa o relacionamento inteligente com Deus para viver a
dinamicidade de Deus. Esta é a religião dinâmica à qual Bergson alude,
praticada pelos místicos. Resulta de um
retorno na direção donde procede o élan vital, e nasce da pressentida captação
do inacessível a que a vida aspira.
A religião
dinâmica que Bergson concebe é a história de Deus no seu fluxo criador,
inserindo o ser humano nessa história e privando-o da angústia da vida. O homem
místico pratica essa religião e vive otimista e cheio de esperanças, já que é
perpassado pela vida divina.
A experiência
mística é o empirismo superior de Bergson. Bergson se coloca a questão se há
uma experiência que nos elucide sobre a existência e natureza de Deus. Numa
carta endereçada ao seu discípulo Le Roy, ele diz: “A existência de Deus é dada
numa intuição. A inteligência propriamente dita, a inteligência pura, iria
parar no ateísmo. ... porque imagino a inteligência como uma faculdade voltada
essencialmente para a matéria, articulada como a matéria”[5].
Um objeto
existente é um objeto que é percebido ou que pode ser percebido. É, portanto,
dado numa experiência real ou possível. Bergson está consciente da dificuldade
de provar que possa se dar tal experiência para uma experiência de Deus. Mas
ele sugere que a reflexão sobre o misticismo pode servir como confirmação de
uma posição já alcançada, ou seja o misticismo é essa experiência. Seu
argumento é: se a verdade da evolução criadora foi estabelecida, e se podemos
visualizar a possibilidade de uma experiência intuitiva do princípio de toda
vida, a reflexão sobre os dados do misticismo pode provavelmente ajudar na tese
de que há uma atividade criadora transcendente. Para Bergson, o misticismo,
lança uma luz para a compreensão da natureza divina. “Deus é amor, e ele é
objeto de amor”: isto é toda contribuição do misticismo. Deus é amor e objeto
de amor, é tudo o que os místicos sabem dizer de Deus, porque têm essa
experiência. As dificuldades lógicas da existência de Deus, Bergson não as
procura resolver numa postura como a de muitos filósofos. Sua posição é que, enquanto a reflexão sobre
a evolução pode nos trazer a convicção de que há uma imanente energia criadora
(élan vital) que opera no mundo, a reflexão sobre o misticismo dá mais luz
sobre a natureza desse princípio de vida, revelando-o como amor.
A questão da existência e da natureza de Deus só pode
ser abordada quando há uma abertura para um acesso direto, através de uma percepção
direta, fornecida pela imanência, mesmo que parcial, da união mística. Porque
Deus não é um Deus fora de nós, ele está no meio nós. Sua essência é poder
entrar em contato com a alma que se eleva até ele. A experiência mística tem
justamente o efeito de manifestar ao mundo as virtudes dessa união. Não sob sua
forma descritiva, mas na ação efetiva, poderosa e amante. O que conta na
experiência mística não é o que a linguagem nos proporciona, mas o que a ação
proporciona. Esta experiência mística é possível, pois ela acontece, e os
místicos o atestam, pois foram os grandes animadores da humanidade. Além do
mais, reina um consenso entre eles pela coerência de suas ações, mesmo que esse
consenso não esteja expresso em suas teologias escritas.
Em suma, este Deus imediatamente percebido traz
consigo a prova de sua existência. Percebê-lo é dizer que ele existe. O
misticismo nos fornece “o meio de abordar de certa maneira, experimentalmente,
o problema da existência e da natureza de Deus”[6].
Ele é acessível à experiência mística.
O misticismo é, por assim dizer o ápice, da filosofia
evolutiva de Bergson, em que o impulso vital é a mola propulsora duma volição
evolutiva que é um esforço misterioso, rompendo os obstáculos à manifestação da
vida. Esse esforço é de Deus, se não for o próprio Deus. Diz ele:
Aos
nossos olhos, o desabrochar do misticismo é uma tomada de contato, e por
conseguinte uma coincidência parcial, com o esforço criador que a vida
manifesta. Este esforço é de Deus, se não é Deus mesmo. O grande místico seria
uma individualidade que transporia os limites designados à espécie por sua
materialidade, que continuaria e prolongaria assim a ação divina[7].
Este esforço criador é algo indefinível, mas é um
imenso impulso de amor que perpassa a alma mística impulsionando-a cada vez
mais alto para o ato supremo de amor por excelência que é Deus. Amor, assim, é
uma superabundância de vida e o místico vive-a intensamente. Essa vivência
traduz-se em ação, porque o amor não se realiza passivamente, mas em movimento
contínuo e transformador. O místico faz-se canal desse poderoso impulso de amor
que flui em benefício de todos os homens.
Digamos
que é de agora em diante, para a alma uma superabundância de vida. É um impulso
imenso. É um empurrão irresistível que a arremessa às mais vastas iniciativas.
Uma exaltação calma de todas as suas faculdades faz com que ela veja grande, e
por mais frágil que seja, ela realiza poderosamente[8].
O que proporciona essa vivência mística, essa
realidade que é o amor de Deus, e que arremessa as almas às mais vastas
iniciativas na ânsia de coincidir com esse amor, é “a intuição mística que
seria uma participação na essência divina”[9].
O misticismo, pois, é a própria vivência da intuição,
ou seja, da realidade intuída que é Deus, objeto de amor; e por isso, diz
Bergson:
O
filósofo teria imediatamente de definir essa natureza (de Deus) se quisesse
exprimir o misticismo em
fórmula. Deus é amor, e é objeto de amor: tudo o que o
misticismo tem a dizer e a fazer consiste nisso. Desse duplo amor o místico
jamais acabará de falar. Sua descrição é interminável porque a coisa a
descrever é inexprimível. Mas o que ela diz claramente é que o amor divino não
é alguma coisa de Deus: é o próprio Deus[10]
.
Essa união mística com Deus, que é vivência de amor,
não se resume simplesmente no êxtase ou em contemplar a realidade de Deus como
se fosse o término de uma viagem ou uma merecida aposentadoria in regno Dei, pelo esforço despendido. O
misticismo completo, segundo Bergson, não se detém nesse estágio. Ele é muito
mais que isso: ele é ação. Ação no sentido de que Deus não seria apenas um
objeto a ser contemplado e extasiar-se nele, mas no sentido de participar de
sua realidade dinâmica que é vida incessante, ação e liberdade criadoras.
A mística, com essa característica de desenvolver-se
no agir do amor divino, deixa Bergson à vontade para declarar que “o misticismo
completo é, com efeito, o dos grandes místicos cristãos”[11].
Diferentemente do misticismo oriental, o misticismo cristão não procura evadir-se
da vida para escapar dos sofrimentos advindos pelo agir no mundo. Não renuncia
à vida de ação que é o componente para “atingir o ponto em que a vontade humana
se confunde com a vontade divina”[12].
A INCOMPLETUDE DO MISTICISMO ORIENTAL
O místico oriental, segundo Bergson, não soube
prosseguir viagem, contentando-se em estacionar extasiado no cume da montanha e
contemplar a terra prometida sem vontade de nela penetrar e dar asas ao impulso
místico de agir no mundo com amor e contagiar a tudo e a todos para a marcha
evolutiva. “A alma do grande místico não se detém no êxtase como no final de
uma viagem. É isso sim, o repouso, se quisermos, mas como numa parada em que a
máquina ficasse sob pressão, com o movimento continuando no mesmo lugar em
abalo, até novo salto à frente”[13].
No misticismo oriental executa-se uma mística de
chegada que estaciona na realidade estática do Ser e contenta-se com o êxtase e
contemplação, não desejando ultrapassar esse estágio que implicaria agir no
mundo e divulgar o amor desse Ser. É diferente no misticismo cristão em que “a
alma mística, ao ultrapassar o êxtase ou pura contemplação, quer ser um
instrumento em que Deus
age por ela e nela: a união é total, e por conseguinte, definitiva”[14].
E Bergson exemplifica bem essa mística de êxtase, ou pura contemplação do
misticismo oriental, ao referir-se a Plotino:
No
que se refere a Plotino, foi-lhe dado ver a Terra Prometida, mas não o
tocar-lhe o solo. Ele foi até ao êxtase, estado de alma em que se sente ou se
crê sentir-se na presença de Deus, estando-se iluminado por sua luz; ele não
ultrapassou este último estágio para atingir o ponto em que a vontade humana se
confunde com a vontade divina, prejudicada que fica a contemplação ao
transformar-se em ação[15].
Bergson viu nos grandes místicos cristãos a realização
desse impulso vital criador que é ação e não pausa. Neste sentido, ele diz: “a
direção do amor místico é a mesma direção do impulso de vida; ela é esse
próprio impulso, comunicado integralmente a homens privilegiados que queiram
depois imprimi-lo à humanidade inteira[16].
O amor místico “coincidindo com o amor de Deus por sua
obra, amor que tudo fez, ele revelaria, a quem soubesse interrogar, o segredo
da criação”[17].
Esse impulso de amor do qual o místico é detentor faz dele um criador, pois
inserido no amor divino, sua tendência é agir para inserir toda humanidade na
dinamicidade divina. “Na realidade, para os grandes místicos trata-se de
transformar radicalmente a humanidade, começando por dar o exemplo. O objetivo
só seria atingido se houvesse finalmente o que deveria ter existido
teoricamente na origem: uma humanidade divina”[18].
Dessa maneira, Bergson, ao entender que o misticismo
completo é o misticismo que se encontra no cristianismo, chega ao Cristo do
Evangelho. E aqui ele fala como filósofo, não colocando o problema teológico se
Cristo é a encarnação de Deus. Sua filosofia evolucionista desembocou
naturalmente num Homem-Deus. Diz ele que “de fato na origem do cristianismo há
o Cristo. Do ponto de vista em que nos colocamos, e de onde aparece a divindade
de todos os homens, pouco importa que Cristo se diga ou não um homem”[19].
Em Cristo surgiu o Homem-Deus através do impulso vital
criador, ou melhor, a metafísica bergsoniana da evolução criadora desembocou em um Homem-Deus sem se
ter colocado o problema teológico do Deus-homem. E no dizer de Henri Gouhier:
“Não se trairia o pensamento de Bergson dizendo: a humanidade de Cristo é de
tal maneira perfeita que é preciso agora escrever Deus, e sua divindade de tal
maneira real que é preciso também escrever Homem[20]”.
Não importa o nome que se dê a esse Homem-Deus, ele é
o reflexo da ação do impulso criador. Que se dê o nome de Cristo ou não, a
verdade é que a mensagem de amor deixada no sermão da montanha teria por força
algum autor. Bergson, dessa maneira, encontra o Cristo no interior de sua
filosofia. Como diz Henri Gouhier: “O Cristo dos Evangelhos é filosoficamente o
Absoluto místico; para reconhecê-lo como tal não se requer nenhum ato de fé,
basta ser bergsoniano; reconhecê-lo como tal não implica adesão a alguma
religião constituída”[21].
É nessa perspectiva que Bergson vê no cristianismo um
misticismo completo, pois, o impulso da vida atingiu o Absoluto místico numa
dinâmica evolutiva de criação que se traduz em amor de Deus.
O verdadeiro místico não se propõe a fugir da
realidade mundana. Ele não sente orgulho pelo privilégio da elevação mística.
Ele antes quer ser servo e ajudante de Deus na empreitada de elevar todos os
homens à realidade dinâmica divina. “Ela (a pessoa mística) sozinha se apercebe
de uma transformação que a eleva à categoria dos adjutores Dei, pacientes em relação a Deus, agentes em relação aos
homens. E nem mesmo sente orgulho dessa elevação. Pelo contrário, grande é sua
humildade”[22].
O místico propõe-se a cumprir a tarefa de sensibilizar a todos os homens e
levá-los à novidade absoluta da realidade divina aonde eles agem e se movem.
A metafísica positivista de Bergson culmina, pois, na
experiência mística como grandeza intuitiva da consciência humana em que seres
privilegiados esperienciam, ou intuem, uma força criadora que se define pelo
amor, e essa força é o próprio Deus que em ultima instância é a realidade da
duração (durée), um dinamismo
criador. Segundo Franklin Leopoldo e Silva,
Este
dinamismo criador que supera os limites da humanidade atualizada numa
sociabilidade determinada, sendo direção, é de certa forma guiado por algo cuja
intuição ultrapassa largamente a capacidade de entendimento daquele mesmo que
intui. São ocasiões em que, no homem, algo de maior do que ele mesmo age, como
que por ele: uma coincidência que não pode ser expressa, já que é a
identificação entre o individuo e algo que o ultrapassa infinitamente e que no
entanto ele encontra no mais profundo de
si mesmo, no cerne de sua própria interioridade. Uma mensagem que não saberia
expressar, e que por isso tenta viver. Uma visão que não pode transmitir, e que
por isso tenta dar a ver. Essa união
espiritual é, no entanto, a definição possível do misticismo: na intuição
mística devemos, portanto procurar os indícios da identificação entre o homem e
o absoluto[23].
CONCLUSÃO
Bergson dá-nos a
entender que a experiência mística – conhecimento intuitivo - transporta o ser
humano ao interior da dinamicidade da vida, elevando-o a uma realidade
supra-humana, ou melhor, acima do que lhe proporciona a inteligência. Esse
conhecimento coloca o ser humano em contato com a força criadora divina em que
ele experiencia a VIDA em
plenitude. Essa vida em plenitude é uma paz dinâmica, de
ação, que se expande e se propaga a toda humanidade num processo evolutivo,
sendo o inverso da pseudo paz que supomos termos atingido quando nos
encontramos satisfeitos pela prática de nossas obrigações e deveres que geram o
bem-estar ou paz social. A paz dinâmica não sossega, é sempre ativa e dinâmica
para envolver a todos na harmonia e alegria da vida. Essa paz dinâmica vem à
tona pela prática da religião dinâmica, através da união mística com Deus.
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter – mestre em Filosofia (UFSC), 1-10-2014
BIBLIOGRAFIA:
BERGSON, Henri A Evolução Criadora.
Rio de Janeiro, ed. Ópera Mundi, 1971.
As Duas Fontes da
Moral e da Religião. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
Cartas,
Conferências e outros Escritos. São Paulo, E. Victor Civita, 1984.
Oeuvres. Paris, PUF, 2001.
GOUHIER,
H. Bergson et Le Christ des Évangiles.
Paris,
J. Vrin, 1999.
MARTINS, D. Bergson
– A intuicão como Método na Metafísica. Porto: Liv. Tavares Martins,
1957.
MEYER, F. La Pensée de Bergson. Paris-Montréal,
Bordas, 1964.
SILVA, Franklin, Leopoldo e, BERGSON
– Intuição e Discurso Filosófico, São Paulo,1994.
[1]Para
Bergson, a realidade é durée
(duração), ou tempo real, é uma passagem, um fluxo criador, um devir em que
nada é estático, em que não há permanência, mas tudo está em constante transformação.
Portanto, duração é movimento indivisível, é ação criadora que engendra o novo
imprevisível e irrepetível, não é aplicável, pois, ao espaço que é estático. As
coisas estáticas, como nós as vemos no espaço, são um recorte desse movimento
criador; a essência da coisa é ser movimento, um ato de passagem de um estado a
outro, sem delimitações. Como diz Bergson: “tudo é obscuro na idéia de criação
se pensarmos em coisas que seriam criadas. (...) Não há coisas, há apenas
ações” (BERGSON, em A Evolução Criadora, 1971, p. 248).
[2]BERGSON, 1984, p. 84.
[3]Emoção’, para Bergson, é a alegria da alma que se cria continuamente a si mesma ao participar do movimento
criativo da vida. Pode-se fazer uma analogia com o artista quando cria sua obra
de arte e coloca nela sua emoção que é o ato de criar algo novo, e não uma
simples repetição ou cópia do já existente. Essa emoção do artista é a alegria da alma ao criar, diferente do prazer pelo desfrute de um bem material.
Daí a distinção que Bergson faz entre alegria
e prazer.
[4]Cf. BERGSON, 1978, p.43.
[5]Cf. MARTINS, 1957, p. 6.
[6]“il doit fournir le moyen
d’aborder en quelque sorte expérimentalement le problème de l’existence et de
la nature de Dieu” (BERGSON, Oeuvres,
2001, DS, p. 1179).
[7]“A nos yeux, l’aboutissement du
mysticisme est une prise de contact, et par conséquent une coïncidence
partielle, avec l’effort créateur que manifeste la vie. Cet effort est de Dieu,
si ce n’est pas Dieu lui-même. Le grand mystique serait une individualité qui
franchirait les limites assignées à l’espèce par sa matérialité, qui
continuerait et prolongerait ainsi l’action divine. Telle est notre definition” (BERGSON, Oeuvres, 2001, DS, p. 1162).
[8] BERGSON, 1978, p. 191.
[9]Ibidem, p. 218.
[10]Ibidem, p. 208.
[11]Ibidem, p. 187.
[12]Ibidem, p. 185
[13]Ibidem, p.190.
[14]Ibidem, p.191.
[15]Ibidem, p.182.
[17]Ibidem, p.193.
[18]Ibidem, p.197.
[19] Ibidem, p. 198
[20] GOUHIER, p. 118.
[21] Ibidem, p. 118-119.
[22] Ibidem, p. 192.
[23] SILVA, Franklin, Leopoldo
e,1994, p. 296.
Parabéns, Habtzreuter! Belíssimo artigo, sobre o pensador da duração. Forte abraço!!
ResponderExcluirHá muitas formas de ateísmo como há de religiões.
ResponderExcluirAté Bergson concorda.
A religião é um fenômeno humano sem lógica nenhuma.
Não existe uma única prova e resposta da filosofia que de explicações para a sua realidade.
Não subsiste a sua essência.
Sua natureza é vulnerável à eventos antes desconhecidos.
Parece mais disfunção congênita do que conhecimento na busca de encontrar as causas mais banais para explicar realidades realmente difíceis.
Ser ateu é uma posição filosófica muito mais disciplinada do que todos os contextos religiosos.
Garanto que 100% do mundo nasce dentro de uma religião, se 1 % são ateus, a 99% da criminalidade é dos 99% dos religiosos que restam.
Não crer em deus é ter crença em outras explicações, se fosse simplesmente o fato do tal deus, aí até eu acreditaria em conflitos.
Para mim não há esse conflito.
Viver de forma ideológica é ficar distante da realidade e ter visão platônica do mundo.
A vida não precisa ter sentido, é simples, VIVA!
Todos somos niilistas, basta pisar no nosso calo e viramos socialistas.
No fundo eu ainda acho que o chefe não é escolhido por sua capacidade, mas por sua força, infelizmente não é mais muscular é apaniguada e seguidores e dinheiro.
bom dia
Sr editor, eu havia lhe comunicado sobre o nosso capital intelectual, que é dos melhores
ResponderExcluirO texto do Habitz, vem a confirmar a minha afirmação
Mesmo assim e eu não compreendo , estamos patinando quando deveríamos estar ganhando de 7 a1.
Alguma dúvida ?
José Manuel
Prezado José Manuel;
ExcluirMuitas razões explicarão a nossa "patinagem". Uma delas foi a de ter ficado preso umbilicalmente à malta do PT/CUT... e muitos censurando e patrulhando a diferença e a oposição.
Foi a era do pensamento único que, espero sinceramente, tenha acabado.
Quanto ao texto de Valdemar Habitzreuter só vem valorizar e prestigiar a nossa revista.
Obrigado.
Abraços./-
Jim