Manuel Villaverde Cabral
Apesar do patrioteirismo
demagógico dos improvisados defensores da TAP, a opinião pública está
literalmente farta da prepotência de alegados grevistas que apenas defendem os
seus privilégios.
A memória é curta mas creio
que nenhum governo teve uma vida tão árdua como o actual. Tem mantido um braço
de ferro constante não só com a oposição mas, sobretudo, com as corporações
profissionais entrincheiradas nos seus privilégios estatistas desde o 25 de
Abril e, muitas vezes, já antes. Acrescem a isso as arbitrariedades permanentes
de um Tribunal Constitucional que usurpou poderes sem os quais nenhum governo
terá a possibilidade de reduzir o despesismo público acumulado ao longo de
décadas nem de cumprir os termos do memorando assinado há mais de três anos e
meio com os credores. Imagine-se que o Tribunal Constitucional tinha tido o
mesmo comportamento quando o governo do país – sempre com o PS – teve de gerir
duas bancarrotas financeiras que chegaram a levar a inflação a 30%!
É um milagre que o governo
tenha durado até hoje, sobretudo tratando-se de uma coligação cuja
instabilidade tem sido permanente, mesmo depois do lamentável episódio da
«irrevogável» demissão do ano passado. Com efeito, Paulo Portas nunca cessou,
ao longo destes três anos e meio, de piscar um olho populista, seja aos grupos
sociais que supostamente apoiam o CDS, como os reformados, seja à própria
oposição, dando mais de uma vez a impressão de estar pronto a aliar-se com o
PS, já que a comunicação social decidiu de antemão que o PSD perderia a maioria
quando houvesse eleições…
É certo que a oposição e as
corporações não agradecem ao governo as múltiplas cedências que este tem sido
obrigado a fazer para não desagradar aos partidos e às corporações que
beneficiam, em turnos alternados, com o anquilosamento de uma sociedade e de
uma economia insustentáveis a longo-prazo. Sair do «euro», como é tentação dos
soberanismos de direita e de esquerda, não resolveria nada; apenas faria recuar
Portugal décadas.
Todavia, se a oposição e as
corporações não agradecem as cedências voluntárias e involuntárias do governo,
não é por não beneficiarem com elas. Claro que beneficiam. Inversamente, o
único trunfo político que o primeiro-ministro e o seu núcleo resistente podem
reivindicar é esse mínimo de coerência que têm demonstrado e que lhes permitiu
aguentar o país até aqui. Quando António Costa tomou o poder no PS, o braço de
ferro do governo com os seus adversários ficou ao rubro. Redobrou a gritaria contra
toda e qualquer medida governamental, mesmo que figure no memorando assinado
por Sócrates em pessoa, e a expectativa eleitoral desencoraja à primeira vista
quaisquer novas medidas de fundo.
Pode no entanto tratar-se de
um erro de cálculo. Se é forte a tentação do governo para fazer mais cedências
com vista a eventuais ganhos eleitorais, a verdade é que as forças sociais e
políticas que, sem apoiarem o PSD nas sondagens, também não estão rendidas ao
populismo de esquerda nem de direita, pois não acreditam na viabilidade de
nenhuma dessas soluções, tais forças – dizia eu – mantêm-se fiéis,
contrariadamente que seja, à coesão europeia. Elas esperam do governo mais – e
não menos – firmeza na reforma possível do Estado e na manutenção dos magros
ganhos de que o PSD se pode gabar. Em suma, a maioria da população que suportou
os «cortes» gostaria de continuar a acreditar que isso serviu para alguma
coisa, concretamente para diminuir o desemprego, estimular um mínimo de
crescimento económico e manter-nos na Europa.
Vem isto a propósito dos dois
braços de ferro que as corporações do chamado «serviço público» estão a fazer
com o governo na TAP e na RTP, com o apoio unânime das oposições e a
benevolência habitual da comunicação social. A arrogância desmedida dos sindicatos
da TAP só é comparável à da direcção da RTP demitida pelo governo. Sendo assim,
qualquer cedência governamental seria funesta não só para as expectativas
eleitorais do PSD mas também para o país, já de si ameaçado por uma conjuntura
internacional altamente instável, desde a Grécia à Rússia.
Apesar do patrioteirismo
demagógico dos improvisados defensores da TAP, acobertados atrás da esperança
de uma vitória do PS nas próximas eleições, não há qualquer dúvida que opinião
pública, portuguesa e estrangeira, está literalmente farta da prepotência de
alegados grevistas que apenas defendem os seus privilégios. O governo está,
pois, à vontade para declarar a requisição civil e, mais, dar a conhecer a toda
a gente os rendimentos dos funcionários queixosos a fim de a opinião pública
saber do que se está a falar.
Quanto à RTP, nunca aqui se
deveria ter chegado. Bastava ter sido coerente com a vontade inicial do governo
em fechar essa imensa empresa do «antigamente» com excepção daquilo que fosse
considerado rigorosamente «serviço público». Mas infelizmente isso desagradava
aos políticos do governo que esperavam continuar a ter na RTP o habitual
megafone e, possivelmente, também não convinha, em plena crise do despesismo,
aos agentes privados que actuam no mercado publicitário televisivo, os quais,
como de costume, temiam a concorrência de quem adquirisse o grosso da RTP. É
este braço de ferro altamente oneroso, tanto do ponto de vista económico como
político, que o governo não pode voltar a repetir.
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador, 18-12-2014
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