Rui Ramos
As velhas lideranças falharam
e perderam alguns dos meios com que controlavam o país. Há lugar para novos
protagonistas. E esta semana, Maria Luís Albuquerque deixou o aviso: pode não
se ir embora.
A entrevista de
Maria Luís Albuquerque a Maria João Avillez e David Dinis, aqui no Observador,
deve ter tirado uns minutos de tranquilidade a muito oligarca, e justifica
alguma reflexão.
A bancarrota de 2011, evitada
in extremis pelo pedido de ajuda internacional, quase desmanchou o regime:
demonstrou a incompetência da classe dirigente, e desfez as expectativas dos
cidadãos. A oligarquia, porém, não desesperou.
Primeiro, acreditou que o
problema português era suficientemente insolúvel e comum a outros países
europeus (como a França e a Itália), para não ser um problema: a UE acabaria
por ter de usar os seus recursos para restabelecer um simulacro dos bons velhos
tempos. Daí a alegria com que os nossos oligarcas proclamam que a dívida não é
sustentável. É o optimismo do quanto pior, melhor.
Segundo, esperou encontrar
bodes expiatórios para a austeridade. O papel foi distribuído, naturalmente,
aos actuais governantes: eram “neo-liberais”, que por simples capricho de
sadismo ideológico teriam forçado o país a uma tortura orçamental
desnecessária. Um dia, os “verdadeiros” socialistas, os “verdadeiros”
sociais-democratas e os “verdadeiros” democrata-cristãos desceriam dos céus
televisivos para, muito unidos, expulsarem os intrusos. Não estava previsto que
estes resistissem. Até por muitos deles não serem “políticos”, talvez lhes
bastasse terem acrescentado ao currículo uma experiência governamental, para
saírem de cena em sossego, levando consigo toda a culpa.
Ora, a entrevista de Maria
Luís criou dúvidas a este respeito. Em primeiro lugar, lembrou que o contexto
nunca será propício a restaurações do antigamente. Só porque o problema é muito
grande não quer dizer que não haja um problema: a UE não tem recursos para
poupar todos os países ao ajustamento durante todo o tempo, como descobriram a
França e a Itália. O poder político não chega para mudar o mundo.
Mas Maria Luís criou outra
perspectiva ainda mais inquietante para os putativos restauradores: é que pode
não se ir embora. Ela formulou a hipótese em relação a Passos Coelho (“seria um
excelente líder da oposição”), mas deve-se entender sobretudo em relação a ela
própria. Até porque “gosta de política”, como esclareceu, tem uma atitude
distintiva, como provou (por exemplo, não vê drama nenhum em estar à direita),
e é relativamente jovem, como fez questão de lembrar (“sou muito nova para
escrever memórias”). Subitamente, a ministra das Finanças obrigou-nos a aceitar
que esta governação pode não se reduzir a uma mera improvisação para executar o
memorando, como por vezes pareceu.
Até agora, vivemos no século
XXI sob lideranças que no PS derivam dos governos de Guterres (José Socrátes,
António José Seguro, António Costa), e no PSD dos governos de Cavaco Silva
(Durão Barroso, Santana Lopes, Marques Mendes, Luís Filipe Meneses, Manuela
Ferreira Leite). Irão os actuais ministros e secretários de Estado formar uma
outra geração de dirigentes políticos, a começar pela própria Maria Luís?
Não é uma hipótese bizarra. Em
Portugal, todas as gerações de líderes partidários começaram em governos, e
neste momento, depois do espectacular fracasso das chefias surgidas na primeira
década do século XXI, há lugar para novos protagonistas. Talvez tenha sido
sempre esse o maior medo dos velhos oligarcas, e daí a aversão desmesurada que
não foram capazes de esconder contra alguns dos mais jovens membros do governo. Uma coisa podem reclamar:
foram eles os primeiros a dar-lhes importância.
É verdade: para fazer política,
não basta gostar, nem basta ter atitude. É preciso formar grupo (porque ninguém
faz política sozinho, ou com um ou dois assessores) e falar para os cidadãos (e
não apenas para a burocracia europeia). Mas suponhamos que alguns dos actuais
governantes tentam e conseguem chegar a esse nível. Então, os pasteleiros de futuros “blocos centrais” terão uma dificuldade suplementar. Até agora só
contavam, para os seus entendimentos, com os velhos tarimbeiros do regime (os
“verdadeiros” sociais democratas, os “verdadeiros” democrata cristãos, etc.).
Como é que vão encaixar o novo pessoal político? Tudo será então um pouco mais
complicado do que se imagina na Câmara Municipal de Lisboa e arredores.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
18-12-2014
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