Felipe Pathé Duarte
As sangrentas execuções de
reféns no Iraque nada têm de tradição islâmica. O modelo para estes eventos
encenados pode ser mais facilmente encontrado na mise-en-scene das Brigadas
Vermelhas italianas.
Os grupos jihadistas vão tendo
na Europa um terreno fértil de recrutamento. Dos cerca de 3 mil europeus que
combatem na Síria e Iraque, sabemos que uma grande parte são emigrantes de
origem muçulmana de segunda/terceira geração – e até vamos encaixando isso.
Espantamo-nos é com o recrutamento de jovens europeus recém-convertidos, cuja
educação principal não partiu do Islão. Mas talvez não devêssemos.
Como explicação afundámo-nos
numa espécie de “excepcionalismo violento” muçulmano que, na verdade, não
existe. É bem mais simples que isso. Porém, fomos esquecendo – ou pusemos de
parte – um conjunto de circunstâncias que dantes levavam ao recrutamento de
outras militâncias dissidentes e violentas. É preciso ir para além da narrativa
jihadista para perceber o recrutamento. Assim, se equacionarmos diferentes
variáveis, vemos que não há nada de novo. Ou seja, à semelhança de outros
movimentos políticos radicais, o jihadismo é um movimento essencialmente jovem,
que explora o fascínio e a vertigem da violência.
A vertigem da violência
motivada por princípios ideológicos esteve sempre bem presente na cultura
ocidental – seja por uma questão de má gestão de expectativas, quebra
identitária, desintegração social ou psicopatia. Nas últimas décadas foi sendo
sublimada por várias formas de dissidência, nomeadamente por activismos
políticos que têm na acção armada uma forma de actuação, da extrema-direita à
extrema-esquerda (esta última de maior expressão) – basta lembrar o terrorismo
das Brigatti Rossi, o Baader Meinhof Gang, Action Directe ou as FP25.
Garantia-se assim a possibilidade de passar das palavras aos actos. Pela destruição,
puniam-se as representações dos valores Ocidentais – como o capitalismo –
pensando acelerar a transformação do mundo e da história. Para um jihadista
europeu de educação não-islâmica a diferença não é muita do que aqui se expõe.
O mundo pós-Guerra Fria
dificultou a permanência de organizações que reificassem este optimismo
trágico. Neste quase vazio esquecemo-nos que a violência política organizada
não se erradica: apenas deixou de ter estruturas funcionais que a catalisassem
tão bem como nos anos 60, 70 e 80.
Mas hoje o “Estado Islâmico”,
e outros grupos jihadistas, surgem como sendo as estruturas que melhor permitem
passar das palavras aos actos. Isto é, destilam operacionalmente violência
anti-Ocidental. E assim garantem a alteração do rumo de um quotidiano em que a
expectativa não corresponde à realidade.
Para os europeus recrutados, o
jihadismo pode então ser lido como uma espécie de avatar dos vários movimentos
políticos violentos que foram perdendo expressão no mundo pós-Guerra Fria. É
nessa orfandade ideológica inconsciente que o “Estado Islâmico” e outros vêm
recrutar. Basta ter em conta o trajecto dos jihadistas de nacionalidade
portuguesa – dos mais conhecidos mediaticamente, muito poucos têm ascendência
islâmica, e quase todos tiveram as suas expectativas de realização defraudadas.
À semelhança de outras
ideologias radicais, o jihadismo recruta em locais de exclusão social. Essas
franjas de tensão política, outrora ocupadas pelos extremos políticos usuais,
estão a ser progressivamente ocupadas por este movimento. E repare-se que a
montante nada daqui parte do Corão – mas do facto desses extremos políticos
terem adoptado valores da classe média; de haver a presença de populações
muçulmanas em áreas que anteriormente eram da classe trabalhadora; e também do
facto de que uma das causas do ódio anti-Ocidental estar essencialmente focada
nas regiões muçulmanas.
Mais ainda. As sangrentas
execuções de reféns no Iraque nada têm de tradição islâmica. O modelo para
estes eventos encenados pode ser facilmente encontrado na mise-en-scene das
Brigatti Rossi italianas no momento do sequestro e assassinato do
ex-primeiro-ministro Aldo Moro. A questão é que ao fetiche da violência se
juntou o efeito global dos novos media – trazendo progressivamente o jihadismo
ao nosso quotidiano.
Em suma, a razão de pertença a
movimentos de libertação de carácter messiânico e transnacional permanece
inalterada. Assim como o seu inimigo, o todo-poderoso imperialismo Ocidental.
Muda apenas a narrativa ideológica que os enquadra – neste caso o jihadismo.
Mas estes movimentos não estão enraizados só no mundo Ocidental ou no Médio
Oriente. São o produto da modernidade, do universalismo e da globalização. No
fundo, são o sintoma de uma doença da qual pretendem ser a cura.
Título e Texto: Felipe Pathé Duarte, Professor Universitário; Porta-Voz do OSCOT,
Observador,
6-1-2015
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