Carlos Lira
Sexta-feira Santa, santa sexta
deste ano de 2015, dia de jejum e abstinência de carne. Sexo? Nem ouvir falar!
Fala-se de peixada, fala-se de bacalhoada e fala-se de outros quitutes típicos
deste dia além de um bom vinho e só!... Afinal, vinho, Jesus bebeu, em transubstanciação,
vinho em seu sangue tornou e “deu-o a seus discípulos” conforme as escrituras.
Bem, sexo, até que Zé Raimundo
tentou fazer com Mariinha mas ela recusou.
- Hoje não é dia prá essas
coisas Raimundinho! – Raimundinho, inho, inho, inho...
Assim era tratado por Maria
das Dores, a Mariinha. Bem que Mundinho gostava daquela carne sestrosa, bunda
durinha, peitos fartos e, boa de cama, Mariinha era! Bem que seria bom pecar
com ela naquele dia que não se podia pecar... Mariinha, incontinenti, não cedia
nenhum tiquinho! Nem uma beiradinha!...
- Raimundinho, não se avexe!
Hoje não é dia de pecar! Vamos rezar na igreja! Vamos deixar a bulinação prá
depois! Prometo que depois da páscoa, vou fazer uma safadeza gostosa com tu...
Esta recusa cheia de promessas
deixou Raimundo mais carente, mais excitado. “O que fazer, né? A patroa quer
assim, e assim será!”
Surgiu uma ideia brilhante na
mente cheia de maldade deste nosso herói de verdade:
- Mariinha, vamos “se”
arrumar, arruma os meninos e vamos a Fazenda Nova assistir a Paixão de Cristo!
Vai logo! Vou ajeitar o carro enquanto vocês se arrumam!
- Graças a Deus surgiu uma
ideia santa no juízo deste tarado! – pensava feliz, Mariinha.
Raimundo puto da vida dizia para
si: “a gente tem que fazer as vontades da patroa pra depois ganhar em dobro!”
Família feliz é esta família
de Zé Raimundo: ele na direção, a mulher solfejando um hino religioso enquanto
Dorotéia, a filha mais velha do casal, preparando-se para a festa dos quinze
anos, sonhava com o príncipe encantado, Manoel Domingos, o do meio, 13 anos,
pensava em malhar o Judas depois desta viagem e o caçulinha, chato que só,
Gabriel, 10 anos, dedurava os mais velhos – “mãe, Dorotéia tá de namoro com o
filho de seu Vicente, mãe!” ou “pai, Manoelzinho anda mexendo a bilola, pai!”.
Sujeitinho sem vergonha é esse Bielzinho!
Trânsito intenso, alguns
congestionamentos, até parece que o mundo inteiro baixou em Fazenda Nova! Que
coisa! Coisa boa foi a sugesta de tomar a estrada em direção à Fazenda Nova!
Crianças felizes, a safada da mulher naquele ar piegas e ele sacrificando o
baixo desejo em troca de um desejo maior – a santidade daquele dia santo.
Chegaram à cidade teatro!
Apinhado de gente, gente de todo canto, canto se ouvia lá nos confins do lugar:
um repentista, ou um forró fora de época, afinal, hoje comemora-se a morte do
Senhor!
Movimento de carros, movimento
de gente, aqui presente Zé Raimundo e sua tropa, tropa do bem, que vem,
contrita, se emocionar com a Cruz de Jesus.
A cidade teatro, sua muralha,
torres e colunas, soldados romanos controlando as entradas, ar de piedade e
contrição era aquele ar em Fazenda Nova...
REALMENTE era um lugar mágico,
o Sermão da Montanha, músicas de filmes antigos, Judas e Tadeu; onde está Pedro
e onde João se escondeu? Maria, mãe de Jesus, a outra Madalena, também Maria e
milimetricamente a vida de Jesus nos últimos dias de sua vida era narrada com
exatidão. Última ceia, o beijo da traição, Jesus é preso depois de longa
vigília no monte das Oliveiras. Os açoites, Jesus é maltratado, surrado,
esbofeteado, Jesus Sofredor... A plateia começa a se emocionar, muitas mulheres
choram: chora Socorro, chora Josefa, Morena chora, chora Das Dores, até Maria
chora, a mulher de Raimundo...
Enquanto Mariinha chora,
Raimundinho resmunga: “Chora safada, chora hoje pelas dores da paixão, no
domingo, vais chorar de prazer em minha mão quando o folguedo acontecer!
Raimundo já estava emputecido
com tanta choradeira a seu redor.
No palco, Pilatos lava as mãos
enquanto seu centurião volta-se para a plateia e interroga:
- Quem vocês querem que solte:
Jesus ou Barrabás?
Raimundo, descontrolado,
responde:
- Solta os dois e prende o
LULA!
Depois desta resposta, a coisa
não prestou! A risada foi geral, teve gente que se mijou, gente que peidou,
teve até quem se cagou! Os atores perderam o controle e entraram em riso
frouxo! Levou um tempo considerável para que a Paixão de Cristo continuasse!
Como castigo, Raimundinho não
teve folguedo no domingo de Páscoa!
Obs: Esta narrativa foi baseada em um fato verídico que ocorreu na
Paixão de Cristo, este ano da graça de 2015, em Fazenda Nova!
Título e Texto: Carlos Lira, 10-4-2015
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