Helena Matos
Os partidos socialistas vão
ficando cada vez mais fracos, os seus eleitorados mais irrealistas e
disponíveis para os mais destravados populismos e as lideranças mais reféns dos
índices de popularidade
Portugal tem um problema: o PS
não quer governar. Quer simplesmente voltar atrás. Quer voltar a ser criança,
coisa que à esquerda se traduz por radicalizar e proferir as maiores inanidades
com o ar sorridente, feliz, de quem sabe que nunca lhe serão pedidas
responsabilidades.
Quando o dinheiro acabou o
socialismo (redistributivo por natureza) desistiu do pensamento, de construir
propostas e foi substituído pelo infantilismo. Só a natureza intelectual e
emocionalmente regressiva desse processso explica que, de repente, os socialistas
não se distingam dos bloquistas e demais movimentos clonados. Basta atentar em
títulos como: “PS diz que irá reverter o processo de privatização da TAP se for
Governo” ou “Costa recusa cortes e promete repor pensões” para percebermos que
o PS ou não pensa governar ou pelo menos não pensa governar em moldes
democraticamente aceitáveis. Já as declarações dos socialistas sobre a TAP ter
sido vendida por meio Jorge Jesus estão ao nível do patetismo, coisa que nem me
apetece comentar! Fiquemo-nos portanto pela infantilização.
Os socialistas portugueses não
estão sós neste seu processo de infantilização que pateticamente confundem com
ideologia. Como é hábito, em Espanha tudo é mais acentuado e neste momento os
socialistas espanhóis (numa atitude que revela um assinalável desconhecimento
da sua própria História) fogem das alianças ao centro e optam por aliar-se à
extrema-esquerda. Assim, entre acordos vários, por toda a Espanha, o PSOE deu o
seu aval e os seus votos para que radicais de esquerda fiquem à frente das
localidades ganhas sem maioria absoluta pelo PP. Estas frentes populares
acabarão como de costume: os socialistas ficam destruídos e os radicais
insuflados.
Símbolo de tudo isto: graças
aos votos do PSOE, Madrid vai ter como responsável autárquica Manuela Carmena,
uma senhora que enquanto juíza se caracterizou frequentemente por ter uma visão
do Direito em que, como afirmam alguns dos seus colegas, se via simultaneamente
como parte, legislador e juiz. Visão essa que às vezes levava a situações
anedóticas, como aconteceu no chamado caso das calças. (Um processo movido
contra vários empresários acusados de venda ilegal de calças de ganga que
acabou com o Estado espanhol a ter de indemnizar os ditos empresários pois a a
juíza Carmena achou por bem distribuir por várias associações as calças
apreendidas muito antes de se saber o desfecho do processo. Carmena não
ponderara que se os homens fossem considerados inocentes – o que veio a suceder
– teriam direito a reaver a mercadoria apreendida.)
Num plano politicamente mais
complicado também tivemos a juíza Carmena a aplicar as suas teses sobre a sem
razão das prisões ao colocar em liberdade, por aquilo que considerou ponderosos
problemas de saúde, Manuel Azkárate Ramos, um terrorista da ETA. Misteriosamente
a doença que tanto impressionara a juíza Carmena não impedira, no passado,
Azkárate Ramos de ser terrorista e muito menos o impediu de continuar a sê-lo
assim que a juíza Carmena lhe deu a liberdade condicional.
Por agora Manuela Carmena
pretende que a habitação é um direito humano e portanto quer acabar com os
despejos; também quer municipalizar os serviços de recolha do lixo e promover
activíssimas políticas de género. Este último item, apesar de não se perceber o
que tem a ver com os trabalhos inerentes a um município, talvez seja o que
levará a cabo com maior sucesso porque gera muito alarido e pouca despesa.
Ao verem-se as improváveis
criaturas que o PSOE tem apadrinhado simplesmente para que o PP não exerça o
poder, ao constatar-se como os socialistas fecham os olhos ao comportamento dos
seus novos parceiros (nomeadamente as arruaças feitas pelo Podemos durante a
tomada de posse de Manuela Carmena), cabe perguntar: o que querem os
socialistas? E a resposta é só uma e não passa por governar mas sim por
declarar: dizerem-se de esquerda. Mesmo que isso implique escaqueirar qualquer
possibilidade de efectuar as reformas indispensáveis e que, tanto em Espanha
como em Portugal, só podem ser feitas pelo centro.
Dir-se-á que faz parte dos
livros que na oposição os socialistas radicalizam o discurso mas que, uma vez
chegados ao governo, logo cai sobre eles o mais profundo sentido de Estado.
Sendo isto frequentemente verdade, não quer dizer que seja isento de
consequências a médio prazo: suponha-se que na oposição o PSD e o CDS ou em
Espanha o PP não só confraternizavam como se aliavam e reconheciam a
superioridade moral de uns grupos de extrema-direita? Pois esse exercício, que
felizmente é mortal à direita, é praticado alegremente à esquerda com a não
irrelevante consequência de legitimar, apadrinhar e incentivar uma gente que
não tem qualquer programa exequível para governar e que continua intolerante e
radical como sempre foi.
Por outro lado, este exercício
vai ficando cada vez mais perigoso porque os partidos socialistas vão ficando
cada vez mais fracos, os seus eleitorados mais irrealistas e disponíveis para
apoiar os mais destravados populismos e as suas lideranças mais reféns dos
índices de popularidade. (Qualquer semelhança com a actual situação do PS não é
coincidência.)
Quanto à direita, ou a
não-esquerda como prefere ser chamada, pode perder as eleições, mas essa
radicalização ideológica dos socialistas até lhes convém (mas só convém de
facto à direita e só convém num primeiro momento) pois fugindo a direita ao
debate ideológico, o espectáculo mais ou menos folclórico das frentes de
esquerda no poder é o melhor presente que pode ter.
Querem melhor exemplo que o
Syriza? O Syriza tem feito mais pela credibilidade de Maria Luís Albuquerque
que quaisquer resultados conseguidos pelo seu ministério. O Syriza e as
declarações de António Costa sobre a vitória do Syriza são o melhor presente
que Passos teve este ano.
Afinal não podemos esquecer
que o infantilismo da esquerda tem o seu reverso à direita no evidentismo: a
direita não tem ideias e quando as tem, tem vergonha delas. Ou melhor dizendo,
acha-as em geral menos nobres que o socialismo. A este último reserva a direita
o estatuto de sociedade perfeita mas utópica. Não fosse a realidade desfazer
sistematicamente a utopia e também a direita seria socialista. Daí decorre o
evidentismo: mostrar à evidência os evidentes erros dos governos de esquerda
não é uma estratégia eleitoral da direita. É a sua ideologia oficial. A sua
justificação moral para não ser de esquerda.
E assim Portugal está entre o
evidentismo e o infantilismo. Há contudo dilemas piores. Mas espero não ter de
escrever sobre eles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos.
Se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-