Alberto Gonçalves
Houve para aí certa comoção
perante a notícia de que, coisa nunca vista, os alunos portugueses ficaram
acima da média da OCDE nos testes do PISA. A comoção é desajustada. Por um
lado, porque os testes dizem respeito a 2015 e, logo, traduzem benefícios do
tempo do dr. Crato e do governo da "direita", período negro que urge
esquecer. Por outro lado, porque os testes versam assuntos como as ciências, a
matemática e a língua, anacronismos que, conforme se constata nas contas do
responsável (?) das Finanças e no português do chefe dele, não preparam os
petizes para exercer cargos verdadeiramente relevantes.
A nossa sorte é que todos
estes infortúnios ficarão para trás. Por obra e graça (a graça é relativa) do
ministro Mário Nogueira ou do seu jovem representante no Ministério da
Educação, os níveis de exigência nas disciplinas tradicionais serão
continuamente reduzidos até coincidirem com as competências de um orangotango
esforçado. Em cima disto, o ME projecta despejar nas criancinhas lições sobre
procriação e aborto. Dado tratar-se de gente ponderada, a primeira temática
precede a segunda: tal como seria absurdo temperar a salada antes de semear a
alface, não faria sentido explicar a interrupção da gravidez antes de se esclarecer
a maneira de engravidar.
Naturalmente, é no
"pré-escolar" que começarão a ser incutidos os rudimentos do sexo, os
quais, no belíssimo jargão das entidades competentes, incluem: "Tomar
consciência da identidade do género e dos papéis sociais"; "identificar
diferentes papéis socioculturais em função do sexo"; "saber
distinguir as diferentes expressões afectivas", "conhecer que existem
mudanças físicas ao longo da vida", ou "identificar e respeitar a
diversidade dos contextos familiares". Não custa imaginar a alegria do
bebé que, entre uma mudança de fraldas e a deglutição de um punhado de terra,
espera avidamente que o ilustrem acerca dos "papéis socioculturais" e
da "identidade de género".
Porém, o ponto alto dos novos
currículos é o ensino do aborto (teórico, espera-se) aos alunos do "2.º
ciclo", que se não reprovarem excessivamente andam pelos 10 ou 11 anos.
Eu, que sou um nadinha mais velho, ainda não consegui ter uma opinião definida
a propósito, razão impeditiva de frequentar o Prós e Contras aos gritos. Mas o
ME tenciona introduzir uma complexa matéria científica, filosófica e moral em
cabecinhas convencidas de que os Países Baixos são habitados por anões e de que
Snoop Dogg é um artista. Para o ano, acrescenta-se a eutanásia (teórica, volto a
desejar) ao programa das creches.
Ao contrário do que parece, o
problema não é o Estado usurpar funções e evangelizar crianças. O problema é
que, independentemente da idade, as crianças mandam no Estado. Suspeito que os
próximos PISA estarão inclinados.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias,
11-12-2016
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