O prof. Marcelo tem horror à
impopularidade, por isso a natureza dele é o próprio vazio. Com apreciável
rapidez, pulverizou o discutível prestígio do cargo
A figura do ano é, sem dúvida,
a que Marcelo Rebelo de Sousa [foto] andou a fazer desde que tomou posse. Durante
anos, o talento do professor Marcelo consistiu em convencer os portugueses de
que era extremamente inteligente. Hoje, percebe-se que a inteligência é só a
bastante para sobreviver de acordo com os próprios termos.
É sabido que a natureza tem
horror ao vazio. O professor Marcelo tem horror à impopularidade, por isso a
natureza dele é o próprio vazio. Com apreciável rapidez, pulverizou o
discutível prestígio do cargo e transformou-o num meio de promoção pessoal que
intimidaria o senhor Trump. O homem posa para selfies. O homem distribui beijinhos. O homem visita escolas,
estádios, jornais, feiras, ditadores, rainhas e ginginhas. O homem pronuncia-se
acerca do falecimento de cada habitante da Pátria. O homem condecora com fervor
cada habitante ainda vivo. O homem está em toda a parte, e parte nenhuma está a
salvo do homem.
Removido o frenesim, sobra
nada, ou, para quem não tiver enlouquecido, a vontade de escorregar no sofá. O
professor Marcelo é o Almirante Américo Thomaz com anfetaminas. Tem graça? Como
o remoto antecessor, pouca – e sempre inadvertida. Mas convém não esquecer que,
como o remoto antecessor, o professor Marcelo legitima um poder no mínimo
daninho.
Os sucessivos elogios ao Governo são particularmente aterradores se tivermos em conta que, em apenas um ano, o governo limitou-se a sustentar clientelas, a obedecer (com curioso entusiamo) aos delírios da extrema-esquerda, a aumentar a dívida, a reduzir o crescimento e a empurrar o que restava do País para a sombra do Estado.
O professor Marcelo sabe que
sem aderir à avassaldora propaganda do doutor Costa, os folclóricos embaraços
que comete não passariam impunes nos media
serviçais que, com escassas excepções, temos. Cavaco era regularmente fulminado
por muito menos. No dia em que, por milagre ou descuido, o professor Marcelo
emitisse umas verdades – ou uma verdade que fosse – sobre a desgraça para que
nos encaminham, o Presidente dos “afectos” que tantos comentadores exaltam
morreria subitamente. Entretanto, a afectuosa exaltação ajuda a esconder os
derrotados pela mentira, e a convocar o bom povo para a União Nacional.
Se apreciarmos teorias da
conspiração, não custa acreditar que Sampaio da Nóvoa foi uma invenção
socialista para assustar as pessoas com um PREC fora de horas e convencê-las a
votar no professor Marcelo. Porém, mesmo os cépticos não podem negar que,
embora temperado pela “Europa” (enquanto houver) e pelo vício da mendicância
(enquanto der), está em vigor o PREC possível. E que o professor Marcelo, enfant terrible erguido a símbolo máximo
do “sistema”, é o seu avalista formal.
Um optimista consola-se com a
ideia de que a História tratará de julgar tamanha farsa. O pessimista suspeita
que, até lá, a farsa já tratou de nós, adormecidos pelas histórias que nos
contam.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sábado, nº 661, 28 de dezembro a 4 de janeiro
de 2017
Digitação: JP
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