O melhor de Portugal são aqueles instantes
em que se esforça por simular a aparência de uma nação a sério e acaba a
demonstrar espetacularmente que não passa de um equívoco.
Alberto Gonçalves
O melhor de Portugal? Não, não
são as praias, nem o clima, nem a gastronomia, nem sequer a indústria das
rotundas. O melhor de Portugal são aqueles instantes em que se esforça por
simular a aparência de uma nação a sério e acaba a demonstrar espetacularmente
que não passa de um equívoco. É como o saltador à vara que promete recordes e
se limita a correr de cabeça contra o colchão, sem vara e sem juízo: temos uma
vaga noção do que importa fazer; não temos noção nenhuma dos meios e dos
métodos necessários para chegar lá. Nem temos vontade. Em “Seinfeld”, o sonho
de George Costanza não era ser arquiteto, mas fingir que era arquiteto. O sonho
recorrente de Portugal é fingir que é um país.
A título de exemplo recente,
podia falar da “inauguração” das “obras” da ala pediátrica do hospital de São
João, que o dr. Costa apadrinhou com pompa, descaramento e demagogia dois ou
três antes das “legislativas”. Agora, toda a gente sabe que o projeto, que o
governo do dr. Costa suspendeu em 2016 e adiou repetidamente, continua a
prosperar apenas nos “media” que divulgam estas rábulas sem escrutínio. Não há
obras e não há vergonha.
Podia falar do chefe de
Estado, o exato chefe de Estado que visitou um “espaço” de variedades
televisivas para revelar ao povo que talvez, ou talvez não, estivesse doente, e
que, em seguida, recebeu em Belém um batalhão de “influencers”. “Influencers”
são pessoas que recebem sapatos e esfoliantes por recomendar sapatos e
esfoliantes, e o prof. Marcelo conta com elas para debater o futuro da pátria,
da Europa e do mundo. Perante o nível dos pensadores tradicionais com quem o
prof. Marcelo priva, de Marques Mendes a Marques Lopes, sempre será um
progresso.
Podia falar da RTP, o “serviço
público” que suspendeu um programa (de Sandra Felgueiras) durante a campanha
eleitoral para não contaminar as massas, aliás abúlicas, com a informação de
que um secretário de Estado adjudicou um contrato potencial de 380 milhões a
uma empresa com 50 mil euros de capital, um ex-secretário de Estado lá dentro e
três dias de existência. A RTP tem sessenta e tal anos e a cada um o enxovalho
aumenta: entre a miséria rotineira, esta semana houve vagar para uma entrevista
hagiográfica ao sr. Lula.
Podia falar das televisões em
geral, que repletas de ignorantes e militantes (desculpem a redundância),
adotam as “causas” do momento com o entusiasmo dos simples. Ontem eram os
transtornos clínicos da pequena Greta, que os pequenos jornalistas confundem
com ecologia. Hoje é o apoio aos “independentistas” catalães, porque não têm
legitimidade democrática, e a aversão aos “nacionalistas” britânicos, porque
têm legitimidade democrática. Amanhã logo se verá.
Podia falar dos eurodeputados
do PCP e do BE, que coerentemente rejeitaram a equivalência do comunismo e do
nazismo “decretada” pelo Parlamento Europeu. Embora não espante nenhuma
criatura socialmente apta, a resolução do PE conseguiu indignar os quatro camaradas
que em boa hora depositamos em Bruxelas e os 900 mil devotos do horror
comunista que em péssima hora decidiram permanecer aqui.
Podia falar da nova ministra
da Agricultura, que alguns consideraram uma surpresa. Não percebo porquê. Antes
do ministério, a dra. Maria do Céu Albuquerque foi secretária de Estado de
Nãoseiquê Regional, e antes da secretaria foi autarca em Abrantes. E foi na
câmara de Abrantes que a senhora exibiu vastos conhecimentos agrícolas, ao
pagar, com dinheiro público e por ajuste direto, 60 mil euros por 30 oliveiras
pertencentes a familiares do então seu homólogo de Proença-a-Nova, ontem
premiado com a secretaria de Estado das Florestas. Além disso, a dra. Maria do
Céu também pagou 515 mil euros – dinheiro alheio – por uns filmes do filho do
deputado socialista Pedro Bacelar de Vasconcelos. Provavelmente, as
protagonistas dos filmes são as oliveiras, e aguardo com ânsia o lançamento em
DVD.
Podia falar da fresquíssima e
(por enquanto) opcional disciplina de “História, Culturas e Democracia”, que
altera o passado à luz da “culpa” e das “vítimas” e sobretudo da
“sensibilidade”, de modo a rimar com a infantilidade dos tempos que correm. É a
troca do realismo patriótico pelo realismo mágico, ou de uma realidade
ocasionalmente enviesada por uma realidade minuciosamente inventada para
acomodar os delírios de burgessos. Quando os burgessos ocupam a mansão, é
natural que plantem couves na banheira.
Podia falar, mas não falo. No
fundo, reescrever o passado é de somenos: convém é reescrever o presente. Se um
dia aparecer por cá vida inteligente, não haverá maneira de acreditar que o que
está a acontecer aconteceu mesmo.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
19-10-2019
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