Passos Coelho foi o “africanista de
Massamá”. Também tivemos o “escurinho do FMI” e a “África é dos africanos”. Foi
isto racismo? Perguntem aos “efetivamente”.
Helena Matos
Esta semana os “efetivamente”,
essa gente que só entra nas polêmicas com um livre trânsito passado pelo
progressismo, mal podiam sair de casa com tanta explicação: era o problema de
André Ventura ter escrito “Eu proponho que a própria deputada Joacine seja
devolvida ao seu país de origem”, a que se juntava o problema da devoluçãodo patrimônio dos nossos museus e arquivos (será que se pode dizer
nossos?), sem esquecer a questão que os vai atormentar nas próximas semanas:
como tomar posição contra a eutanásia sem correr o risco de ser considerado reacionário?
Agora não há dia em que os “efetivamente”
não sintam necessidade de mostrar a sua repulsa por André Ventura, mas daqui
por umas semanas para aí andarão frenéticos a demarcar-se do bode expiatório
então de turno até porque, como é mais que certo, a propósito da eutanásia,
alguém, entre os que se lhe opõem, escreverá ou dirá algo de menos cauteloso ou
menos certo. E de imediato, não o duvido, logo começará o ciclo do “não, antes
pelo contrário”, “de modo algum”… e será quase com alívio que, antes que fevereiro
acabe, a eutanásia será aprovada porque assim, pelo menos por uns tempos, não
se terá de tomar partido, e os “efetivamente” terão algum sossego.
Habituada que estou ao
exercício diário desta penitência, confesso que às vezes ainda há situações que
pelo seu absurdo me surpreendem. Por exemplo, como entender, o clima de “eu
condeno mais e melhor que tu” criado em torno das declarações de André Ventura
sobre a deputada Joacine, quando em Portugal temos aproximadamente um milhão de
pessoas referidas prosaicamente como retornados? O que é um retornado senão um
devolvido ao seu país mesmo que, como acontecia no caso, muitos nunca tivessem
vindo ao país para que os mandavam retornar?
Ora os mesmos que em 1974
acharam que a “devolução” de um milhão de pessoas era tão natural, inevitável e
justa que até lhes chamaram retornados, impedindo que fossem designadas como
refugiados, pretendem agora que é um crime de racismo André Ventura ter escrito
a propósito da proposta da devolução do patrimônio das ex-colônias portuguesas
feita pelo Livre, “Eu proponho que a própria deputada Joacine seja devolvida
ao seu país de origem. Seria muito mais tranquilo para todos… inclusivamente
para o seu partido! Mas sobretudo para Portugal!” Se pesquisarmos nos
debates parlamentares constataremos que a frase não tem nada que a destaque de
tantas outras trocadas entre deputados, e nem sequer estou a incluir nesta
lista os debates entre Sousa Tavares e Jerónimo de Sousa!
Todo este folclore só é
possível porque, com a pressa de obterem o salvo-conduto diário, os “efetivamente”
são os primeiros e os mais veementes participantes das ondas de indignação
lançadas pelos ativistas de turno. Não interessa que as novas causas sejam
contraditórias entre si e com as causas anteriores e até que os respectivos ativistas
digam uma coisa e façam o seu contrário: a esquerda que agora vislumbra racismo
em todas as palavras proferidas à direita do PS, trauteou e trauteia uma canção
de intervenção intitulada “Independência” que afirma nada mais nada menos que
isto: “África é dos africanos/ Já chega quinhentos anos/ Já chega quinhentos
anos/ A África é dos africanos” e os socialistas trataram Passos Coelho
como “africanista de Massamá”. Também tivemos o “escurinho do FMI” na versão de
Arménio Carlos, Alberto João Jardim “Bokassa” no retrato que dele fez
Jaime Gama, os brasileiros que deviam regressar ao Brasil porque tinham votado
em Bolsonaro…
Nada nestas polêmicas tem de
ter a mínima substância. O que conta é o seu potencial de agitação. Por exemplo,
a intenção de devolver o patrimônio às ex-colônias além da constrangedora
pergunta – onde estão em Angola, Moçambique ou Guiné, os grandes museus
dedicados a preservar o património dos seus povos? Não vão dizer que estão por
construir à espera das poucas centenas de peças que estão em Lisboa, pois não?
– traduz-se em quê exatamente?
Portugal devolve o quê a Cabo
Verde que nem sequer era povoado? E o Brasil devolve o que a corte para lá
levou na fuga da família real ou fica por conta dos diamantes que vieram para
Lisboa?
De caminho, a França devolve o
que nos pilhou durante as invasões ou só se fazem devoluções para África?
Recordo que aquando das invasões, os franceses chegaram a Portugal com
cientistas e listas do que havia para levar e de facto levaram – a
alternativa a essa seleção era o saque casa a casa como aconteceu em Évora
entre 29 e 30 de Julho de 1808 – Mas como várias das peças que os franceses
levaram de Portugal e agora exibem nos seus museus tinham sido recolhidas nas
colônias portuguesas, a devolução será feita diretamente a essas colônias ou a
Portugal?
E se for feita às antigas colônias, os
destinatários desses objetos serão os museus (esses produtos do colonialismo!)
ou os descendentes das tribos onde vários desses artefatos foram produzidos?
Convém lembrar que a questão
das devoluções não é apenas um assunto entre estados, pois muitas destas
devoluções colocam frente a frente os direitos dos povos nativos contra os
direitos dos estados em que vivem…
E por fim, mas não menos importante,
o patrimônio que os retornados deixaram em África vai ser-lhes pago ou
devolvido?… Nada disto faz sentido. Mas esta insanidade hiperativa veio para
ficar e durar porque aqui serve os propósitos políticos dos donos da situação e
em África limpa a imagem dos cleptocratas que por ali governam.
Gostava de escrever que dentro
de alguns anos, todo este circo estará desativado e a deputada Joacine, segundo
ela mesma escolhida por ser negra e gaga, vai ser olhada com a ironia agora
reservada ao deputado da UDP na Constituinte, Américo Duarte, escolhido por ser
operário. Mas não arrisco tal cenário porque aquilo que temos pela frente neste
momento não é a rejeição de um modelo de sociedade, como aconteceu no Portugal
de 1975 em que Américo Duarte pretendia levar os fascistas para o Campo Pequeno.
Aquilo que agora está em causa
não é uma revolução, mas sim o esboroar da sociedade em que vivemos. O corroer
dos seus valores. A luta de classes como motor da revolução deu lugar à luta de
raças/minorias/etnias/grupos como motor da destruição. A utopia trágica da
sociedade sem classes deu lugar ao pragmatismo decadente da sociedade
tribalizada. E daí a minha impaciência com os “efetivamente”: num processo
revolucionário o confronto acaba por ser violento pelo que os “efetivamente”
acabam a ter de fazer escolhas ou assistem aos outros fazendo-as por si.
Já num processo de
esboroamento como aquele que vivemos os “efetivamente” podem acabar a jogar um
papel decisivo. E negativo. Porque de cada vez que acham que a questão não é a
verdadeira questão ou que sendo a verdadeira questão não devia ser colocada
daquele modo ou que devendo ser colocada daquele modo não o foi no momento
adequado… acabam a dar o poder aos que efetivamente reconhecem como os donos da
situação: os que há décadas nos impedem de viver em paz e sossego numa das
sociedades mais justas e tolerantes que a civilização criou, os estados
democráticos do Ocidente. Estes venceram o comunismo, mas receio que sejam
derrotados pela tribalização.
PS. “António Costa alertou
que a descida do IVA da luz para 6% representa 800 milhões de euros por ano, o
que é insustentável financeiramente.” Provavelmente será. Mas em 2016 baixar o
IVA na restauração foi sustentável ou apenas uma decisão populista cuja fatura
estamos agora a pagar?
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
2-2-2020, 7h34
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-