Ser a voz da sensatez num mundo de loucos
requer a coragem de Weiss. A que todos, desde os que escrevem nos jornais aos
que os leem, devemos ter por que dela depende o futuro da democracia.
André Abrantes Amaral
Bari Weiss [foto] é colunista do New
York Times e não se deixa rotular. Num mundo em que nos querem reduzir a ser
contra ou a favor de algo, Weiss surpreende dizendo o contrário do que é
suposto. Não é feminista, mas escreveu um livro sobre como combater o
anti-feminismo, fenômeno que encontra tanto na extrema-direita como na
extrema-esquerda. Há quem a qualifique de conservadora embora Weiss se sentisse
de esquerda quando trabalhava para o Wall Street Journal. Foi essa capacidade
de surpreender que, apesar de apoiar o movimento #MeToo, a levou a escrever
uma defesa de Aziz Ansari quando este foi acusado de
assédio sexual.
Com a polarização política a
que se assiste em todo o lado, principalmente nos EUA, é indispensável ler
alguém como Bari Weiss. Ser a voz da sensatez num mundo de loucos requer coragem,
e Weiss tem-na. Uma coragem que qualquer um de nós, desde os que escrevem nos
jornais aos que os leem, devemos ter por que a democracia depende dela. O
futuro da democracia depende da capacidade de pensarmos pela nossa cabeça, nos
cultivarmos, lermos, analisarmos perspectivas contrárias e pesarmos os
correspondentes prós e os contras. Não nos limitarmos aos títulos das notícias.
Não nos limitarmos ao julgamento sumário do que nem sequer sabemos o que seja.
Só dessa forma não vamos com a multidão.
Há dias Bari Weiss publicou no
Twitter uma série de tweets sobre a guerra civil que estava a ter lugar na redacção NYT. Uma guerra que opõe a geração mais nova (menos de 40 anos)
à mais velha (à qual Weiss, com 36 anos também pertence porque nada é apenas a
preto e branco). Explica ela que enquanto os segundos, que apelida da Velha
Guarda, vivem sob os princípios do liberalismo clássico e da liberdade
expressão, os primeiros encaram essas mesmas liberdades como sendo direitos: o
direito de certas pessoas não serem ofendidas nem que para tal se questione a
liberdade de expressão. É uma guerra civil, de cariz cultural, que teve início
nas universidades e chegou a jornais, como o NYT, porque os seus protagonistas
já não são estudantes e começaram a ocupar lugares de destaque na democracia
norte-americana.
A guerra civil que Weiss
descreve estar a acontecer no NYT tornou-se evidente nestes dias depois da
demissão do diretor de opinião daquele jornal, James Bennet. Bennet demitiu-se
por ter permitido a publicação online de um artigo de opinião, no qual o senador republicano Tom Cotton defendia o envio dos militares para rua para
pôr termo às manifestações violentas que estão a ter lugar nos EUA. Bennet foi
forçado a proibir a publicação do artigo na versão em papel do jornal e, por
fim, não teve outra alternativa que não se demitir.
De acordo com Weiss o que
sucedeu foi algo para que já vinha a alertar há muito tempo, mas que esperava
que levasse anos e não dias a concretizar-se: a chegada ao poder dos ativistas
que dominaram os debates universitários nos últimos anos. Um bom argumento contra
a intenção do senador Cotton seria dizer que o envio do exército para impor a
ordem nas ruas equivaleria a aceitar que a reivindicação dos manifestantes de
reformar a polícia é pertinente. No fundo, equivaleria a dar razão aos que se
manifestam nas ruas. Seria comprovar que as forças policiais se tornaram
opacas, dominadas por interesses corporativos, além de corruptas. Razões que
podem explicar o racismo de muitos polícias.
O jornal, no entanto, em vez
de rebater o argumento preferiu proibi-lo. Fê-lo influenciado pelos que não
querem debater em nome do direito à não ofensa. Em vez de servir de meio de
escape às tensões que se vivem na sociedade norte-americana o jornal preferiu
esconder-se por trás da proibição e limpar a sua imagem através da demissão do
seu editor de opinião.
Esta é uma das maiores ameaças
do nosso tempo. A vandalização da estátua de Winston Churchill em Londres no
dia 6 de junho (além de uma verdadeira ironia da história) é um sinal disso
mesmo. É assustadora a forma como os pilares democracia ocidental estão a ser
destruídos por dentro, ridicularizando e destruindo moralmente os que se
oponham a que uns quantos decidam o que a maioria deve pensar e aceitar como
certo e irrefutável. Sucede que quando calamos o outro lado deixamos de o ouvir
e perdemos o debate que não existiu. Pior: perdemos a capacidade de argumentar.
A capacidade de perceber o outro e de o convencer. Forçamo-lo a
entrincheirar-se, a fincar os pés no chão e a querer combater-nos com a mesma
violência que usamos contra ele.
A força de uma democracia está
na capacidade de quebrar este círculo vicioso como, acredito, já está a suceder em várias cidades dos EUA. Se uma democracia for forte os que pretendem
impor-se destruindo o debate perdem o argumento. Há quem os vença com música e
palavras de conforto. Também há quem os combata dizendo simplesmente que não.
Há quem se levante e se oponha ao que gritam as massas. Há quem pense pela sua
cabeça e, como Bari Weiss, escreva com liberdade. São pessoas como Weiss quem
salvam a democracia. São pessoas como Weiss, que se recusam a que lhes seja
imposta uma narrativa, que nos devem inspirar. Porque geralmente são os que nos
alertam para o pior que nos indicam o caminho de saída. Isto não quer dizer que
a vitória da democracia liberal esteja garantida. Apenas que há ainda quem se
disponha a lutar por ela. Na verdade, se a estátua de Churchill foi vandalizada
ainda há quem a vá limpar.
Título e Texto: André Abrantes Amaral, Observador,
10-6-2020, 0h03
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