domingo, 29 de novembro de 2020

A China e a fábula dos pardais

Enquanto o discurso ambientalista foca a Amazônia e as mudanças climáticas, a China segue com suas práticas predatórias e não assume responsabilidades 

Dagomir Marquezi 

Em 1958, a revolução chinesa completava nove anos de fracassos. A China era um país precariamente agrícola com 640 milhões de habitantes para alimentar. O camarada Mao Tsé-tung, secretário-geral do Partido Comunista, decidiu que a culpa pelos maus resultados no campo era dos… pardais. “Eles comem grãos de mais”, decretou o dirigente máximo. 

E assim, como parte do programa chamado Grande Salto para a Frente, Mao ordenou que todos os pardais deveriam ser exterminados. Os chineses destruíam seus ninhos, atiravam nos pássaros, faziam barulho em terra assustando as aves e impedindo que elas pousassem, até que morressem de exaustão. 

Centenas de milhões de pardais foram aniquilados. Com o massacre dos pássaros, os grãos foram poupados. E então chegaram os gafanhotos. Além dos grãos, as aves costumavam comer os gafanhotos e outras pestes, praticando o famoso equilíbrio ecológico. Sem os pássaros para combatê-los, os gafanhotos devoraram tudo o que havia sido plantado. 

Consequentemente veio então a grande fome, que durou até 1961. Segundo dados do próprio regime, a crise matou 15 milhões de chineses. O jornalista Yang Jisheng pesquisou o fato por vinte anos e publicou um meticuloso livro (chamado Túmulo), que elevou esse número para 36 milhões de vítimas. A obra, banida na China, retrata um período extremamente dramático, quando cidadãos desesperados apelaram até para o canibalismo. 

O episódio é um fantasma para quem culpa o “capitalismo” por tudo — inclusive pelos problemas ambientais. A catástrofe na usina de Chernobyl, por exemplo, ocorrida em 1986, foi o maior desastre nuclear da História. E aconteceu na extinta União Soviética. 

Hoje, a julgar por boa parte da mídia e pelos militantes chiques, existem apenas dois problemas ambientais importantes: as alterações climáticas e a destruição da Amazônia. 

São problemas graves? Muito graves. Mas por que só essas duas únicas questões são tão marteladas todos os dias? Parece ser mais um caso de miopia ideológica. Para a esquerda, o centro do problema não é ambiental. Como sempre, a culpa “é do capitalismo”. Emissão de carbono é causada por indústrias pesadas, especialmente dos Estados Unidos. E a destruição da Amazônia é um crime do agronegócio. A culpa, nos dois casos, é do “grande capital” — que deve ser aniquilado, como os pardais. E o que não cabe nessa narrativa não existe. Assim se “enxerga” o mundo com os óculos da ideologia. 

Pesqueiros chineses destruíram boa parte da complexa cadeia alimentar das Ilhas Galápagos

Sim, existem fazendeiros que gostariam de transformar a Amazônia (e o Pantanal e a Mata Atlântica) em imensos pastos sob o sol. E, sim, existem muitos empresários que não se importam que a Terra derreta desde que o dinheiro continue a fluir. Mas há também empresários e fazendeiros com consciência ecológica, que fazem pela natureza muito mais que militantes estridentes. 

Vamos voltar à China. Em agosto deste ano, o jornal (socialista) britânico The Guardian denunciou que o Arquipélago de Galápagos, no Pacífico, estava sob cerco naval. Esse arquipélago é famoso pela vasta riqueza biológica. Não foi à toa que nas Ilhas Galápagos o naturalista Charles Darwin se inspirou para escrever o clássico A Origem das Espécies

O cerco naval às Galápagos não era militar. Os 248 barcos pertenciam (segundo o Guardian) a uma “vasta armada de pesqueiros”. Os barcos capturavam e massacravam animais com “práticas indiscriminadas” de pesca. Aquela região do Pacífico é considerada patrimônio da humanidade pela Unesco. Cada barco estava com 500 linhas de pesca no mar, cada linha com milhares de anzóis. Não passava nada. Em 2017, um dos barcos chineses invadiu as águas territoriais do Equador. Foi apanhado com 6 mil tubarões congelados, inclusive o tubarão-baleia, o maior peixe do mundo, que corre sério perigo de extinção. 

Segundo o biólogo Jonathan Green, que desenvolve projetos de conservação nas Galápagos, a região é conhecida por ter uma “explosão de vida”, criada pela confluência de correntes quentes e frias do Pacífico. Capturar animais ali é covardia, além de crime. Pois em apenas um mês essa sinistra frota praticou nada menos que 73 mil horas de captura de qualquer ser vivo. Destruiu boa parte da complexa cadeia alimentar do arquipélago. A captura de lulas, por exemplo, acaba com a alimentação das focas. E assim por diante. A China não se importa com esses “detalhes”. É regularmente acusada de pesca descontrolada, captura de espécies de tubarão em extinção, invasão de águas territoriais, falsificação de documento e trabalho forçado. Se confrontado, o país nega tudo e ameaça retaliação. 

Você, que é bombardeado todos os dias pelo noticiário sobre desequilíbrio climático e a “destruição da Amazônia”, viu alguma vez os âncoras do Jornal Nacional (ou qualquer outro similar) se referirem a essa barbárie nas Ilhas Galápagos? Leu alguma coisa a respeito nos jornais? Viu um protesto de organização ambientalista em frente de algum consulado chinês? Leonardo DiCaprio tuitou algo a respeito? O papa protestou? 

Pois o protagonismo da China na destruição da natureza está longe de parar aí. Rinocerontes estão perto da extinção, caçados para abastecer clientes chineses com seus chifres. (Ralados, eles curariam febre, reumatismo, gota e outros problemas.) Os cada vez mais raros tigres são abatidos para atender alguns chineses que acham que tomar uma sopa com o pênis desses felinos dá “vigor sexual”. (Eles nunca ouviram falar em Viagra?) 

Elefantes correm o risco de sumir do planeta porque a classe emergente da China acha chiquérrimo ter objetos de marfim. Ursos são mantidos a vida inteira em pequenas gaiolas enferrujadas com um tubo de borracha permanentemente enfiado na vesícula para a dolorosa extração da bile — que, segundo a “medicina tradicional chinesa”, cura qualquer coisa. Chifres de rinoceronte, genitália de tigre e bile de urso não curam nada. Mas a matança continua. 

Claro que os chineses não podem levar a culpa por todos os males ambientais que a espécie humana provoca. Vários países europeus, especialmente a Espanha e a Noruega, são predadores marítimos. O Japão continua fazendo da caça à baleia um gesto de futilidade nacionalista. As preciosas florestas da Indonésia, da Malásia e de Madagascar marcham para a devastação total. A Rússia está ameaçando acabar com o status de santuário da região ártica. Os Estados Unidos de Joe Biden pretendem se tornar um país-símbolo na proteção ecológica — mas limitado à linha “mudanças climáticas/destruição da Amazônia”. Já nos elegeu como alvo. 

O Brasil virou o maior vilão ecológico do planeta. Não exatamente pelos erros que comete, mas pelo governo que escolheu, que deve ser combatido sem trégua nem racionalidade. Temos as maiores reservas florestais do mundo, e relativamente pouca ocupação agropecuária, segundo os dados oficiais (30%). Nossa legislação é marcadamente conservacionista. 

Não somos vilões. Mas também não somos heróis. Temos essa imensa riqueza em biodiversidade e tratamos desse assunto de maneira passiva, culpada e negligente. Por lei, nossos biomas deveriam ser protegidos pelo Estado. Mas o Estado brasileiro precisa construir palácios para juízes e pagar salários indecentes a uma casta de privilegiados. Não sobra dinheiro para contratar fiscais ambientais e equipamentos de vigilância e atuação. 

Defender a natureza deveria estar acima do terreno de disputas políticas. Não está. Tanto que a China comete seus crimes ambientais sem sofrer nenhuma consequência. Igualmente condenável é achar que “ecologia é coisa de esquerdista”. E que tocar fogo no Pantanal é uma vitória do agronegócio. E, portanto, “da direita”. É um raciocínio torto e perigoso. 

O século 21 não chegou para alimentar esse tipo de simplismo. Questões inéditas surgem a cada dia — a conquista do espaço, a era dos robôs, a preservação do planeta, os direitos dos animais. E a realidade cabe cada vez menos nessa visão binária.

Título e Texto: Dagomir Marquezi, revista Oeste, nº 36, 27-11-2020

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