sexta-feira, 27 de novembro de 2020

[Aparecido rasga o verbo] Mala sem alça

Aparecido Raimundo de Souza 

— BOM DIA:
— Bom dia. Em que posso ajudar? 
— O senhor ainda compra objetos antigos? 
— Sim. Este é o meu ramo. 
— Tenho uma mesa com quatro cadeiras. 
— Teria como dar uma olhada? Trouxe fotos, ou filmou os objetos? 
— Não, senhor. Fiz melhor. Trouxe no meu carro. Quer dar uma olhada? 
— Só se for agora. Onde está o seu automóvel? 
— Aqui ao lado. 

O dono do topa tudo levantou da sua mesa cheia de quinquilharias e acompanhou o futuro cliente. Cresceu, claro, os olhos, quando viu a que a mercadoria estava em boas condições: 
— Quanto quer? 
— Diga o senhor. 
— Não posso ‘botar’ preço nas bugigangas que meus clientes aparecem por aqui querendo negociar. 
— Pensei em duzentos reais. 
— Dou cem reais. 
— Não dá para melhorar o preço? 
— Amigo, Cento e quarenta e cinco reais e não se fala mais no assunto. 
— Nem eu, nem o senhor: Cento e cinquenta reais. 
— Fechado. 
— É toda sua. 

*** 

— Pois não? Posso ajudar? 
— Estou vendendo um rádio de pilha e a bateria. 
— Se eu puder ver o aparelho...
O cara colocou uma sacola de supermercado sobre a mesa, a mesma, aliás, a única, repleta de pequenas antiguidades: 
— Quanto quer? 
— Cinquenta reais. 
— Vinte e cinco. 
— Fechado. O radinho é seu. 

*** 

Entrou um jovem bem apessoado, de terno e gravata: 
— Olá! 
— Bom dia. Posso ajudar? 
— Acho que sim. Ia passando quando vi no seu anúncio, ali fora, que o senhor compra qualquer coisa? 
— Verdade. O que o amigo tem para negociarmos? 
— Um troço bem usado. E bem velho também. Do tempo que nossas avós andavam de patinete de uma roda só. 
— Ok. Diga ai o que é. 
— Tenho certeza que o senhor não tem aqui. Pelo menos, na rápida olhada que dei... 
— Ta bom. Diga o que é. E o preço. Quem sabe não fechamos negócio? 
— Caso o senhor não queira comprar, poderá trocar comigo numa televisão, estante, ou aquele guarda-roupas ali, ou a geladeira. Enfim... Faço qualquer coisa... 
— Tudo bem, meu amigo. Só preciso saber o que é que o senhor tem para barganharmos e o valor pretendido. 

— A peça tem mais de noventa anos. Apesar da idade, faz tudo: lava, passa, cozinha, joga conversa fora, late, mia, grita... 
— Não estou conseguindo acompanhar o seu raciocínio. 
— Acho que fui bem claro... 
— Pelo que entendi, o senhor tem um gato ou um cachorro... Já que o prezado deixou claro que mia e late! 
— Acertou. É um animal. Eu acrescentaria mais. Um animal peçonhento. 
— Meu Deus! Um porco? Um Leão? Uma cobra? Um elefante, talvez? 
— Quase... 
O comerciante coçou a cabeça: 
— Apesar desses bichos que mencionei, não latirem, nem miarem. Agora fiquei encucado. Ele lava, passa e etc... Seja mais claro, por favor... Sou meio lerdo, às vezes, no raciocínio... 
— Dá uma olhada, por gentileza. 
O sujeito entregou um envelope ao dono do comércio. Ao abrir, se deparou com várias fotos de uma senhora em idade bastante avançada: 
— Amigo, isto é algum tipo de brincadeira? Não negocio pessoas. Ficou louco? 
— Eu sei que não negocia seres humanos, aliás, isso ai nem pode ser considerado um... Mas se abrisse uma exceção, quanto me daria? 
— Prezado, tenho mais o que fazer. Passe bem. Bom dia. 

Todavia, a criatura insistiu: 
— Quanto? 

O lojista achou melhor entrar na piração da criatura e ver até onde o chato de galochas chegaria: 
— Sua mãe? 
— Não. 
— Avó? 
— Não. 
— Tia, irmã, sobrinha... Algum vizinho criador de caso? 
— Minha sogra. Se eu lhe trouxer essa desgraça aqui, fechamos na cama de casal com aqueles dois criados-mudos que estão ali naquele canto? 

O mercador se enfureceu. Saiu literalmente do sério. Para não partir para as vias de fato, precisou acionar a polícia. Somente desta forma conseguiu tirar o sujeito cara de pau de dentro de seu estabelecimento. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Itapetininga, interior de São Paulo. 27-11-2020

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Deuses ou hipócritas?!
Língua presa
Foi suicídio
Somos todos uns mumbicas? Somos, sim senhor!

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