sábado, 28 de novembro de 2020

Não, dr. Mesquita Nunes

O dr. Mesquita Nunes conhece, e tem obrigação de conhecer, a complexidade destas coisas, e compreende que nem toda a informação pode ser tornada pública. Ele sabe que não podia ser como ele contou 

Margarida Bentes Penedo 

Fim de semana de 12 e 13 de março de 2016, Gondomar, XXVI Congresso do CDS. Os críticos bradavam por “valores” e por uma “identidade”. A equipa de Assunção Cristas servia-lhes “pragmatismo”, rejeitava os “constrangimentos ideológicos”, e defendia uma “abertura ao exterior” e uma política “orientada” para “resolver os problemas das pessoas”. Qual exterior? Quais problemas? Quais pessoas? Ninguém soube explicar. Assunção Cristas ganhou e Adolfo Mesquita Nunes [foto]tornou-se vice-presidente, o que era natural e esperável. Foi ele o inventor da estratégia no Congresso, estudioso do partido e do país, criador e inspirador de todas as políticas e posições do CDS nos quatro anos seguintes. Basta ver o que ele disse antes e durante esse período. E a quem disse, e como e quando, e é preciso ver também o que ele não disse.

Foto: Isabel Santiago

Em janeiro de 2020, o dr. Mesquita Nunes esteve na candidatura de João Almeida, com todos os ex-dirigentes do tempo de Assunção Cristas. Tinham destruído o partido e nunca deram explicações. Perderam o Congresso. Em novembro, Francisco Rodrigues dos Santos foi o presidente que, pelo lado do CDS, conseguiu o acordo de governo nos Açores. Dias depois saiu no jornal Público a “clareza” que o dr. Mesquita Nunes defendia, à cabeça de cinquenta e tal nomes, proclamando de si próprios sentimentos puríssimos e distinguindo-se da turbamulta que anda mancomunada com políticas “autoritárias” e políticos “demagógicos, incendiários e revanchistas”. Como se vê, o texto era construído em cima de adjetivos. Aqueles impecáveis democratas falavam para o PS, no jornal que o PS lê, a quem deixavam a autoridade para definir o que era ou não aceitável em matéria de democracia. Esperavam timidez, estupefacção, talvez até um certo medo; receberam respostas de todos os cantinhos da direita. Dez dias depois, o dr. Mesquita Nunes falou. 

Afinal o problema era processual. O governo dos Açores estava muito bem, tudo seria uma política magnífica não fosse um “erro” de assinaturas e papelinhos, que apoquentava o dr. Mesquita Nunes por “comprometer a sobrevivência e a identidade” do partido “dele”. Brando e macio, publicado desta vez no Observador, o homem falava agora para a direita e, sobretudo, para o presidente do CDS. 

Não se consegue compreender. Em menos de um ano temos três versões, todas convictamente declaradas: primeiro, e durante quatro anos, o “pragmatismo” absoluto; depois do acordo dos Açores, o manifesto da pureza e das linhas vermelhas; por fim, afinal tudo se resume a uma questão processual. Em que ficamos? Suspeito que no “pragmatismo”, tal como ele o entende. O dr. Mesquita Nunes virá ou não desfazer a dúvida, consoante a oportunidade. 

De resto, a própria história do acordo, tal como o dr. Mesquita Nunes a conta, omite a pressão do representante da República nos Açores, cargo administrativo que não se atreveria a contrariar as indicações enviadas de Lisboa pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa. O dr. Mesquita Nunes anda ali para a frente e para trás, poderia isto, deveria aquilo, como se a ossatura do que ele quer dizer não dependesse de uma posição inteiramente falsa. Sabemos bem, pelas notícias publicadas em todos os jornais, que o representante da República nos Açores exigiu um acordo por escrito para garantir um governo que durasse toda a legislatura. Tal como aconteceu em Lisboa quando, em 2015, António Costa andou escondido em gabinetes escuros com os compadres da extrema esquerda para montar a geringonça, por exigência do presidente Cavaco Silva. Mas o autor desta história atrapalhada omite a exigência do acordo escrito para poder culpar apenas os líderes dos partidos. Não, dr. Mesquita Nunes; a história não aconteceu assim. 

O dr. Mesquita Nunes conhece, e tem obrigação de conhecer, a complexidade destas coisas, e compreende que nem toda a informação pode ser tornada pública. Ele sabe que não podia ser como ele contou. Porque o dr. Mesquita Nunes é ex-governante, ex-presidente do segundo maior partido da direita portuguesa, tem experiência como secretário de Estado do Turismo e como chefe de Gabinete do ministro Nobre Guedes no governo de Portas com Durão Barroso. Mas quem lê a sua versão do acordo de governo nos Açores pensa que foi escrita por um blogueiro. 

Em última análise, nem faz grande sentido a importância que se deu e dá à opinião do dr. Mesquita Nunes, sobretudo agora que não tem responsabilidades na direção do partido. Ainda se as tivesse… Mas perdeu. E custa-lhe enfiar esta derrota na cabeça. É certo que os ex-dirigentes são ouvidos com gosto e proveito quando lhes reconhecemos mérito e certa sabedoria. O dr. Paulo Portas, por exemplo, deu a cara e grande parte da vida dele pelo partido, agarrou no CDS com cinco deputados e deixou-o com dezoito. O dr. Mesquita Nunes aplicou-se a destruir o partido; na sombra de Assunção Cristas, agarrou no CDS com 18 deputados e deixou-o com cinco. Ele que não espere ser suportado com a nossa complacência. 

Título e Texto: Margarida Bentes Penedo, Arquiteta, deputada municipal em Lisboa pelo CDS-PP, Observador, 27-11-2020 

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