Jordan Peterson está de volta ao debate público. E os chacais sabem disso
Maria Clara Vieira
Após um longo ano internado em
clínicas de reabilitação de Toronto a Belgrado para tratar os terríveis efeitos
colaterais do vício em antidepressivos, o psicólogo canadense Jordan Peterson,
já aclamado como o intelectual mais influente do mundo, está de volta à arena pública - e já
começou a atrair os leões.
Às vésperas do lançamento de
seu terceiro livro, uma continuação do sucesso 12 Regras Para a Vida: Um
Antídoto para o Caos, Peterson já enfrentou a resistência de funcionários
da editora Penguin Random House - que, segundo relatos, imploraram, aos
prantos, para que a casa se recusasse a publicar um autor “misógino” e
“transfóbico”, e, na última semana, foi o epicentro de uma nova polêmica
midiática.
Junto à filha Mikhaila, de 28 anos, que o acompanhou ao longo do tratamento na Rússia e na Sérvia, o psicólogo concedeu sua primeira entrevista à imprensa desde o retorno à ativa para a revista britânica The Sunday Times. Poucas horas após a publicação do artigo, os Peterson, pela primeira vez, divulgaram a íntegra do material.
Em resposta à editora que fez
o convite para a entrevista, o psicólogo escreveu: “Não acho que seja mera
sensibilidade da minha parte acreditar que não teria sido pior se tivesse falado
sobre a minha vida para um inimigo declarado. (...) Estou francamente chocado
com o grau de pura crueldade e rancor manifestado por sua jornalista, (...) com
o grau de deturpação (se foi isso que foi) necessário para me induzir a falar
como falei com ela, sem nenhuma intenção de minha parte além de responder às
perguntas que ela me fez”.
Nenhum manual de redação obriga um jornalista a concordar ou sequer ser simpático com seus entrevistados - muito menos o impede de fazer perguntas polêmicas e difíceis. Colocar a fonte “contra a parede”, em muitos casos, é parte do jogo - a contrapartida é deixá-la se explicar e entregar ao leitor uma resposta coerente, ainda que editada para fins de concisão. Há que se considerar ainda que ao veículo é lícito optar por transformar a entrevista em um perfil, incluindo, no texto, apurações e impressões próprias do autor, o que parece ter sido a opção da Sunday Times.
Não deixa de ser notável,
contudo, o fato de que Jordan Peterson tenha sido, mais uma vez, alvo de uma cobertura
perniciosa, que sequer se esforça para compreender o fenômeno que o levou ao
estrelato - e o que se pode esperar da nova fase. Durante mais de uma hora e
meia, a jornalista Decca Aitkenhead ouviu o psicólogo falar detalhadamente
sobre a pressão de estar sobre intensos holofotes durante três anos e a
responsabilidade de apoiar a esposa, Tammy, diagnosticada com um câncer raro e
grave, em meio à maratona de eventos e seu próprio adoecimento (Peterson já
relatou em público, mais de uma vez, que sua família tem tendência à
depressão). Ainda assim, publicou, erroneamente, que o psicólogo fora
diagnosticado com esquizofrenia - informação que foi reproduzida à velocidade
usual das redes por outros veículos de comunicação.
Sequestrado pela filha
Boa parte do artigo, contudo,
é voltada para Mikhaila Peterson, a filha mais velha do psicólogo que,
acompanhada pelo marido e pela filha de três anos, esteve ao lado do pai
durante a internação. Além da administração da agenda do pai durante o retorno,
coube à jovem narrar à jornalista, de antemão, toda a saga dos Peterson em
busca de tratamento. Decca questiona, naturalmente, a opção por buscar uma
terapia alternativa na Rússia, na contramão do que recomendavam os médicos de
Toronto. Sem negar o teor controverso da decisão, Mikhaila explica - e Peterson
confirma - que a família estava de acordo com a medida.
A conversa com Mikhaila
resulta na seguinte descrição: “Se fosse um filme, seu diretor seria, sem
dúvida, Mikhaila Peterson, de 28 anos, CEO da empresa de seu pai. Ela e o
marido russo parecem ter assumido o controle total de seus negócios, portanto,
antes que eu possa falar com ele, devo primeiro falar com ela. Irreconhecível
pela morena de aparência comum nas fotos de apenas alguns anos atrás, Mikhaila
hoje é uma Barbie metida e carrancuda, e fala com a convicção zelosa e
pontiaguda de uma porta-voz do presidente Trump”.
Além de tratar com ceticismo a
doença autoimune de Mikhaila - exaustivamente descrita por Peterson em seus
livros e palestras, e devidamente relatada nos hospitais canadenses nos quais
ela foi internada quando criança -, a repórter insinua que Peterson foi
praticamente sequestrado pela filha. E arremata: “depois de 80 minutos no Zoom,
a única coisa de que tenho certeza é que, se eu estivesse tão perto da morte
como ela me garante que seu pai estava repetidamente, esta não é a pessoa que
confiaria para salvar minha vida”.
“Masculinidade tóxica”
Quando Jordan Peterson,
finalmente, volta ao centro da matéria, não escapa de acusações. “Quanto mais
ele fala, porém, mais me pergunto se a masculinidade tóxica também pode ter
sido a culpada [pelos problemas de saúde]. Sua história familiar de depressão
pode nos dizer algo sobre o preço a ser pago por sua filosofia falsa; quando a
vida se tornou terrivelmente estressante, a mentalidade de Peterson de ter
postura, virar homem e aguentar o tranco não funcionou”.
Curioso é que, ainda nos
primeiros minutos da entrevista, Peterson rejeita o estereótipo de “invencível”
que a jornalista lhe imputa, assume que sempre sentiu medo e, ao longo da
conversa, chora copiosamente ao falar de seu público. É de se imaginar de onde,
afinal, a repórter tirou a comparação com Donald Trump, “outro homem infeliz
que se isolou de suas emoções”.
Ao final, a reportagem ironiza
o fato de Peterson demonstrar orgulho por ter conseguido finalizar seu terceiro
livro - Beyond Order: 12 More Rules for Life (Além da Ordem: Mais 12 Regras
Para a Vida, em tradução livre) - em meio ao colapso emocional, tendo
gravado a versão em áudio durante episódios de acatisia, o grave efeito
colateral do vício em medicamentos para ansiedade que o levou à internação (o
psicólogo narra que as dores eram tão intensas que o impediam de ficar parado).
Nenhuma pergunta sobre como,
afinal, a descida aos infernos impactou sua obsessão pelo sentido da vida. O
único comentário referente às lições que o famoso psicólogo tirou do episódio
foi suprimido do texto final; uns poucos segundos nos quais Peterson,
emocionado, confessa: “Tenho muito mais apreço pela banalidade do normal. Você
não tem ideia do privilégio que é poder estar sentado”.
Título e Texto: Maria Clara
Vieira, Gazeta do Povo, 11-2-2021, 12h48
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