terça-feira, 9 de agosto de 2022

Desastre ambiental

Em Manteigas ardeu parte da biosfera única da Serra da Estrela

Armando Esteves Pereira

O incêndio no vale de Manteigas é um desastre ambiental de grandes proporções. Ardeu parte da biosfera única da serra da Estrela, que tinha resistido ao inferno de 2017. 

Foto: Miguel Pereira da Silva

O autarca da vila serrana já fez duras críticas à forma como o combate ao incêndio foi gerido e há fortes indícios de incompetência e desconhecimento do terreno no combate. Provavelmente o vale ainda hoje estaria a salvo das chamas se tivessem sido tomadas as medidas adequadas. E o presidente da câmara explica que na serra há uma estrada que separa as áreas dos municípios de Manteigas e da Covilhã e que com as medidas cautelares adequadas teria sido possível travar as chamas nesta linha. Neste país em que a culpa morre quase sempre solteira, importa apurar responsabilidades.

Mas além da ineficácia no combate, apesar do grande esforço financeiro que já é alocado, as chamas vão continuar a ameaçar o País por causa do descuido, do desleixo e do abandono do território.

Mesmo no Parque Natural da Serra da Estrela, a desertificação humana, o abandono da agricultura e da pastorícia levam a que esta região esteja hoje ainda mais indefesa do que no ano do apocalipse de 2017. Não aprendemos nada. 

Título e Texto: Armando Esteves Pereira, Correio da Manhã, 9-8-2022, 0h31

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2 comentários:

  1. Partindo do fogo da Serra da Estrela
    Henrique Pereira dos Santos
    É relativamente raro eu discutir fogos concretos por uma razão simples: eu não percebo grande coisa de fogos, percebo alguma coisa de evolução de paisagens e acabei rotulado como "especialista" em fogos, aqui e ali, apenas porque, sendo o fogo um filho do seu contexto, e sendo a paisagem o contexto dos fogos rurais, acabei a tentar perceber, com quem realmente sabe de fogos, as relações entre evolução da paisagem e evolução do padrão de fogo.

    No dia 7, Paulo Ferreira (o post é público, portanto não será nenhuma inconfidência), um jornalista com raízes em Viseu, comentou, com umas belas fotografias de há dois anos, o fogo que andava pela Estrela "Os carvalhais da região de Manteigas há dois anos, no Outono. O fogo anda agora por ali. São décadas de património natural que se vai num fósforo".

    Fiz um daqueles comentários genéricos a dizer que não era bem assim, que os carvalhais geralmente recuperavam muito deperessa - dependendo das condições em que tinham ardido - o que deu origem a uma resposta referindo a esperança de que eu tivesse razão "embora para um ignorante no assunto como eu seja muito difícil de acreditar que daqui a cinco anos já teremos as árvores altas e frondosas como as que vi há dois anos nos locais que estão a arder".

    Entretanto já me tinha posto em campo, à procura de informação sobre as condições em que estava a arder - não me parecia que as condições fossem extremas, portanto talvez a intensidade do fogo não fosse nada de especial, o que reforçaria a esperança numa rápida recuperação dos carvalhais, em especial a sua rebentação de copas e não apenas de toiça - e disseram-me que havia alturas a arder com muito intensidade, durante o dia, que à noite nem por isso e havia perspectivas de que, estando o fogo a entrar numa zona em que as perdas seriam maiores, o faria descendo a encosta. O que tende a ter como resultado uma menor severidade - a intensidade é a energia libertada pelo fogo, a severidade é a afectação da vegetação e depende da intensidade do fogo e do estado da vegetação.

    O que me fez andar com este post na cabeça até ter oportunidade de o escrever foi o facto de diferentes fontes de informação confirmarem que este fogo é uma boa demonstração do falhanço do sistema de combate. Não, não estou a falar de voltas a Portugal em bicicleta e coisas do mesmo tipo, estou a falar de coisas bem mais concretas como o fogo, em determinada altura, bater de frente com faixas primárias de gestão de combustível perfeitamente funcionais, mas não estar lá a dispositivo para aproveitar a oportunidade de parar aí o fogo, provavelmente por erro na apreciação do potencial do incêndio logo de início, e porque a doutrina de combate está hoje totalmente focada em não deixar perder vidas e arder casas de primeira habitação, abandonando quase por completo o único combate a fogos florestais realmente eficaz: o que se faz com os pés no chão e ferramentas de cabo de pau na mão.

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    1. Sem surpresa, ouvi, mais tarde, na rádio, um responsável a dizer que não havia perdas materiais, quando o fogo já lavrava há horas em pinhal maduro, provocando perdas materiais substanciais (e, essas sim, graves e com efeitos futuros bem preocupantes, a forma como desvalorizamos o que está a acontecer ao pinhal, por causa do regime de fogos que temos, é arrepiante).

      Não sei discutir se foram tomadas, ou não, as melhores opções o que sei é que vejo frequentemente análises de evolução do fogo, quer durante os fogos, quer em análise posterior, que, para mim, são bem mais informativas que as palermices permanentes sobre o teatro de operações, o número de bombeiros (procurem no google a entrevista de que transcrevo este bocadinho, que vale bem a pena "Ese concepto del bombero como un peón forestal está caduco. Hay que subir ese conocimiento y esa toma de decisiones. Tiene mucha más capacidad de influencia un bombero bien formado que 200 bomberos mal formados y 50 aviones."), o número de meios aéreos ou de viaturas.

      Com certeza haverá fogos com um combate bem gerido e haverá fogos com combate muito mau, o drama é que nós, como país, como sociedade, tendemos a não os distinguir.

      Aparece sempre alguém a pedir responsabilidades, a demissão ou julgamento deste e daquele, mas pessoas a pedir simplesmente um sistema independente que faça a avaliação do que correu bem e correu mal em cada fogo, isso já nos parece uma coisa impossível.

      E, no entanto, essa seria, provavelmente, a melhor forma de evoluirmos serenamente para um combate cada vez melhor, cometendo erros, com certeza, mas evitando repeti-los muitas vezes, e evitando prolongar políticas públicas que, manifestamente, não dão os resultados esperados.

      Um bom exemplo, no caso dos fogos, é o da prevenção estrutural: é defensável, tecnicamente, que intervenções estratégicas tenham uma relação custo-benefício mais favorável.

      Mas há uma condição básica para que assim seja: que o combate esteja suficientemente integrado com a prevenção estrutural, de modo a usar as oportunidades criadas de forma eficiente.

      Manifestamente, por cada exemplo em que isso tenha acontecido, há dezenas em que isso não acontece.

      E isso não nos tem impedido de continuar a gastar rios de dinheiro numa prevenção estrutural que a gestão do combate não reconhece como útil.
      Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 10-08-2022

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